Reflexão

Oração nos mais altos graus do caminho espiritual

As moradas espirituais e os níveis ou graus de oração

Como vimos nos artigos anteriores desta série “Caminho Espiritual e as Moradas”, além da divisão adotada por Santa Teresa de Jesus para a santidade em sete níveis ou moradas espirituais, desmembra-se de sua obra diferentes graus de oração. É na primeira metade do século XX que se destaca a interpretação de nove níveis ou graus de oração. Adotamos essa gradação, principalmente, a partir do padre Juan Arintero, OP, em sua obra “Graus da Oração”, de nove graus de oração entre as sete moradas.

A vida mística se iniciou nas quartas moradas e desenvolveu, aos poucos, os graus de oração conformativa: a oração de recolhimento, oração de quietude e oração de simples união. É chamado de período conformativo, dentro da via unitiva, aquele período em que o Espírito Santo trabalha para realizar um ajuste da alma no modo de pensar e viver unida com Deus. Podemos dizer que, depois que a via ascética fez com que a alma se tornasse dócil e moldável até as quartas moradas, agora, Deus começa a trabalhar nesse molde, visando encaixá-la e ajustá-la o mais proximamente possível da figura de Jesus Cristo, real modelo de humanidade e divindade. Conformando-a, portanto, para levá-la a ser um “outro Cristo”.

Oração nos mais altos graus do caminho espiritual

Foto Ilustrativa: Wesley Almeida/cancaonova.com

A visita de Jesus, que marca a passagem para as sextas moradas, inaugura também a segunda parte da via unitiva, iniciando os graus de oração que compõem o período transformativo. É fácil entender que, por mais que o Espírito Santo trabalhe, não é possível “conformar-nos”, isto é, colocar-nos numa fôrma que nos faça perfeitamente outros Cristos. O período conformativo é uma aproximação geral da alma com Cristo. Para, efetivamente, ser outro Cristo, a alma precisa ser transformada n’Ele. Aí começa o segundo e último período da vida espiritual dentro da via unitiva: os graus de oração transformativa.

Reflita sobre o período conformativo e transformativo

O período conformativo sincronizou toda atuação moral da alma com Deus. O período transformativo irá agora estreitar toda a essência da alma e a própria energia vital. A alma é então identificada com Deus: abrasada, absorvida, renovada, enfim, deificada na maior medida possível para uma criatura. Já não estará mais unida, mas unificada, partilhando uma identidade de vida.

São partes do período transformativo os graus de oração do desposório espiritual e do matrimônio espiritual. Isso mesmo, temos aqui uma união de nomenclaturas. Utiliza-se os mesmos termos para definir as sextas e sétimas moradas e o oitavo e nono grau de oração. A alma, na fase final de aproximação com Deus, é oração constante numa vida de ativa união, mesmo em meio ao mundo.

Em termos de oração, a união de noivado ou desposório espiritual das sextas moradas, que é marcada pelo encontro e promessa de Cristo, é marcada por vários fenômenos. Temos a comunicação de corações ou troca de vontades, onde a união com Cristo chega ao extremo da alma se sentir unida com Ele como participante de uma única vontade. Como vimos no artigo a noite escura da alma nas sextas moradas, a oração também toma forma de contemplação caliginosa: união das virtudes teologais sem que se possa dar conta desta união por meios sensíveis, causando extremos padecimentos na alma e sensação de ausência de Deus.

Graus de oração

Neste período, sucedem-se alguns fenômenos citados por Santa Teresa no Castelo Interior. Esclarecemos aqui, brevemente, os principais deles: os arroubos fazem parte do processo natural do aprofundamento nos graus de oração. Pouco a pouco, durante a oração, a alma vai esquecendo as coisas exteriores e vivendo plenamente para Deus, mergulhando na divindade. Os raptos são arroubos violentíssimos que acontecem em grande velocidade. Tem-se, assim, a impressão de que a alma é arrancada do corpo e levada imediatamente a Deus. No início, requer-se extrema docilidade para ser levada aonde Deus quiser, pois a reação natural é assustar-se com tal violência.

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O vôo de Espírito é um impulso que surge na alma e a leva como num passeio ou vôo interior. Ela sente como estando num passeio longe do corpo e justifica as inúmeras comparações na Bíblia da alma com um pequeno pássaro ou pomba. Ao impetus, Santa Teresa descreve como sendo uma sensação ou conhecimento, adquirido de repente e sem estar em estado de oração, da grande indignidade da alma perante Deus. Sem preparação, a alma é mergulhada em grande desolação e desamparo ao entender a imensa distância que ainda a separa de Deus. Imediatamente após, Deus se dá a conhecer novamente e provoca uma grande reação no corpo, descrito por São João da Cruz e alguns outros santos como desconjuntamento dos ossos.

Por último, e já bem conhecido como um fenômeno que atingiu Santa Teresa, temos a ferida de amor. Em suas próprias palavras “parece para a alma, verdadeiramente, como se uma seta se metesse no coração”. A dor causada não é nos sentidos e ao mesmo tempo imensamente dolorosa e saborosa.

Ao citar esses graus de oração e fenômenos intensamente místicos, deve-se lembrar que o intuito de tudo isso não é causar admiração ou propagar misticismos. Do mesmo modo que Deus não precisa dos milagres, mas os utiliza para promover e propagar a fé, os fenômenos místicos da alma e sua repercussão no físico e no sensível, atuam como uma grande purgação e transformação da alma rumo à união plena.

Santidade

Chegamos, por fim, ao término desta série “Caminho Espiritual e as Moradas”. Como explicado desde o início, o objetivo nunca foi fazer com que ninguém aumente seus conhecimentos ou cultura, mas fornecer um apoio didático para que, através do esforço do homem e da graça de Deus, possa-se avançar em santidade. Deus abençoe aqueles que se propuserem a estudar e praticar as dicas aqui apresentadas baseadas na obra dos místicos carmelitanos e dos teólogos dominicanos.

No próximo e último artigo desta série, veremos um infográfico com os principais apontamentos sobre a via unitiva, que é composta pelas quartas, quintas, sextas e sétimas moradas da alma.