Nesta série sobre a oração, temos analisado alguns pontos que são fundamentais para entender o que é essa relação do ser humano com Deus, que chamamos de rezar. É, antes de mais nada, um trato de intimidade ou amizade, como Santa Teresa de Jesus se referia a ela.
Mesmo aquilo que é óbvio, merece ser melhor compreendido para ser melhor vivido. E é pensando nisso que refletimos aqui sobre o porquê de ser um dever rezarmos uns pelos outros e buscar sempre rezar juntos pelas causas comuns ou intercedendo por alguém. Sim, é um dever, pois, na carta de São Tiago existe a ordem: “Orai uns pelos outros, para que sejamos salvos” (Tg 5, 16).
Mas… por que rezar pelos outros?
Santo Tomás de Aquino nos apresenta três motivos principais. Primeiro, porque a oração coletiva é mais facilmente atendida. Afinal, Jesus nos ensinou que, onde dois ou mais estiverem reunidos, ele mesmo fará parte do grupo, sustentando-o e intercedendo por ele (Mt 18,20). Segundo, como vimos que a oração é também agradecimento e louvor, para que muitos agradeçam juntos os benefícios de Deus (2Cor 1,11). Essa união pelo louvor e agradecimento é um reflexo, aqui na terra, da própria vida bem-aventurada dos santos e uma participação ativa na “comunhão dos santos” que compõe toda a Igreja.
Finalmente, e esta é uma razão pedagógica, para que aqueles que vivem uma vida mais virtuosa, buscando ativamente a santidade, não sejam acometidos pela soberba e se considerem autossuficientes. Ou seja, precisamos entender que, mesmo a oração dos “menos virtuosos”, é agradável a Deus e atua ativamente dentro do corpo místico de Cristo, que é a própria Igreja, promovendo o bem coletivo a todos.
Vários outros santos valorizaram e explicaram a necessidade da união na oração. São Cipriano ensinava sobre a oração do “Pai Nosso” que “não dizemos na oração dominical: Pai meu, mas Pai nosso; nem: me dai, mas nos dai; porque o Mestre da Unidade não quis que se fizessem orações particulares de modo a um orar só para si. Quis que um orasse por todos, como Ele a nós todos conduziu à unidade”.
Rezar por nós mesmos
No entanto, devemos lembrar de que: vimos no artigo “O que eu ganho por rezar?” que o primeiro requisito para que a oração seja atendida é que devemos rezar por nós mesmos. Santo Tomás explica o motivo de que a oração para outras pessoas, às vezes, não são atendidas mas, reforça que, mesmo quando a nossa oração não é benéfica para quem rezamos, traz benefícios para nós mesmos:
“Às vezes, acontece que a oração feita para o outro seja ineficaz, embora seja piedosa, perseverante e relativa à salvação, devido ao impedimento da parte daquele por quem oramos. Jeremias ouviu do Senhor: ‘Se estivessem Moisés e Samuel perante a mim, não inclinarei meu coração para este povo’ (Jer 15,1). Todavia a oração será meritória para quem ora, se o faz por caridade, segundo diz o salmista: ‘A minha oração voltará ao meu peito’ Sl 34,13. A Glosa assim explica: ‘Embora não lhes tenha sido proveitosa, eu não perdi o merecimento””. Santo Tomás de Aquino (Suma Teológica II-IIparte, Q83, A7)
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Por último, uma questão que já toca o tema que examinaremos no próximo artigo: se as pessoas boas rezam por si mesmas e têm suas próprias orações atendidas por Deus, e aqueles que não vivem segundo a fé em Deus não rezam nem estão abertos à Graça, por que deveríamos rezar por eles? Afinal, poderíamos adotar como exemplo a Palavra de Deus dirigida a Isaías: “Quanto a ti, não intercedas por esse povo. Não ergas em favor dele queixas ou súplicas e não insistas junto de mim, porque não te escutarei” (Jer 7, 16).
A salvação de todos
A verdade é que temos obrigação de rezar pelos pecadores para que se convertam. Pois, do mesmo modo que fomos trazidos para a salvação quando ainda não merecíamos (Rm 5,8), temos o dever de também pedi-la para nossos irmãos. Já, pelos justos, aqueles que já percorrem um caminho de santidade, devemos rezar para que perseverem e progridam porque, como ensina Santo Agostinho: “Deus dá algumas graças, como o começo da fé, mesmo aos que não a pedem; outras, como a perseverança, reservou somente para os que pedem”. Peçamos por aqueles que se esquecem de pedir! Como estão em estado de graça, com certeza receberão!
Obviamente, Santo Tomás nos lembra de que, como não sabemos quem é justo e quem é pecador; quem se salvará ou quem não se salvará, não devemos negar a ninguém as nossas orações. Devemos pedir a conversão, a perseverança e a progressão a todos.
Pedir e desejar o bem!
Se, como vimos anteriormente, é correto pedir na oração o que é lícito desejar, devemos pedir e desejar o bem não só para nós, mas também para os outros. Isso faz parte daquele amor que devemos ter pelo próximo. Cumprimos, assim, os dois primeiros mandamentos sintetizados por Jesus: amamos a Deus sobre todas as coisas nos unindo a Ele pela oração e amamos ao próximo como Jesus o ama: intercedendo por sua salvação, sua perseverança e progressão na santidade.
Isso é maravilhosamente sintetizado por São João Crisóstomo quando lembra de que: “Orar para si, a necessidade obriga; para os outros, exorta-nos a caridade. É mais agradável a Deus a oração não motivada pela necessidade, mas recomendada pela caridade fraterna”.
No próximo artigo, examinaremos uma difícil questão: se devo rezar por todos, sou obrigado também a rezar por aqueles que eu sei que me odeiam?