Esta semana, que o povo cristão tradicionalmente chama Santa, oferece-nos uma vez mais a possibilidade de considerar – de reviver – os momentos em que se consuma a vida de Jesus.
Tudo o que as diversas manifestações de piedade nos trazem à memória nestes dias se encaminha decerto para a Ressurreição, que é o fundamento da nossa fé, como escreve S. Paulo. Mas não percorramos este caminho demasiado depressa; não deixemos cair no esquecimento alguma coisa muito simples, que por vezes parece escapar-nos: não poderemos participar da Ressurreição do Senhor se não nos unirmos à sua Paixão e à sua Morte. Para acompanhar a Cristo na sua glória no final da Semana Santa, é necessário que penetremos antes no seu holocausto e que nos sintamos uma só coisa com Ele, morto no Calvário.
A entrega generosa de Cristo enfrenta-se com o pecado, essa realidade dura de aceitar, mas inegável: o mysterium iniquitatis, a inexplicável maldade da criatura que se ergue, por soberba, contra Deus.
A história é tão antiga como a Humanidade. Recordemos a queda dos nossos primeiros pais; depois, toda essa cadeia de depravações que marcam a marcha dos homens; finalmente, as nossas rebeldias pessoais. Não é fácil considerar a perversidade que o pecado representa e compreender tudo o que a Fé nos ensina. Temos de ter presente que, mesmo no plano humano, a grandeza da ofensa se mede pela condição do ofendido, pelo seu valor pessoal, pela sua dignidade social, pelas suas qualidades. E o homem ofende a Deus: a criatura renega o seu Criador.
Mas Deus é Amor. O abismo de malícia, que o pecado encerra, foi vencido por uma Caridade infinita. Deus não abandona os homens. Os desígnios divinos previram que, para reparar as nossas faltas, para restabelecer a unidade perdida, não bastavam os sacrifícios da Antiga Lei: tornou-se necessária a entrega de um homem que fosse Deus. Podemos imaginar – para nos aproximarmos de algum modo deste mistério insondável – que a Trindade Santíssima se reúne em conselho na sua contínua relação íntima de amor imenso e, como resultado de uma decisão eterna, o Filho Unigénito de Deus-Pai assume a nossa condição humana, carrega sobre Si as nossas misérias e as nossas dores, para acabar pregado com cravos num madeiro.
Esse fogo, esse desejo de cumprir o decreto salvador de Deus-Pai, enche toda a vida de Cristo, desde o seu nascimento em Belém. Ao longo dos três anos que com Ele conviveram, os discípulos ouvem-No repetir incansavelmente que o seu alimento é fazer a vontade d’Aquele que O enviou, até que, no meio da tarde da primeira Sexta-Feira Santa, se concluiu a sua imolação: inclinando a cabeça entregou o espírito. Com estas palavras descreve-nos o Apóstolo S. João a morte de Cristo: Jesus, sob o peso da Cruz com todas as culpas dos homens, morre por causa da força e da vileza dos nossos pecados.
Extraido do livro Cristo que passa de S. Jose Maria Escrivá