Autismo ainda é pouco entendido na sociedade e prejudica inclusão de jovens no mercado de trabalho
O Dia Mundial de Conscientização do Autismo, celebrado no dia 2 de abril, chama-nos à atenção para milhares de pessoas que convivem com essa realidade. Rodrigo Ferreira Duarte, de 24 anos, é um desses jovens que batalham para ser entendidos e inclusos na sociedade à sua maneira.
A batalha desses jovens, na vida adulta e profissional, é pouco vista, mas assim como Rodrigo, muitos autistas podem chegar a desenvolver seu papel pleno na sociedade.
Confira a entrevista de Luzia Ferreira, mãe de Rodrigo, contando como foi o desafio de ver seu filho viver essa experiência.
Qual o tipo de autismo do Rodrigo? Como foi essa descoberta?
É um nível leve de autismo, que, dentro do TEA (Transtorno do Espectro Autista), é conhecido como Síndrome de Asperger. O Rodrigo sempre foi uma criança mais reservada, só dividia suas brincadeiras com a irmã e, às vezes, com os pais e a avó paterna, com quem tinha um pouco mais de convívio.
Rodrigo passava muito tempo brincando com objetos, criando seus próprios brinquedos (fita cassete, fita de vídeo, caixas de fósforos e lego), tentando formar com eles coisas de que gostava, como ônibus, metrô, caminhões de concreto etc. Porém, em ambientes fora de casa, era sempre muito agitado, corria sem parar onde tivesse espaço, sempre sozinho sem interagir com as pessoas.
O despertar para algo mais incomum ocorreu quando ele já estava com quatro anos e não falava nenhuma palavra, só apontava o que queria. Aí começou a saga na busca de um diagnóstico. Foram vários profissionais como fonoaudiólogos, neuropediatras, psicólogos, psiquiatras e neurologistas.
Aos seis anos e pouco, ao passar por uma equipe multidisciplinar da Associação Brasileira de Dislexia (ABD de São Paulo), foi diagnosticado com “Dislexia Severa”. Porém, quando, após frequentar a pré-escola por seis meses, somente aprendeu a ler e escrever, deduzi que não tinha dislexia (dificuldade de leitura), e retomei a busca por novos profissionais.
Depois, foi diagnosticado com TDAH (Transtorno do Défict de Atenção com Hiperatividade), passando, inclusive, a usar a medicação Ritalina. No entanto, o diagnóstico real só ocorreu após ter entrado na Faculdade, em 2013, quando nos mudamos da cidade de Cruzeiro (SP) para Lorena (SP), onde se localizava a faculdade, para ficarmos mais tranquilos.
Foi, então, que, ao procurarmos a CAPS (Centro de Assistência Psicossocial) da Prefeitura de Lorena, tivemos o privilégio de nos deparar com um profissional muito qualificado, que começou, junto com a psicóloga e o trabalho de Terapia Ocupacional, a conhecer mais de perto as dificuldades dele, traçando o diagnóstico que correspondia, de forma mais precisa, às dificuldades do Rodrigo.
A partir desse diagnóstico e com o tratamento e acompanhamento adequados, ele cresceu bastante não só como pessoa, mas conseguiu desenvolver suas habilidades técnicas e profissionais ao frequentar a faculdade.
Como foi para o Rodrigo aceitar essa condição? Ele aceitou bem o tratamento?
Não teve maiores problemas, pois, desde que começamos a busca pelo diagnóstico mais certo, sempre conversei com ele dizendo e orientando a aceitar suas limitações e dificuldades, pois as aceitar o tornaria mais apto a lidar com essas dificuldades e se desenvolver melhor.
Ele sempre compareceu a todas as consultas e terapias com muita seriedade e responsabilidade, com psiquiatra, psicólogo e terapeuta ocupacional (todos pelo SUS).
Sabemos que o dia a dia do autista é cheio de grandes obstáculos. Como é para a família passar por essas dificuldades?
Da infância à adolescência e começo da fase adulta, a maior dificuldade foi que a família, em especial o pai e a avó paterna, não aceitavam – e às vezes ainda acho que não aceitam – o Rodrigo como autista nem suas dificuldades. Tratam-no com muito carinho, mas não se envolvem muito com as dificuldades dele.
A irmã (Patrícia) sempre esteve ao lado dele, defendendo-o nas ocasiões necessárias, pois sempre estudavam na mesma escola; e apesar de só ter compreendido melhor sobre o autista e suas características após sua atuação como Pedagoga, sempre foi uma grande parceira e amiga dele. Hoje, inclusive, sendo a única pessoa com quem ele consegue conversar ao telefone por vários minutos.
