No artigo anterior, tratamos da essencialidade da oração para que a alma adquira vida verdadeira. Agora, iremos aprofundar um pouco sobre sua divisão interna. Isso mesmo, os santos da Igreja sempre perceberam que a oração possuía diversos estágios. E, por ela ser um dos fundamentos da vida interior, sempre se compreendeu e divulgou que existiam diversos graus também na vida espiritual e, portanto, na oração.
A divisão clássica e simplificada expõe sempre 3 graus na vida de oração: aquele dos principiantes, a dos experientes e a dos chamados “perfeitos”.
Essa “perfeição” refere-se ao determinado momento da vida espiritual onde a oração se altera tão profundamente e se torna coisa tão distinta que acaba até recebendo outro nome: contemplação. Ela pode ser chamada de oração contemplativa ou oração mística e também possui diversos estágios ou camadas em seu interior.
Preciso acrescentar que este amor ou abrasamento do coração é o próprio Espírito Santo em ação?
Enquanto a definição de oração de São Tomás de Aquino diz que ela é todo um trabalho humano, isto é, uma elevação da mente a Deus, a contemplação, também segundo o doutor angélico é uma “simples intuição da verdade que termina em um movimento afetivo” (ST II-II Q180A3). Ou seja, a própria Verdade se apresenta e, se é normal que a verdade toque o intelecto, ela não para por aí, mas provoca a vontade gerando amor em quem entra em contato com ela. Portanto, a oração contemplativa é uma ação de Deus que atinge a alma, toca a razão e reverbera na vontade, criando amor.
O modo mais resumido de uma descrição de contemplação, que encontramos na Bíblia, está na passagem dos discípulos de Emaús: “Não se nos abrasava o coração, quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” (Lc 24,32).
Durante a nossa oração (enquanto estamos pelo caminho), ocorre um movimento divino (o Senhor começa a andar conosco), Ele toca nossa inteligência (explica-nos as escrituras) e movimenta nossa vontade, alimentando-a com o amor (nos abrasando o coração).
Assim, se na oração buscamos a Deus, na contemplação essa busca se torna encontro, pois é causada por Ele mesmo. Em teologia, usamos o termo “infusa”, ou seja, infundida por Deus diretamente em nós.
Então, o que é e como ela acontece? De uma maneira direta, a contemplação infusa é a suspensão do intelecto diante de uma verdade sobrenatural. Incapaz de abarcá-la, a inteligência permanece admirada e travada e. por não conseguir agir por si mesma, torna-se passiva desta mesma ação, sendo movida e, este mesmo movimento, também provoca a vontade pelo amor.
Complicado? Ajudará se buscarmos mais algumas definições…
São Francisco de Salles, no seu Tratado sobre o Amor de Deus, atesta: “A contemplação é uma visão simples, livre, penetrante e certa de Deus ou das coisas divinas que procede do amor e tende ao amor”.
Salienta aqui que é sobre Deus ou sobre as coisas divinas e que tem o Amor como ponto principal, pois provoca o amor. Mas também lembra que, embora intelectual em sua essência, se é provocada por Deus, também é provocada pelo próprio Amor em pessoa.
São João da Cruz, no segundo livro de A Subida do Monte Carmelo, também chama a contemplação de comunicação (do latim notitia), geral e amorosa.
Trata-se, evidentemente, de um contato feito por Deus (comunicação), mas de forma que não é temática, específica ou direta, mas geral. E se é claro que a causa é Deus, embora seu modo seja confuso (comunicação geral), seu efeito é claríssimo, causando um aumento no Amor, e por isso amorosa.
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Cuidados na oração contemplativa
Nem tudo são flores nestes altos graus de contemplação. É necessário um acompanhamento estreito e previdente de um experiente diretor espiritual, para que haja o discernimento correto sobre o que é oração contemplativa e o que é pura ilusão sentimental.
Tanto Santa Teresa D’Ávila quanto São João da Cruz, dois dos mais admiráveis doutores da Igreja, preocuparam-se em diferenciar com precisão (até exaustiva) cada grau de contemplação e cada detalhe da vida mística.
São unânimes em dizer duas coisas: primeiro, diretores espirituais competentes sobre essas realidades eram raros no século XVII quando eles viveram, e, no século XXI, sinto muito em lhe dizer que não encontramos uma realidade diferente. Existe muito interesse sobre as ciências modernas, como a psicologia, e pouco conhecimento sobre a enorme tradição da teologia espiritual católica.
Segundo, facilmente cai-se em armadilhas de auto sugestão sobre falsas experiências místicas, quando não se é enganado pelo próprio demônio que, sendo mestre da soberba, quer que pensemos sermos muito mais elevados na oração do que realmente o somos na prática.
Mas a contemplação ou oração mística é um assunto denso e fascinante senão fundamental. Por isso, se você gostaria de entender melhor o que são esses graus de oração, a oração mística e suas divisões, bem como todo o trajeto da conversão inicial a Deus até uma vida de plena união e santidade, eu recomendo a leitura do livro “Santidade para todos: descobrindo as moradas interiores”.
Mais do que explicar cada coisa, ele tem como objetivo te ajudar a viver inteiramente e intensamente essa amizade com Deus que desemboca na verdadeira união.
Se você prestou bem atenção no texto, lembrará que eu escrevi que este “abrasamento do coração” é ação do Espírito Santo em pessoa. Trataremos sobre isso no próximo artigo, sobre a oração carismática.