Se você acompanhou os outros artigos desta série sobre a oração, já tem uma primeira resposta para essa pergunta-título. Isso porque vimos que sem a caridade, que é o amor a Deus, nossas ações não têm verdadeiro mérito sobrenatural. Ou seja, precisamos estar em estado de graça santificante para a nossa oração ter algum mérito perante Deus.
A situação se agrava ainda mais quando aquele que vive em pecado reza, levantando súplicas diversas, mas permanece ainda com o desejo de pecar e manter seu estado de separação. Isso porque, se Deus não deixa de amar a natureza humana, mesmo no pecado, a própria culpa e o pecado em si não são de forma alguma agradáveis a Ele. Ao unir um estado de pecado com a intenção de se manter nele, aquele que reza causa grande violência contra Deus e a si mesmo.
Essa situação é o que causa tantas advertências na Palavra de Deus como “Sabemos que Deus não escuta a oração dos pecadores” (Jo 9,31) e “Quem desvia os ouvidos para não ouvir a Lei, até a sua oração será execrável” (Pr 28,9). Sobre esse comportamento, Santo Tomás lembra que na Glosa (comentários à Palavra de Deus escritos pelos santos exegetas do primeiro milênio), referente ao capítulo três da segunda carta à Timóteo, está anotado que os que querem continuar no pecado “Apresentam-se simulando piedade, mas na realidade negam a virtude dela”.
E o pecador que tem desejo sincero de mudar de vida e se põe em oração? Mesmo assim sua oração não tem valor?
A oração daquele que quer se aproximar de Deus, se não tem valor meritório, ou seja, se ele não pode receber o prêmio da oração, pois não está em estado de graça, tem, no entanto, valor impetratório ou de súplica. Simplificando, podemos dizer que o que vive em pecado e não quer mudar ofende a Justiça de Deus, porque não obedece aos mandamentos, e ofende ainda Sua Misericórdia querendo, através da oração, obter benefícios enquanto permanece firme no pecado. Aquele que ainda está em pecado, mas se entrega à oração com desejo de mudar de vida, se ainda ofende a Justiça de Deus (enquanto não se confessa e se converte), por outro lado, pode ser atendido pela Sua Misericórdia.
Santo Tomás de Aquino desenvolve essa reflexão com grande clareza dizendo: “A oração do pecador que vem de um bom desejo da sua natureza, Deus atende não por justiça, porque ele tal não merece, porém por pura misericórdia, observadas quatro condições: que peça para si, que o pedido seja de coisas necessárias à salvação, piamente e com perseverança” (Suma Teológica, II-II, Q83 A16). Desse modo, o que não se conquista por mérito, por não conseguir mover a justiça, pode-se conseguir pela impetração ou súplica, pois esta move a misericórdia.
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É nesse sentido que Santo Agostinho comenta: “Se Deus não atendesse aos pecadores, teria sido inútil ter o publicano assim orado: ‘Senhor, tende compaixão de mim que sou pecador’”. Atendeu porque a oração, embora feita por um pecador assumido, correspondia às condições propostas por Santo Tomás e provocou a Misericórdia de Deus.
Dentro desta sutil, mas substancial diferença, também está a piedade na oração. O pecador não possui o hábito da piedade, pois exclui a Graça Santificante de si mesmo através do pecado, mas pode possuir desejos piedosos na oração. Assim, o que não se possui por hábito (e merecimento), pode-se conquistar momentaneamente pelo desejo, e usufruí-lo em vistas de se firmar na vida de santidade (piedade) posteriormente.
Faço-te um convite!
Analisados, nesta série de artigos, os princípios e motivos do porquê rezar e o que observar enquanto se reza, vendo o que é aproveitável ou não neste ato de intimidade com o Senhor, podemos com muito fruto partir para o ato em si, a “mão na massa”, e estabelecer uma rotina de oração. Afinal, essa “refeição espiritual” para alimentar a alma precisa ser feita diuturnamente como vimos no artigo anterior.
Que o Senhor alimente e renove, Ele mesmo, a sua oração e vocação contemplativa, afinal, devemos buscar as coisas do alto (Cl 3,1) e, se a colocarmos em primeiro lugar (Mt 6,33), todo o resto nos será acrescentado em extrema abundância (Mt 13,12).
Fica ainda um convite: que tal, agora, aprendermos a viver a oração na prática? Se até aqui nos acompanhou Santo Tomás de Aquino, recorramos agora à Mestra da Oração e Doutora da Igreja, Santa Teresa de Jesus, ou Teresa d’Ávila, e aprendamos a ser cada vez mais íntimos de Deus através da oração no dia a dia, com ela e outros santos e doutores carmelitas! Logo iniciaremos a série Aprenda a rezar com Santa Teresa D’Ávila! Até lá.