📚 História

Relatos sobre São Josemaria Escrivá

O chamado vocacional

São Josemaria sentiu-se chamado ao sacerdócio aos 15 anos de idade, ao ver as pegadas de um carmelita descalço na neve. Ele pensou no sacrifício que aquele homem fazia por Deus e se perguntou o que ele, Josemaria, poderia fazer por Deus. Entrou para o seminário e foi ordenado sacerdote em 28 de março de 1925. Ocorreu que, mesmo após sua ordenação, ele sentiu que Deus queria algo a mais dele. Passou a rezar a jaculatória “Senhor, que eu veja! Senhora, que seja!” Até que, no dia 2 de outubro de 1928, no intervalo de um retiro, Deus lhe mostrou o Opus Dei: uma parte da Igreja Católica cujo fundamento seria a filiação divina, incentivando a que todos vivessem como filhos de Deus, santificando o trabalho e encontrando a Deus na vida cotidiana.

Com os relatos de Padre Iñaki Celaya, recordaremos os últimos acontecimentos e as últimas lições em sua vida terrena.

Crédito: JJFarquitectos / GettyImages

Falar de céu

Viveu exclusivamente para o Senhor: era evidente que não tinha outro propósito senão conhecê-Lo, amá-Lo e servir-Lhe, e que essa atração divina crescia impetuosamente nos últimos anos da sua vida. Tinha os olhos postos na vida eterna, uma perspectiva a partir da qual valorizava todos os aspectos da existência: muitas vezes, eu o ouvi dizer que temos que ter a cabeça no céu e os pés bem firmes no chão, dizendo que temos que buscar a santidade e a união com Deus através das realidades desta vida.

Com relativa frequência, ouvi-o falar do Céu, que o Senhor nos dará se formos fiéis. Deixava bem claro para nós que essa fidelidade, e em particular a perseverança final, é um dom de Deus que não podemos merecer, por isso é necessário recorrer à misericórdia de Deus e aos meios sobrenaturais. Lembro-me de ouvi-lo dizer que nenhum de nós tem certeza da perseverança e que viu nisso um grande amor de Deus por cada um e sua liberdade, que isso não deveria nos inquietar, mas nos levar a considerar a misericórdia divina.

Sempre aceitar a vontade de Deus

A partir da década de 1960, ouvi-o repetir a oração jaculatória do salmo Vultum tuum, Domine, requiram (Buscarei teu rosto, Senhor); e, muitas vezes, ele nos falava sobre o rosto mais amável do Senhor, que iremos ver no céu. Numa reunião familiar em 3 de maio de 1967, ouvi-o, talvez pela primeira vez, dizer estas palavras: “está anoitecendo”, falando-nos com naturalidade do amor de Deus que nos espera. No ano anterior, em outra reunião familiar, cantamos uma canção que se tornara popular na Itália, chamada Aprite le finestre al nuovo sole.

Ele gostou muito dela e, em várias ocasiões, disse-nos que gostaria que a cantássemos para ele no momento de sua morte. Nessa mesma reunião, ele cantarolou uma música que diz “Eu sou o entardecer para você, e você é o meu amanhecer”, e finalizou comentando: “A esperança é um dia com uma luz que não se apagará jamais”.

Ao mesmo tempo, lembrava-nos que não faz parte do espírito do Opus Dei querer morrer, mas – sempre aceitando a vontade de Deus – desejar viver, trabalhar duro e morrer espremido como um limão: Devemos desejar viver muito, porque o Senhor tem poucos amigos na terra”.

A segurança na fé

A sua segurança na fé não era presunçosa. Não se considerava superior a ninguém, mas confiava exclusivamente em Deus. Sempre que falava de polêmicas doutrinais, da necessidade de ser fiel à doutrina da Igreja, terminava nos dizendo para pedirmos a Deus que não soltasse a nossa mão, pois poderíamos cair mais baixo do que qualquer outra pessoa. Este era o seu ensinamento e o seu exemplo: uma humildade sincera e prática, sustentada por um profundo autoconhecimento: dizia-nos muitas vezes que se via capaz de todos os erros e de todos os horrores do homem mais vil”, e que por isso compreendia as fragilidades humanas.

