Entre as diversas dificuldades que se sobrepõem à oração, duas ocupam lugar central: esquecer-se de rezar e distrair-se ao rezar. Se a primeira pode ser resolvida com o estabelecimento de uma rotina e seus acessórios (agenda, alarmes, avisos, um pouquinho de força de vontade), a segunda, além de ser mais difícil de ser erradicada, pode causar problemas mais sérios. Afinal, Deus escuta a oração de quem reza distraído? Ou a oração distraída permanece sendo oração?
Em primeiro lugar, na oração vocal, aquela feita com palavras como vimos no artigo anterior, precisa existir uma mínima correção em relação às palavras. É surpreendente a quantidade de pessoas que erram as palavras e sequências de uma oração! Para citar um único exemplo disso, na oração conhecida como “Salve Rainha”, frequentemente ouvimos “(…) e depois deste desterro, mostrai-nos Jesus, bendito é o fruto do vosso ventre (…)”, quando o correto é: bendito fruto de vosso frente. Um problema de concordância e de confusão desta oração com a “Ave-Maria”.
Depois, existe a necessidade de se prestar atenção no sentido das palavras. A oração não é somente uma repetição de fórmulas prontas sem sentido. O que estou pedindo? Com o que estou me comprometendo? Vejo muita admiração e consternação quando falo sobre o tema e explico o sentido do trecho do “Pai-Nosso” que diz: “(…) perdoai-nos as nossas ofensas, assim como perdoamos a quem nos tem ofendido (…)”. Já parou para pensar nisso? Eu peço que Deus me perdoe exatamente do mesmo modo que (assim como) eu perdoo as pessoas, nem mais, nem menos. Isso quer dizer que, se em vez de dar o perdão, você pede justiça e castigo para quem o ofende, toda vez que você reza o “Pai-Nosso” é justiça absoluta e castigo por seus erros que você está pedindo a Deus. O sentido desse trecho da oração é: Senhor, trate-me exatamente como eu desejo que aqueles que me ofenderam, caluniaram, traíram, agrediram etc. sejam tratados.
Mesmo distraído, minha oração ainda é válida?
Por último, para existir oração, eu preciso determinar a finalidade que eu estou rezando. Ou isso já se tornou um hábito sem sentido e automático em sua vida? Repetir Ave-Marias, Pai-Nossos etc., sem pensar sobre o assunto? O porquê fazemos é fundamental para existir oração. Dentre os vários objetivos ou finalidades para rezarmos, por favor, não se esqueça de que é para a Glória de Deus e nossa santificação pessoal. Coloque sempre essas duas intenções com as outras que você tiver, e lembre-se de nada é mais importante que essas duas que se referem diretamente à sua salvação e bem-aventurança eterna. Afinal, aqui “tudo passa”, como diz Santa Teresa de Jesus.
Parte da pergunta inicial já foi respondida: para rezar sem errar as palavras, pensando no sentido do que digo e estabelecendo a finalidade não tem como estarmos distraídos na oração! No entanto, podemos começar bem e nos distrair depois de iniciar, por força do hábito ou por culpa da nossa fraqueza natural. Santo Tomás de Aquino nos lembra que a oração é elevação da mente a Deus, e somente uma mente atenta consegue se elevar. Mas é consciente de que, justamente por causa da limitação humana, a mente não consegue permanecer constantemente elevada o tempo todo, e as divagações podem acontecer.
Distração proposital e não proposital
Nesse caso, minha oração continua valendo? Em parte sim: a oração que iniciou bem e depois sofreu distração não perde o mérito nem o valor de súplica. Se eu me dispus a rezar e elevo minha súplica a Deus, o mérito que recebo por qualquer atitude feita por amor a Deus, ou seja, pela intenção de amá-Lo, já foi conquistado. Do mesmo modo, a súplica, que é própria de qualquer oração: a impetração (nome usado na teologia), é suficiente e válida no primeiro momento que é proferida e não precisa ser constantemente renovada enquanto se reza.
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Dito isso, nunca é demais ressaltar que a oração precisa ser buscada sem distrações. São Basílio Magno é categórico: “O auxílio divino deve ser implorado sem negligência, sem divagações”, ou seja, se a mente divaga de propósito na oração, é pecado, e isso impede que a oração aconteça. Para se precaver contra isso, Santo Agostinho insiste para que “quando orais a Deus em salmos ou em hinos, tende no coração o que a boca profere”. No entanto, se a distração da mente enquanto se reza ocorre sem intenção, não sendo proposital, não tira os frutos da oração mencionados acima: mérito e impetração.
Os santos se distraiam na oração?
Sem culpa, embora fazendo todo o esforço para estar atentos, os santos também se distraíam na oração. O mesmo São Basílio afirma: “Se enfraquecido pelo pecado não podes orar com atenção e procuras evitar isto, Deus não o considerará. Porque, neste caso, não podes estar na sua presença como deves, não por negligência, mas por fraqueza”. Também nas escrituras encontramos que “o meu coração me abandonou” (Sl 39,13).
Paremos um instante: se a distração acaba ocorrendo, por que Santa Teresa d’Ávila, doutora da Igreja e mestra da oração, afirma que a oração distraída deixa de ser oração?
Primeiro, porque perdida a atenção, perde-se a intenção do fim. Santo Tomás afirma que a atenção é absolutamente necessária para se atingir a finalidade da oração, que é elevar a mente a Deus e estabelecer comunhão com ele. Perceba que os dois primeiros frutos da oração – mérito e súplica – só foram adquiridos porque são necessários uma única vez no início da oração, e aconteceram enquanto existia atenção da parte de quem rezava.
Depois, e no caso o mais importante para Santa Teresa, o terceiro fruto da oração é que ela nos santifica enquanto estamos em união atenta com Deus. Podemos utilizar a imagem de um carregador de celular na tomada: se existe corrente elétrica (a atenção), o “carregamento” acontece; a partir do momento que a corrente se perde, também não existirá mais carga no celular.
Refeição da mente
Santo Tomás de Aquino compara esse fruto da oração atenta com “uma certa refeição da mente”. De fato, Deus nos alimenta espiritualmente através do aumento da graça santificante enquanto permanecemos unidos a Ele. Essa infusão e aumento da graça santificante acontece pela própria virtude de Cristo no sacramento do batismo, por exemplo. Ali, somente a obra feita por Cristo é necessária para o recebimento e atuação da graça santificante e, por isso, até uma criança sem uso da razão pode recebê-lo.
Na oração, por outro lado, embora a graça provenha de Deus, ela necessita de nossa cooperação para se estabelecer e crescer, e Jesus deixa isso claro. É pensando nesse sentido de santificação pessoal ou refeição espiritual que tanto Santa Teresa, quanto Santo Tomás, são unânimes em dizer que, sem atenção constante de quem reza não há aumento da graça santificante e verdadeiro alimento para a alma.
No próximo artigo, procuraremos entender como é possível rezar sem cessar (1Ts 5,17) e, desse modo, cumprir a ordem do apóstolo São Paulo em sua carta aos Tessalonicenses.