Talvez, eu esteja precisando voltar à fé simples, à fé que não precisa ser explicada, que não sabe dizer, que sabe esperar
Hoje, eu senti saudade de ter pai. Vê-lo voltar para casa, observar o seu sorriso tímido, seu cuidado com as pequenas coisas. Senti saudade de ser visto como filho, já que na vida tenho que dar conta de tudo, muitas vezes, sozinho. Ser filho é um jeito interessante de descansar da vida, de depender, de poder perder a hora, de esquecer o compromisso, não cumprir o combinado. É uma forma justificável de realizar pequenas transgressões. A bronca do pai vem sempre depois de tudo isso. Até mesmo das broncas eu tive saudade. Do seu olhar severo me pedindo explicações, repreendendo-me. Quanto amor havia naquelas repreensões! Só eu não sabia ver, só eu não podia enxergar.
Tive saudade de vê-lo chegar pelo portão principal com sua velha bicicleta. Um jeito silencioso de andar, de guardar as ferramentas e chamar pelo nome da minha mãe. Chamava por chamar, só para anunciar sua chegada.
Foto: Wesley Almeida / cancaonova.com
Eu costumo dizer que minhas principais aulas de Teologia, eu as recebi no interior da minha casa, lá, naquele lugar onde a vida nos permitia recolher pelos cantos da casa os rastros do Sagrado. Deus esteve ali e olhou-me nos olhos do meu pai. Deus esteve ali e comeu junto com a gente uma sopa de macarrão em noites de chuva e frio.
Eu me recordo das pequenas alegrias daquele tempo. Somadas, formam uma grande felicidade no dia de hoje. Ainda que tudo fosse tão difícil naquela hora, hoje, distante no tempo, a vida se reveste de novas cores, e o que antes era triste, agora se transforma em saudade feliz.
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Ter pai é um jeito interessante de ter fé em Deus. Uma fé que não passa pelo horizonte das formulações racionais, mas que nos surpreende com um impacto nos afetos. Uma fé que nos rouba as palavras, as formulações, e que nos coloca na boca um balbucio que diz sem dizer: “Eu não sei dizer por que acredito, eu só sei acreditar”. Talvez, seja por isso que eu tenha acordado com tanta saudade de ter pai de novo. Talvez, eu esteja precisando voltar à fé simples, à fé que não precisa explicar, que não sabe dizer, que sabe esperar. Não saber dizer é um jeito interessante de cultivar a sabedoria. Jeito estranho, mas é.
Meu pai era um homem que não sabia dizer muito. Tinha dificuldade com as palavras, e, no entanto, era um homem sábio. A palavra demorava mais tempo na sua boca. Não tinha pressa para dizer nada.
O que aprendi com meu pai
Palavra que demora na boca, quando nasce, nasce mais sábia. Aprendi isso com ele. Aprendi também que sempre é tempo de aprender. Ele, por ser tímido, sempre teve dificuldades de demonstrar o seu afeto. Tinha um coração imenso, mas não sabia demonstrar o que sentia. Somente no último ano de sua vida, quando a doença chegou para levá-lo de nós, é que ele se tornou capaz de externar o amor que tinha por cada um dos seus filhos.
Meu pai viveu 63 anos. Precisou viver 62 para ter coragem de nos beijar sem receios. Acho isso lindo. No último ano de sua vida, todo o afeto trancado ao longo de uma vida inteira veio para fora. Isso me ensina, isso me faz entender a lógica do amor de Deus.
Não importa o tempo em que ele não soube amar, o que importa é o tempo em que soube aprender. Deus não se prende ao que a gente não conseguiu. Ele prefere olhar para o que a gente soube realizar.
Eu não lamento os 62 anos em que tive o meu pai pela metade. Eu só quero me recordar do último ano de sua vida e dos dias felizes que ele me proporcionou. Quero é recordar a grande lição que ele me deixou antes de partir: nunca é tarde para aprender!