Eu, como mãe, nunca desisti de conhecer e enfrentar as dificuldades para lidar com preconceito, com o bullying sofrido desde o ensino fundamental. Eu tentava, em vez de afastar os colegas que o importunavam, trazê-los para dentro de minha casa, fosse para estudar ou para se divertirem junto com o Rodrigo, jogar vídeo-game, bola, baralho e ouvir música, no intuito de mostrar para eles, por meio de incansáveis conversas e brincadeiras, que o Rodrigo não tinha nada de estranho, que gostava das mesmas coisas que eles, e que era apenas uma pessoa mais “na dele”.
Esses obstáculos, hoje, têm sido mais doídos, pois você não tem de convencer um grupo de crianças ou adolescentes, mas precisa lutar e brigar com profissionais de empresas, designers, de recursos humanos para se atualizarem sobre o potencial de um autista como o Rodrigo ou aprenderem que pessoas especiais não são apenas aquelas com características físicas.
Até mesmo quando preenchemos um cadastro de currículo em empresas famosas, grandes e conceituadas, observamos que não há espaço para profissionais que não possuem uma deficiência perceptível como fala, audição, visão, física ou mental.
Existem as consideradas deficiências comportamentais, como é o caso do Rodrigo, que, muitas vezes, têm de preencher o campo de deficiência, como se fosse mental, pois nem alternativa de “outros” existe.
Eu adoro lidar com o Rodrigo e o adorável jeito de ser dele! Estamos sempre juntos em tudo.
Para o Rodrigo, quais são as dificuldades mais marcantes?
De acordo com ele, as maiores dificuldades que encontra estão associadas a contatos (interação) com novas pessoas, como participar de entrevistas de emprego, controlar da ansiedade, lidar com injustiças e atender às expectativas que têm com ele, em relação a respostas rápidas, claras, bem como atitudes proativas, que não combinam em nada com o comportamento natural de um autista.
Rodrigo superou as expectativas. Ele passou pela graduação e sempre se destacou pela persistência. Como foi a escolha do curso e esse período de faculdade?
A escolha do curso foi de uma maneira pouco comum. Após passar por um processo de “teste vocacional” na escola, que teria apontado o curso de “direito” como o mais apropriado, o que entendemos que não seria, pois o Rodrigo não tem muita paciência para longas leituras, partimos para a busca de cursos na área de Humanas, na qual se encaixa o curso de Direito. A partir daí, analisamos as ementas de cada um. Aquela que mais se encaixava no perfil do Rodrigo e no gosto dele pelo desenho, eu (descrevendo algumas características de cada disciplina) e ele, concluímos que seria o curso de “Desenho Industrial”, que, coincidentemente, era ministrado em uma Faculdade próxima a cidade que morávamos, a FATEA, hoje UNIFATEA, em Lorena (SP).
Como foi para a família lidar com o novo ambiente que o Rodrigo iria frequentar? Tiveram dificuldades com os colegas na faculdade?
Houve, no começo, um pouco de apreensão em relação ao ambiente que ele iria encontrar na faculdade, pois, geralmente, é um ambiente de muita autonomia e liberdade, onde os professores não se envolvem muito em questões de bullying ou se o aluno tem alguma característica específica e necessite de um olhar diferenciado em algumas questões.
No início do segundo semestre, senti necessidade de conversar com o coordenador do curso, que, por sorte, além de ser também professor, foi bastante acolhedor e atencioso ao ouvir sobre as características do Rodrigo, que, até então, ainda não havia sido diagnosticado com a Síndrome de Asperger (grau leve de autismo). Após essa conversa, sentimos um pouco mais de tranquilidade, pois obtive a resposta de que o Rodrigo, ao modo dele, estava indo bem.
Como de costume, sempre que tínhamos oportunidade, principalmente por residirmos bem próximo à Faculdade, recebia ou reunia os principais parceiros e amigos que conquistou, e que sempre foram grandes companheiros de atividades acadêmicas e vários momentos de lazer e diversão. Colegas incríveis, que o ajudaram muito a se desenvolver nas questões de interação.
Na época do estágio, foi indicado como aluno especial para ocupar a vaga de estagiário de designer, a pedido da empresa GM de São José dos Campos (SP). Após passar em todos os processos de avaliação, foi o escolhido, e assim tive a certeza não só de que ele, realmente, estava indo bem, mas que havia feito uma excelente escolha de Faculdade, que o acolheu e o ajudou a se desenvolver como homem e profissional.
O Rodrigo optou pelo curso de Design. Como a arte ajuda na relação dele com o mundo?
Sim, ele amou o curso! Porém, essa “arte” o ajuda quando ele encontra espaço para exibi-la. Os trabalhos que desenvolve falam muito mais dele do que ele mesmo, e quando encontra oportunidade de apresentá-los, as relações acontecem de forma gradativa e satisfatória.
Quais são os obstáculos da vida adulta para o Rodrigo? Ainda são muitos?
