Antes de tudo, é importante compreender que, para identificar, de fato, um transtorno, é essencial a presença de um profissional especializado. Apenas ele estará capacitado para fornecer o diagnóstico correto. Entretanto, este texto poderá ser útil no sentido de descrever possíveis exemplos de vivências de transtornos que podem estar presentes na vida do casal. Assim, por meio dessa tomada de consciência, vocês poderão buscar ajuda de um profissional para que este possa fazer um diagnóstico e propor um tratamento adequado para o possível transtorno diagnosticado.
O diagnóstico em si, muitas vezes, não terá valor nenhum sem uma proposta concreta de intervenção terapêutica. O objetivo principal de um diagnóstico é encontrar uma saída para o problema; por isso, pensando na questão dos transtornos, a ajuda profissional será de suma importância. Muitos tendem a ler sobre algum transtorno e logo fazem um autodiagnóstico ou, imediatamente, apontam para o seu cônjuge como portador daquele transtorno. Dessa forma, identificam no outro sintomas e comportamentos disfuncionais, próprios e esperados naquele transtorno apresentado em algum texto. Não corra esse risco! Para um diagnóstico correto, como ressaltado acima, é preciso um profissional com formação adequada para isso.
Uma das possíveis raízes dos conflitos são as dificuldades pessoais; nesse sentido, os transtornos psiquiátricos são uma situação que um dos cônjuges ou os dois podem experimentar e que podem promover muitos conflitos no relacionamento diário do casal.
Quando nos casamos, na maioria das vezes, não imaginávamos que viveríamos essa situação no relacionamento; no entanto, os transtornos podem acontecer, e com eles a crise. Ela é considerada uma crise acidental, ou seja, inesperada (entenda mais em nosso livro). Muitos não apresentam o transtorno antes do casamento, mas ele pode ser desencadeado em algum momento da vida conjugal. Outros já se casam sabendo que o cônjuge apresenta o transtorno, e se encontram em contato constante com os sintomas dos transtornos no cônjuge. Em ambas as situações, a família pode encontrar dificuldade para lidar com as consequências desses transtornos no cotidiano da vida familiar.
Então, o que são transtornos psiquiátricos?
São condições nas quais a pessoa vive um sofrimento intenso, experimentando um problema de ordem emocional, de humor, cognitivo ou comportamental. Essas dificuldades promovem um impacto significativo na vida daquele que apresenta o transtorno, bem diagnóstico familiar como nos relacionamentos interpessoais. Esses transtornos podem gerar problemas graves na vivência do casal, pois eles estão juntos diariamente e, portanto, experimentam e vivem “na pele” a dificuldade um do outro.
Um transtorno mental é uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição, na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental. Transtornos mentais estão, frequentemente, associados a sofrimento ou incapacidade significativos que afetam atividades sociais, profissionais ou outras atividades importantes. Uma resposta esperada ou aprovada culturalmente a um estressor ou perda comum, como a morte de um ente querido, não constitui transtorno mental. (dsm 5, 2014, p.20)
Normalmente, os transtornos psiquiátricos têm causas múltiplas. Atualmente, sabemos que existem diversos fatores causadores, como genética, questões hormonais, uso de substâncias tóxicas ou ainda fatores ambientais. Normalmente, as experiências de vida são os principais desencadeadores dos transtornos. É importante salientar que os transtornos psiquiátricos podem ser tratados por meio da medicação e ou da psicoterapia.
Culpar o outro
Muitas vezes, esses transtornos não são identificados, por isso, não são tratados de forma adequada, o que interfere negativamente na vida do casal. Muitos casais culpam o outro por muitos comportamentos, os quais, na verdade, são causados por transtornos. E isso significa que não podem ser culpabilizados por alguns comportamentos, uma vez que são involuntários, ou seja, ocorrem mediante uma alteração, que aqui denominamos de transtornos. Perceba que isso não quer dizer que podemos nos apoiar apenas nessa afirmação e justificar o nosso comportamento, posicionando-nos como vítimas e acreditando que não existe saída. Isso seria uma inverdade, pois muitos desses transtornos são tratáveis.
