Leia

Você acha que de boas intenções o inferno está cheio?

Muito provavelmente você já ouviu que “de boas intenções o inferno está cheio”. Essa afirmação traz uma primeira conclusão de que é possível atribuir valor à intenção: boa ou má. Então, surge uma reflexão sobre a dissociação entre a ação e o que se pretende com ela. Mas se as intenções são boas, não deveriam nos levar diretamente à salvação? Será mesmo que de boas intenções o inferno está cheio?

A intenção é aquilo que se pretende, o que se deseja, que se quer. É possível até mesmo celebrar missas em intenções particulares, como permite o Código de Direito Canônico (Cân. 945). O comentarista das missas geralmente anuncia esse momento com a frase “intenções para essa Santa Missa”. As intenções também são previstas no Código de Direito Canônico para a vida consagrada (Cân. 597) e para os sacramentos do batismo (Cân. 861) e da ordem (Cân. 1029). Nesses casos, o texto atribuiu o valor de “reta intenção”. Claro que se espera de todo cristão que suas ações sejam sempre movidas por boas intenções. São Josemaria Escrivá ensina que “a retidão de intenção está em procurar ‘somente e em tudo’ a glória de Deus”. Entendemos, até aqui, que a boa intenção está intimamente relacionada a vida cristã.

Quais são as suas intenções?

Na obra “O Capital”, Karl Marx escreveu que “o caminho do inferno está calçado de boas intenções” logo após dar o exemplo de alguém que apresentava uma razão justa para sua ação, mas que essa ação tinha, na verdade, um propósito negativo. Talvez seja essa obra que popularizou a ideia de que de boas intenções o inferno está cheio, mas Marx não é denominado o autor desse pensamento. Podemos encontrar nas cartas de São Paulo sobre pessoas que “pregam Cristo por inveja”, os quais é “por espírito de intriga que anunciam o Cristo; suas intenções não são puras” [1]. Assim, avançamos em um passo mais profundo no entendimento das intenções: é possível, até mesmo, anunciar Jesus Cristo com má intenção, ou seja, qualquer ação pode ser imbuída de um objetivo injusto e malicioso. Como então reconhecer as boas intenções?

Na parábola do joio e do trigo [2], Jesus conta sobre um homem que semeou boa semente (de trigo) e sobre o inimigo que semeou joio (uma erva daninha) no meio do trigo. Quando os empregados perceberam que crescia joio entre o trigo, correram para avisar o patrão, eufóricos, querendo logo arrancar o joio. Mas o patrão lhes pede paciência e orienta que esperem o momento da colheita, quando o joio será jogado na fogueira e o trigo guardado no celeiro do patrão. Nem sempre é fácil reconhecer o que é joio e o que é trigo, como nem sempre é fácil reconhecer quais são boas e más intenções. É preciso esperar o momento da colheita, é preciso ter sincera confiança na vinda do Senhor.

Vigiai a si mesmo

São Paulo ensinou também que a Palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante do que uma espada de dois gumes; ela penetra até dividir alma e espírito, juntas e medulas. Ela sonda as intenções e os pensamentos do coração. Nenhuma criatura é capaz de esconder-se de seus olhos, mas todas as coisas são como que nuas e descobertas aos olhos daquele a quem devemos prestar contas [5]. Então, é possível esconder as más intenções dos homens, mas não se pode escondê-las de Deus.

Deus muda a má para a boa intenção

Por fim, a resposta é não! Não há boas intenções no inferno. Há mentirosos, manipuladores e hipócritas. Há aqueles que fingiam boas obras, mas seus objetivos verdadeiros eram egoístas. Essa miséria de caráter se revelará diante de Deus, que conhece todos os corações. A nós, humildes pecadores, cabe vigiar e orar pela retidão de nossas próprias intenções, sempre seguindo o caminho da salvação. Que Maria, Santa Mãe de Deus, rogue por nós para que sejamos, em nossas obras e intenções, dignos das promessas de Cristo. Que assim seja!

Citações do texto Bíblico

[1] (Fl 1, 12-20); [2] (Mt 13, 24-30); [3] (1Cor 4, 5); [4] (Mt 7, 1); [5] (Hb 4, 12-
13); [6] (Gn 37, 12-36); [7] (Gn 50, 20); [8] (Rm 8, 31); [9] (Is 32, 8).

Referências

BÍBLIA SAGRADA. Tradução da CNBB, 18 ed. Editora Canção Nova.
ESCRIVÁ DE BALAGUER, Josemaría. Forja, Quadrante, São Paulo, 1987.
FRANCISCO. Audiência Geral. Vaticano, 10 jan. 2018.
FRANCISCO. Angelus. Vaticano, 19 jul. 2020.

MARX, Karl. O Capital – Parte III – Capítulo 7: Processo de Trabalho e Processo
de Produção de Mais-Valia. [ma] Marxists Internet Archive:
dominiopublico.gov.br
SAGRADA BIBLIA. Traducción y notas Facultad de Teología Universidad de
Navarra. Edição Digital. Editora EUNSA. 2016.