Sim, com certeza! Poderíamos dizer, inclusive, que são mais difíceis e complexos do que na infância e adolescência, período em que a família pode estar mais presente nos ambientes onde ele convive, como escola, reuniões de família, festas de aniversário e passeios diversos, podendo, de certa forma, “protegê-lo” do preconceito e de tratamentos inadequados, situações em que, geralmente, um autista não reage, fecha-se, esquiva-se e afasta-se, pois não gostam de discussões, agressões, mesmo que verbais ou violência de qualquer tipo. São, geralmente, muito sensíveis, respeitosos e dóceis com as pessoas.
Os obstáculos da vida adulta são mais difíceis de lidar, pois o autista, geralmente, não é de falar muito. Sempre conversam num processo de pergunta e resposta, principalmente se estão diante de uma pessoa que não é do convívio habitual. Não conversam olhando de frente para o interlocutor, o processo de comunicação é fraco, mesmo que tenha bastante conteúdo sobre o tema do diálogo, o que para pessoas que não conhecem sobre o autista, interpretam de forma errada esse tipo de postura.
Praticamente, o principal obstáculo tem sido a participação em processos seletivos na busca por trabalho, apesar de sua incrível capacidade técnica, e já ter participado de muitos processos onde a qualificação técnica é mais que suficiente, a dificuldade de comunicação e de “vender seu peixe”, tem impedido de que peçam algum tipo de teste, o que o leva a estar sempre de fora.
Outra grande dificuldade é relacionar-se com garotas, de ter uma namorada, pois além da dificuldade de ser muito comunicativo, ainda soma um pouco da timidez. Ainda encontra dificuldade de se expressar de forma clara, fala mais devagar que o habitual, como também a dificuldade de debater ideias e opiniões contrárias com receio de que sejam grosseiros ou estúpidos com ele, e por ter opiniões contrárias, ser excluído dos poucos grupos que têm acesso.
Como é a visão de relacionamento do Rodrigo? Como ele interpreta as amizades/namoros?
Ele não se preocupa com os gostos e preferências. Não tem nenhum tipo de preconceito. De acordo com ele, o que realmente vale nas relações e relacionamentos é o caráter, o respeito, a fidelidade e responsabilidade com os compromissos assumidos.
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Na visão da família, vocês querem compartilhar alguma coisa?
Na verdade, gostaria de compartilhar muitas coisas, afinal, são 23 anos de busca por aceitação e reconhecimento, mas o que mais tem marcado nossas vidas é como Deus tem sido fundamental em momentos tão difíceis de fazer escolhas, direcionando-nos sempre para o caminho certo, que possibilitou o desenvolvimento e o crescimento do Rodrigo, independente das dificuldades que já surgiram.
Sempre estudou em escolas, até mesmo na faculdade, que estiveram de braços abertos e o aceitaram com todo o carinho e atenção necessários para que ele crescesse e concluísse sua faculdade com 21 anos. Sempre pude estar presente, interagindo com professores, coordenadores e psicopedagogos, para que fossemos aparando as arestas, independente de diagnóstico.
Dizer que as empresas precisam se atualizar mais com a realidade das pessoas “especiais” que não são só Deficientes Físicos, de fala, audição ou visão que estão aptos para atuar no mercado de trabalho. Precisam reconhecer que, por se tratar de uma condição especial, elas podem agir de forma humilde, como foi com o caso da GM de São José.
Não conheciam nada sobre um autista funcional (possui todas as capacidades habituais, porém tem a ”falha” no processo de comunicação), e quando foi aprovado em todos os processos de seleção da empresa, eles me chamaram para conversar e queriam ouvir sobre o Rodrigo, para aprender a forma mais apropriada de agir com ele. Interagimos no processo de evolução pelos dois anos de estágio, o que contribui para ele na capacitação técnica, profissional e como pessoa.
Muito há que se fazer para que todas as empresas, em especial as grandes e reconhecidamente “boas para se trabalhar”, atualizem seu sistema de preenchimento de cadastro de currículo, pois, quando há um especial que não seja perceptível aos olhos, não tem como se cadastrar, ou precisa se cadastrar como deficiente mental.
Esse compartilhamento se deve, em especial, pelo fato de o Rodrigo ter se formado, em 2016, mas, até hoje, mesmo sendo qualificado, não consegue trabalho. Até mesmo os poucos trabalhos como freelancer, geralmente por indicações, às vezes necessitam da minha participação no processo de negociação, pois é mais uma etapa nova para trabalharmos juntos e ele poder criar sua independência na interação profissional.
Gostaria também de compartilhar a importância da irmã que muito contribui como exemplo de superação e amizade verdadeira, pela cumplicidade entre os dois, pois mesmo morando longe, sempre foi a melhor parceira em momentos difíceis, sinalizando, desta forma, que a família é fundamental no processo das conquistas e vitórias.
Sempre temos algo a acrescentar e melhorar, aliás, como todo e qualquer ser humano.
Mensagem do Rodrigo
“Gostaria de agradecer, principalmente, a minha mãe, por estar sempre comigo, e as outras pessoas da família também. O autista tem muitas qualidades e essas devem ser valorizadas.”