Realmente, muitos casais vivenciam transtornos no casamento e que, de certa forma, impactam na vida deles. Apresentaremos um caso muito comum – talvez você até conheça algum caso assim. Uma determinada esposa não apresentava alegria e entusiasmo na vida como um todo. Ela sentia um vazio constante! A vida era sem cor, não havia energia para acordar todos os dias.
No convívio com o esposo, ele interpretava a postura dela como sendo falta de amor e de envolvimento na vida matrimonial. Entretanto, tratava-se de um quadro depressivo, e essa situação vivenciada pela esposa não era uma insatisfação com o casamento em si, mas com a sua existência. Algo na sua história de vida pode ter gerado um vazio existencial, culminando em uma depressão. Veja que a família sofre, se não entende a situação vivenciada, trazendo problemas na interpretação das situações vividas. Contudo, se ela compreende que se trata de um transtorno, a luta será grande, mas terá um nome e novas direções, até mesmo um tratamento adequado.
Exemplos de casos
Considerando a importância de exemplos, vejamos um casal no qual a esposa reclamava que o cônjuge se apresentava desorganizado, sem planejamento e dificuldade para o cumprimento de horários e compromissos. Ela relatava que ele era agitado e não conseguia levar seus projetos adiante. O marido se comportava impulsivamente em seus negócios e, depois, a comunicava dos seus resultados negativos. Ele não se recordava das datas importantes, nem dos recados que deviam ser repassados.
A esposa se sentia rejeitada, alegando que ele não era atento à família. Quando submetemos esse paciente a uma avaliação comportamental e cognitiva, bem como a um parecer de outros profissionais, foi identificado um possível Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e, ainda, um transtorno da ansiedade. Ele foi submetido a uma psicoterapia e foi medicado, obtendo melhora do quadro.
Existem, assim, diversas situações em que os transtornos podem dificultar o relacionamento conjugal. Considere, como outro exemplo, um esposo que se queixava da esposa que não conseguia viajar. Logo que entravam no carro, ela apresentava uma série de sintomas físicos como taquicardia, sudorese, dificuldade para respirar entre outros.
A esposa dizia que não conseguia ver a vida com um olhar positivo. Para ela, tudo acabaria mal: imaginava um acidente, o carro desgovernado, uma tragédia qualquer; o pior é que isso aconteceria em tudo que realizava e em diversas áreas da sua vida, e por isso não conseguia dar passos para concretizar sonhos e projetos. Toda a família sofria com essa situação. Ao procurar ajuda, a mulher identificou que apresentava um quadro de ansiedade generalizada, que a escravizava e paralisava a sua vida em todos os aspectos, interferindo no seu casamento e na vida dos filhos. Esse tipo de situação necessita de um acompanhamento profissional.
Existem muitas situações vivenciadas pelo o casal e, consequentemente, por toda a família, que necessitam ser avaliadas e, assim, tratadas adequadamente. Imagine, ainda, uma esposa sofrendo há anos com a irritação do seu esposo, que chegava a ponto de humilhá-la constantemente e, logo após, sempre se arrependia desse comportamento.
O relacionamento tornava-se cada vez mais difícil, o que, consequentemente, promovia mágoas, distanciamento e, ainda, um ambiente conflituoso, que influenciava na educação dos filhos. A esposa revela que não sabia como o outro iria se comportar, e permanecia em constante vigília, relatando sentimentos de desvalorização pessoal. Diante dessa situação, muitos não suportam e se separam. Possivelmente, esse esposo pode apresentar um transtorno denominado Transtorno Explosivo Intermitente, que tem como característica central uma irritabilidade crônica grave, que se manifesta clinicamente com atos de fúria e agressividade com arrependimentos posteriores (dsm 5, 2014).
