O que move o coração do romeiro
A tradição cristã sempre viu, na peregrinação, um sinal concreto da caminhada do ser humano em direção a Deus. Desde o povo de Israel, que subia a Jerusalém para as festas religiosas, até os cristãos que buscam santuários e lugares santos, a romaria é expressão de fé, de sacrifício e esperança. “Alegrei-me quando me disseram: Vamos à casa do Senhor” (Sl 122,1).

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A romaria não é apenas um deslocamento físico, mas sobretudo espiritual. Ela recorda que a vida é um caminho e que cada passo é uma resposta ao chamado de Deus. Como ensinava Santo Agostinho: “Somos peregrinos neste mundo; nossa pátria é o céu”. O romeiro, portanto, simboliza cada cristão que, entre fadigas e alegrias, caminha em direção à eternidade.
A romaria é também oferta de amor
O aspecto do sacrifício é essencial. Caminhar longas distâncias, enfrentar o cansaço, o sol ou a chuva, significa oferecer algo de si a Deus. Esse esforço é uma oração feita com os pés. É o corpo que reza, que se oferece. Como dizia São Paulo: “Exorto-vos a oferecer os vossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: este é o vosso culto espiritual” (Rm 12,1).
Mas a romaria não é apenas renúncia: é também oferta de amor. Cada passo dado, cada lágrima, cada cântico durante o caminho é uma entrega confiada a Deus pelas próprias intenções ou pelas necessidades dos irmãos. Por isso, muitos romeiros carregam, nas mãos, velas, flores, terços ou imagens, mas, sobretudo, carregam no coração a fé, a gratidão ou o pedido de uma graça.
Romaria: povo de Deus a caminho
Na Liturgia, a romaria encontra eco no próprio espírito da Igreja, que se define como “povo de Deus a caminho” (Lumen Gentium, 9). A Eucaristia é o ponto de chegada e, ao mesmo tempo, de partida: o romeiro caminha até o altar, e dali é enviado para viver sua fé no cotidiano.
A espiritualidade da romaria também nos lembra que ninguém caminha sozinho. Assim como Maria foi “apressadamente” ao encontro de Isabel (Lc 1,39), o romeiro vai em comunidade, canta, reza, partilha. A estrada se torna lugar de comunhão, e o destino, um encontro com Deus e com os irmãos.
Maria é a grande romeira da fé
Aqui, encontramos um ponto essencial: Maria é a grande romeira da fé. Não é por acaso que grande parte de nossas romarias têm como destino um santuário mariano. Desde Nazaré até Belém, do exílio no Egito até a subida a Jerusalém, sua vida foi marcada pelo caminho. Mais ainda: no Calvário, ela percorreu o itinerário mais doloroso, unindo-se ao sacrifício do Filho.
Como ensina o Papa Bento XVI: “Maria acreditou, e essa fé foi um caminho, uma peregrinação de toda a sua vida”. Por isso, quando caminhamos em romaria, não estamos sozinhos: Maria caminha conosco, conduzindo-nos sempre a Jesus.
Cristo também fez a grande peregrinação pascal
Fazer uma romaria é, em última análise, imitar Cristo, que também fez a grande peregrinação pascal, oferecendo sua vida como sacrifício perfeito ao Pai. Por isso, cada romeiro é chamado a unir seu esforço ao sacrifício de Jesus, tornando sua caminhada uma oração viva.
Que cada romaria seja para nós sinal de conversão, gratidão e esperança. Caminhar em direção a um santuário é recordar que nossa vida inteira é um caminho para o grande encontro com Deus. E que, ao final da estrada, como os discípulos de Emaús, possamos reconhecer o Senhor que caminha ao nosso lado (cf. Lc 24,13-35), tendo Maria como companheira fiel de todas as nossas peregrinações.
Pe. Diogo Shishito
Especialista em Liturgia, Diocese de Mogi das Cruzes. Doutorando em Liturgia pela Pontifícia Universidade Sant’anselmo em Roma.