Muitas vezes, o ouvi repetir uma frase de um autor francês: não sei como será o coração de um criminoso, mas assomei-me ao coração de um homem de bem e me assustei”. Esse conhecimento da alma humana levou-o a uma atitude de contrição contínua, que o enchia de paz e serenidade.

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Agradecer extraordinariamente

Outra característica de São Josemaria: ele era extraordinariamente agradecido. Qualquer coisa que você fizesse por ele, ele considerava imerecido e o levava a agradecer. Comprovei isso em muitos detalhes: toda vez que ele me ligava para pedir alguma coisa, sempre o fazia com um por favor, e depois dizia obrigado, e se fosse algo mais pessoal, como pedir que o carro ficasse pronto porque ele iria dar uma saída, pedia desculpas por incomodar, perguntava se havia alguma dificuldade etc.

Quando se comemorava o dia do seu onomástico ou seu aniversário, costumávamos preparar um programa de canções: nunca deixou de nos agradecer carinhosamente pelo que fazíamos. Certa ocasião, quando me deu uma tarefa especial, me agradeceu várias vezes quando me via. Em todas as tertúlias, agradecia publicamente ao Padre José Luis Pastor, que era seu médico, tudo o que fazia por ele etc.

O desprendimento

Tínhamos uma grande esperança de que ele visse as obras concluídas e pudesse morar em Cavabianca (a sede definitiva do Colégio Romano, para onde me mudei em 1974). Cada vez que mencionávamos o assunto, tornava-se evidente o seu desprendimento em relação a algo que ele próprio tinha seguido com tanto interesse, e a sua disponibilidade perante a Vontade de Deus: sempre pensou que o importante era servir “aos que virão depois”, sem dar importância ao que ele pudesse chegar a ver na vida.

No final de um dos últimos encontros que tivemos com ele em Cavabianca, no dia 24 de abril de 1975 às sete da tarde, quando já estava no carro para partir, dissemos-lhe que tudo estava ficando muito bonito, e quase sem dar importância a esse assunto, respondeu que não estava interessado nos prédios, mas sim naqueles que os ocupavam.

Algumas semanas depois, em 7 de junho, enquanto íamos todos com ele para a ermida de Santa Cruz (um dos prédios dentro de Cavabianca), sugeri que fôssemos ver uma praça que tinha ficado muito bonita.

Respondeu-me com humor, apoiando-se no meu braço: nem na sua terra se come um bezerro de uma vez… Eu vou vê-la se Deus quiser”.

A última lição em sua vida terrena

Em 22 de junho de 1975, quatro dias antes de entregar sua alma a Deus, eu o vi e o cumprimentei pela última vez. Como sempre quando vinha a Cavabianca, fazia indicações para completar a decoração, melhorar detalhes etc., e, ao mesmo tempo, elogiava e encorajava os arquitetos. Assim que me viu me perguntou: “Como vai isso aí?. Demorei um pouco para reagir porque não imaginava que ele pudesse se lembrar de que eu tive um pequeno herpes labial, que estava praticamente curado.

Nesse dia, acompanhei-o no percurso que fez por várias zonas de Cavabianca, que terminou com um encontro na sala de leitura. Pareceu-me que estava cansado, pelo menos no final da visita, que durou quase duas horas. Acho que foi para todos nós a última lição que nos deu em sua vida terrena: entusiasmo e empenho no trabalho – suas indicações aos que pintavam, aos arquitetos… – , a retidão de intenção e o desejo pelas almas que o moviam, sua união com Deus enquanto via as coisas, sua preocupação e carinho pelos filhos, sua graça e seu bom humor.

Ref: https://opusdei.org/pt-br

Pe. Iñaki Celaya, opus dei