O transtorno da dependência química
Existem muitos casais sofrendo, porque não sabem o que está acontecendo, e acabam por vivenciar problemas importantes como se fossem normais – os quais, na verdade, podem ser transtornos mentais, que podem e devem ser tratados. Outras situações que têm trazido graves dificuldades são as dependências químicas. A dependência química é um transtorno.
Todas as drogas que são consumidas em excesso têm em comum a ativação direta do sistema de recompensa do cérebro, o qual está envolvido no reforço de comportamentos e na produção de memórias. (dsm 5, 2014, p.481)
A dependência química corresponde a um transtorno que, no ambiente familiar, impede um bom andamento dos relacionamentos, uma vez que o uso abusivo de substâncias traz a falta de controle dos comportamentos que são, rotineiramente, impulsivos. O portador demonstra um aprisionamento em relação à substância, e a sua vida está sempre atrelada às situações para adquirir a droga, ou mesmo buscando lugares de convivência para a utilização do álcool, por exemplo.
Normalmente, a família fica em segundo plano, pois a pessoa que é dependente de substâncias, tanto do álcool como das drogas, em geral, afasta-se da sua vida como um todo e das suas responsabilidades. A situação financeira pode ficar comprometida em função do portador não mais conseguir ter uma rotina de trabalho devido à utilização cada vez maior da droga ou do álcool.
Encontrar respostas é um problema do casal
Como é possível observar, encontrar algumas respostas podem ajudar na compreensão de um problema, bem como direcionar para um tratamento eficaz. O diagnóstico tem este propósito: encontrar respostas para descobrir possíveis saídas.
Diante da realidade dos transtornos, o mais importante é, justamente, não perder o valor do seu casamento e da sua família, estar aberto a mudanças e ter coragem para buscar ajuda. Pensando, ainda, na presença dos transtornos, dizemos sempre que o problema não é do outro, mas sim de ambos. Assim, as saídas devem ser encontradas pelo próprio casal. O casal deverá estar unido para encontrar uma resolução. Culpar o seu esposo ou esposa pela dificuldade é uma saída simples para um problema complexo, que, certamente, não promoverá um amadurecimento conjugal – podendo até causar uma separação.
Quando temos um portador de um transtorno no casamento, não significa que ele é o problema do relacionamento nem que ele deve procurar ajuda sozinho, enquanto o outro terá pouco a fazer, uma vez que não possui nenhum problema. O problema é dos dois! Isso é ser família! É preciso nos responsabilizarmos pelo outro. Quando a pessoa portadora é acolhida, ela tem um motivo para lutar, pois se sente amada. A pessoa que está vivendo o transtorno em si deve se permitir ser cuidada e, ao mesmo tempo, investir na sua cura.
Por isso, é importante que ela procure ajuda. Cada um tem a sua responsabilidade nesse momento; o que acolhe e cuida, e aquele que se dedica ao seu tratamento. Aquele que apresenta o transtorno deve investir na sua melhora, buscar o tratamento, não desistir e ser persistente. Ele deve ser o maior interessado e, portanto, ser humilde, aceitar ajuda e não fugir do tratamento.
A convivência com uma pessoa que apresenta um transtorno não deve ser entendida como um problema insuportável, mas um desafio que deve ser vencido no amor. Então, o mais importante é buscar ajuda e não desistir, pois existem tratamentos para muitos transtornos. Existem soluções para uma melhor convivência. É preciso um caminho: primeiro a compreensão, depois a decisão e, por fim, a busca de ações para uma mudança, com um objetivo real, o de viver em família.
Para refletir e dialogar
1. Algum cônjuge está apresentando, atualmente, um transtorno? Esse transtorno já foi diagnosticado por um profissional especializado?
2. Ambos têm se empenhado para a melhora? Aquele que é o portador do transtorno tem buscado atendimento especializado e se dedicado ao tratamento? O outro tem se responsabilizado, tem tido paciência, acolhimento e carinho para que o seu cônjuge melhore?
3. Qual atitude prática é preciso assumir, agora, para que esse transtorno sirva para o crescimento e amadurecimento do casal, e não para a destruição da família?
Texto extraído do livro “Diagnóstico familiar”.