Quem segue a Cristo não tarda a perceber quão paradoxal é a nossa fé. Afinal, a maior vitória da história é comumente confundida com o fracasso mais retumbante de todos os tempos: o próprio Deus se encarnou para morrer humilhado na cruz. Jesus mostrou esses paradoxos em diversas oportunidades, deixando claro que, quem quiser ser o maior seja aquele que serve.
São Paulo, imitador de Cristo, afirmou que, quando se sentia fraco é que era forte. Santo Agostinho também expressou o paradoxo nas suas Confissões: “Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora!”. Por fim, Chesterton, ele mesmo apaixonado pelos paradoxos, em dado momento, revela que essa paradoxalidade da nossa fé o atraiu sobremaneira para a ortodoxia. “O cristianismo”, disse ele, “prega o valor infinito do que aparenta não ter valor e a inutilidade infinita do que aparenta ser valioso”.
Não é surpresa, portanto, que nós, que trilhamos o caminho da santidade, pareçamos, muitas vezes, ser um paradoxo ambulante. Buscamos viver o amor que tudo suporta, tudo espera, é paciente, mas, ao mesmo tempo, contudo, para sermos amigos de Cristo, como nos ensinou o Papa Bento XVI, não devemos ter medo de ser inconformados, porque estamos no mundo, mas não somos do mundo. Precisamos, portanto, ser pacientes, mas inconformados. Precisamos morrer para viver. Precisamos crescer e amadurecer na fé, pois o tempo de receber alimento líquido como crianças já passou, porém, se quisermos ganhar o Reino dos Céus, precisamos ser como crianças.
Ser como crianças? Ser paciente? Ser inconformado?
Um desafio que se mostra considerável neste contexto é o de discernir com sabedoria: quando o “ser como crianças” é bem-vindo e revela se estamos no caminho para ganhar o Reino dos Céus e quando não é bem-vindo, por revelar imaturidade e falta de zelo com a própria salvação. Em que ocasião ser paciente e em qual ser inconformado?
Por muitos anos, lamentei a minha frieza emocional. Tenho uma grande tendência, por temperamento, a ser excessivamente racional, o que muitas vezes, me leva a aplicar tanta análise, tanto raciocínio a determinadas situações que minhas emoções se veem esvaziadas, como se tivessem sido fabricadas em laboratório, sem vigor nenhum. Isso, algumas vezes, provoca frustração em quem convive comigo, mas, especialmente, em mim mesmo, por me ver inconformado com essa minha “composição temperamental”. Eu queria sentir, queria que o sangue pulsasse vivo nas minhas veias. Queria, enfim, ser o que não sou.
Minha filha passou recentemente por uma cirurgia para corrigir um braço quebrado. Eu a acompanhei todo o tempo (no atendimento na urgência, quando se descobriu a fratura; na internação, no momento da cirurgia). Enquanto minha esposa chorava angustiada com a situação, eu parecia um autômato em minhas emoções. Eu via a minha esposa chorar, via a minha filha sofrer de dor, chorar com medo da cirurgia, mas é como se essas informações
passassem por uma via tão intrincada no cérebro, cheia de análises e ponderações antes de chegar ao coração, que, ao final do percurso, as informações estivessem fracas, sem força para ativar o mecanismo emocional que me fizesse sentir, no meu coração, compaixão, dor, piedade e angústia. É como se eu estivesse analisando imagens de uma câmera de segurança. Meus batimentos cardíacos não se alteraram; eu não fiquei tenso, não perdi o sono, não tive vontade de chorar.
O paradoxo da vida cristã
Outrora, como já disse, isso me tirava a paz, porque eu realmente desejava ser “normal” e sofrer a dor da minha filha. E aqui entra o discernimento do paradoxo da vida cristã: eu precisei aprender a conformar-me com quem eu sou e, ao mesmo tempo, não me conformava comigo mesmo.
Explico: minha inclinação para essa frieza emocional faz parte de mim, da minha essência; nasci com ela, então, ela foi moldando o meu modo de interagir com o mundo e com as coisas. Eu não consigo desligar esse meu jeito (analítico, muitas vezes, frio e distante) de encarar as situações. Preciso conformar-me com isso.
Então, não me conformo com o quê? Com as consequências naturais do meu temperamento. É natural que eu seja menos inclinado à piedade, à empatia e, consequentemente, é natural que eu sinta menos a dor do outro. Mas se desejo percorrer os passos de Cristo, não posso me conformar com isso. Não posso ser escravo das emoções que não sinto; e não me conformando com o que é natural, busco o sobrenatural.
Leia mais:
::Como viver a virtude da esperança em meio à pandemia
::É tempo de empatia
::A saudade que toma conta de nós
::O que fostes ver na praça deserta?
Ajuda do Espírito Santo
Falando dessa situação concreta, sei, objetivamente, que amo a minha filha e que me importo sobremaneira com ela. Sei que quero o melhor para ela e que sofreria no seu lugar se tivesse a opção. Se não sinto nada disso, não vou parar no sentimento: guiado pelo Espírito Santo, esbanjarei atos de amor, atos concretos que a façam se sentir amada, acolhida e consolada. Foi isso que fiz, pois não parei na minha insensibilidade; derramei-me de amor por minha filha, sendo paciente, carinhoso, compreensivo e acolhedor.
Os frutos de conversão que colhi dessa experiência foram imensos. Para me manter na linguagem do paradoxo, quando não senti a piedade em mim é que fui mais piedoso e quando não senti o amor é que mais amei. Na nossa caminhada rumo à santidade, precisamos continuamente fazer essa experiência do paradoxo. Um lugar privilegiado é o nosso próprio interior: não posso me conformar com minhas limitações, com minhas misérias, mas, ao mesmo tempo, não posso gastar a minha vida movendo uma guerra interna contra elas. O natural, o normal é que eu seja derrotado. O que devo fazer, portanto, é render-me à ação do Espírito Santo e deixar o sobrenatural agir.
A vitória de Cristo é a humilhação suprema na cruz. A vitória que preciso conquistar sobre mim passa por reconhecer-me, humanamente, incapaz de suportar meu fardo. E que paradoxo! Tomar sobre mim o fardo de Jesus que é leve e traz descanso para a alma. Só assim, sendo inconformado, poderei conformar-me à imagem de Cristo, o Homem Novo.