Na Quarta-feira de Cinzas, iniciamos mais um tempo forte da liturgia. Um tempo em que, de uma forma mais intensa, somos convidados a reconhecer as nossas limitações, as nossas impotências, as nossas fragilidades e, ao mesmo tempo, reconhecer e acolher o amor misericordioso de Deus, que está sempre disponível para nos reconciliar com Ele.
A Quaresma é um tempo de recolhimento, de reflexão e de adoração intensa. É um tempo que nos convoca a caminharmos mais firmemente na via da virtude, ou seja, realizarmos exercícios que nos impulsionem à vivência das virtudes.
A Quaresma é um tempo de recolhimento, de reflexão e de adoração intensa
A virtude é um hábito bom, e só poderemos ser virtuosos, ou seja, agir de forma que algum comportamento faça parte da nossa maneira de viver, se realizarmos de forma constante atitudes boas. Quando realizamos um ato bom e repetimos esse ato, ele passa a fazer parte da nossa vida, de maneira que não podemos mais viver sem fazer o bem ou sem realizar aquele ato bom. O ato tornou-se um hábito, e um hábito bom. Ninguém alcança a virtude simplesmente através de um ato isolado. Porém, quando este ato é repetido de forma piedosa e bem intencionada, ele passa a fazer parte da vida da pessoa.
Podemos dar como exemplo o ato de orar. Ninguém alcança a virtude da oração de uma forma mágica ou através de um simples ato isolado de rezar. Deus, no nosso Batismo, infundiu em nós a capacidade de sermos pessoas orantes, porém, para alcançarmos a virtude da oração, é preciso que tenhamos a disposição de nos colocarmos em oração e repetirmos esta atitude todos os dias. Mesmo naquele dia em que, humanamente, não estamos tão dispostos a orar. É através da perseverança nas atitudes e atos bons que passamos a ter hábitos bons, isto é, passamos a ser virtuosos.
Viver o recolhimento é querer e se esforçar por caminhar na via das virtudes. Viver o recolhimento é se despojar de tudo o que é exagerado. É buscar ser temperante, equilibrado, buscar viver em tudo de forma harmoniosa. Viver o recolhimento é dispor-se a lutar contra os vícios.
A Quaresma é o tempo favorável para despertar a fé autêntica
E não pensemos aqui que os vícios são apenas relacionados à dependência química. É claro que esses vícios do álcool, da droga, da deturpação da sexualidade são desgraças contra os quais devemos sim lutar constantemente, porém, existem outros vícios que urgentemente precisam ser combatidos, e nada melhor do que este período quaresmal de reflexão para ajudar na conversão destes vícios em virtudes.
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O vício da fofoca, que faz tanto mal às pessoas, que destrói tantas famílias, que entristece e magoa tanta gente. O vício da calúnia: existem pessoas que não sabem viver senão para falar mal das outras pessoas; sempre estão procurando um defeito, uma falha nos outros para poder tecer comentários maldosos; e, quando não encontram tais defeitos, são capazes de inventar um para poder ter o que falar. O vício da inveja, do ciúme, da mentira, o vício de falar palavrões. Tudo isto nasce de um simples ato mal, esse é repetido tantas vezes que passa a tornar-se um hábito mal. Se alguém toma a decisão de mentir uma, duas, três vezes, ele adquire o mal hábito de mentir, ou seja, torna-se um viciado em mentira, e isso leva essa pessoa, e tantas outras, à desgraça.
Viver o recolhimento na Quaresma é uma forma de adquirirmos o hábito de viver esta experiência todos os dias em situações da nossa vida. Aprender a lutar contra os vícios e a praticar as virtudes se dá no exercício quotidiano, na luta do dia a dia, no desejo de ser melhor. No ambiente secularizado que nos rodeia, o caminho quaresmal exige um esforço de vontade cada vez mais forte.
Deus está sempre ao meu lado, para me ajudar em todas as dificuldades
Na vida de cada dia, corremos o risco de nos deixarmos absorver por preocupações e interesses materiais. “A Quaresma é a ocasião favorável para despertar a fé autêntica, para a saudável recuperação da relação com Deus e para um compromisso evangélico mais generoso. Os instrumentos à nossa disposição são os de sempre, mas nestas semanas quaresmais devemos recorrer a eles de forma mais intensa: a oração, o jejum, a penitência e a esmola, ou seja, a partilha com os mais necessitados, daquilo que possuímos.” (São João Paulo II na Audiência Geral de Quarta-feira, 28 de Fevereiro de 2001).
Devo sempre saber e crer, no entanto, que sozinho não sou capaz de melhorar. Quando, porém, me disponho a mudar meus comportamentos, corrigir minhas falhas, melhorar no meu modo de agir, despojar-me dos vícios, Deus está sempre ao meu lado, para me ajudar em todas as dificuldades.
Nós temos de saber que: sem Deus, não podemos fazer nada; com nossas forças somente, não podemos chegar a lugar algum; com o propósito de nos libertar dos vícios, fazendo o exercício cotidiano do recolhimento e ancorados em Deus, nós somos mais que vencedores.
“Uma só recompensa: Deus mesmo.” (Card. Van Thuan)
Seu irmão em Cristo,
Padre Ademir Nunes Farias