CRISE

Edith Stein, uma nova consciência dos próprios limites

Edith Stein, em sua busca pela verdade, experimenta, mais uma vez, os seus próprios limites, agora em seu âmbito intelectual. É a sua terceira grande crise: na primeira, em torno dos seus 15 anos, ela percebe a fragilidade de seu corpo, que estava se desenvolvendo rapidamente sem que ela pudesse controlá-lo, e afasta-se da escola e da casa materna (Artigo 5); depois, quando já havia entrado na universidade, experimenta como a psique humana é frágil e pode ser influenciada, até pela leitura de um romance, especialmente quando se é jovem (Artigo 8); agora ela percebe que a sua capacidade espiritual – o seu intelecto, afetos e vontade – também são limitados. A sua depressão será mais profunda, pois quando atinge o âmbito dos atos conscientes e livres, todo indivíduo afetado.

Edith Stein descreverá em seus escritos autobiográficos¹ como vivenciou a perda de sentido do que estava fazendo, chegando a experimentar algumas ideações suicidas, infelizmente algo muito comum nos jovens de hoje. Para entender como isso ocorreu, precisamos voltar um pouco no tempo. Após ter sido aceita para fazer o doutorado com Edmund Husserl sobre o fenômeno da empatia, Edith se dedica prontamente ao trabalho da tese, com toda a determinação e paixão, típicas de seu temperamento. No inverno de 1914-1915, esgotada pelo intenso trabalho, começa a antever a enorme tarefa a que se tinha proposto. Sente-se confusa, parecendo-lhe que nada do que já havia lido e estudado fazia sentido. Como ela tinha uma alta imagem de si mesma, especialmente de sua inteligência, ao perceber-se limitada de alguma forma, perde a confiança em si e experimenta uma drástica redução de suas forças vitais, provocando um desiquilíbrio que atinge todo o seu organismo: corpo, psique e espírito².

Eu vivia pela primeira vez algo que depois experimentaria novamente em cada um de meus trabalhos posteriores: os livros não me serviam até que eu não tivesse clareado, pela minha própria reflexão, o problema em questão. Essa luta para atingir a clareza desenrolava-se em mim sob grandes tormentos e não me dava trégua nem de dia nem de noite. Foi naquela época que desaprendi a bem dormir e precisei esperar vários anos para reencontrar noites tranquilas. Aos poucos, meu trabalho levou-me ao desespero. Era a primeira vez na minha vida que me encontrava perante algo que não conseguia resolver apenas por minha vontade (EA, p.357).

Apesar da certeza de ter encontrado um modo seguro para a sua análise da natureza humana – e de si própria – Edith enfrenta dificuldades ao levar adiante a escritura de sua tese doutoral. Ela exercitava a sua vontade com determinação e o seu intelecto com liberdade e sentia-se motivada pelo tema que estava pesquisando, mas não conseguia desenvolver o que tinha se proposto. Teria feito uma falsa imagem de si mesma? Contado excessivamente com suas capacidades? Husserl havia tentado dissuadi-la de iniciar os trabalhos de uma tese com apenas dois semestres de curso, mas ela o tinha convencido que era capaz de fazê-lo. Como lidar com toda essa frustração?

Edith Stein, uma nova consciência dos próprios limites

Edith Stein em uma crise intelectual que a colocou diante dos seus próprios limites

Edith escreve que naquele momento havia lembrado das máximas preferidas de sua mãe, constatando que elas “tinham se gravado profundamente” em seu interior. Afinal, não estava tão afastada da família como pensara. Procurava repeti-las: “Se queremos, conseguimos”; “Deus colabora conosco à medida que colaboramos com ele” (EA. p.357). Mas, dessa vez, os conselhos de sua mãe, que tanto colaboraram para que ela pudesse desenvolver um caráter forte, firme e determinado, agora pareciam não conseguir ajudá-la a superar suas dificuldades:

“Aos poucos meu trabalho levou-me a um verdadeiro desespero. Era a primeira vez na minha vida que eu me encontrava perante algo que eu não conseguia resolver apenas por minha vontade. (…) Cheguei a um ponto em que a vida pareceu-me insuportável. Dizia-me repetidas vezes que isso era completamente absurdo. Mesmo se eu não conseguisse terminar a tese, meu trabalho seria provavelmente suficiente para o Exame de Estado3(…). Mas nenhum desses raciocínios me ajudada em nada. Não podia mais atravessar a rua sem desejar que um carro me atropelasse. Quando fazia uma excursão, pegava-me desejando cair num precipício e dele não sair viva” (STEIN, 2018, p. 357-358).

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Dessa vez não foi a escuta de uma música edificante que a tirou de seu desespero, mas a conversa amigável com o Prof. Adolf Reinach – o professor assistente de Husserl que a havia acolhido logo que chegara a Gotinga. Ele e a sua jovem esposa, Anna Reinach, recebem Edith em sua casa. O professor a encoraja, com um tom afetuoso, dizendo que a considerava bem avançada em seu trabalho e a aconselha a começar a colocar tudo por escrito, deixando fluir as ideias. Predispôs-se a ler o que ela conseguisse escrever em um novo encontro, antes do final do semestre, que seria dali a três semanas.

Edith faz a experiência do grande valor daquela relação empática com o professor. Ela vivencia, em primeira pessoa, a importância do outro para a sua própria formação. O tom afetuoso do professor foi acolhido em sua dimensão psicofísica e a fez abandonar o medo, além de fortalecê-la em sua dimensão intelectual e espiritual. A segurança passada por alguém que ela confiava a permitiu abandonar o ambiente nebuloso em que se encontrava e a motivou a imediatamente pôr em prática os conselhos dados, “mobilizando mais energia intelectual do que para todos os trabalhos anteriores” (EA, p. 363). A energia vital havia voltado e ela sentia-se novamente motivada e capaz de realizar a grande tarefa a que se havia proposto:

A”pós essas duas visitas à casa de Reinach, tinha a impressão de ter vivido um novo nascimento. Todo o tédio de viver havia desaparecido. Aquele que me salvou do sofrimento me pareceu como um bom anjo. Tinha a impressão de que, por uma fórmula mágica, ele havia transformado num conjunto claro e bem arrumado a enorme bagunça que a minha pobre cabeça tinha produzido. Não duvidava da segurança de sua opinião. Tranquilizada, pus de lado a minha dissertação a fim de concentrar todos os esforços na preparação do exame oral” (EA, p. 366).

Responsabilidade perante a história

Em janeiro de 1915, Edith faz o seu exame de estado “pro facultate docendi” e é aprovada. Tal exame lhe dava a possibilidade de ser uma professora de ensino médio, mas isso não a impedia de continuar perseguindo o seu verdadeiro sonho: se tornar uma professora de filosofia em uma cátedra universitária, para ensinar fenomenologia. Edith sempre sonhou alto! Naquele tempo, as mulheres eram impedidas, por lei, a assumir uma cátedra universitária. Mas isso não a desanimava. Ela, que já havia participado de movimentos estudantis em prol de uma melhor formação para as mulheres quando havia ingressado na Universidade da Breslávia, continuará participando, em um futuro próximo, de movimentos políticos pelo direito de voto das mulheres, na Alemanha, e pela mudança da lei que as impedia de serem professoras universitárias.

Edith Stein sempre teve um grande senso de responsabilidade perante a história e, apesar de não vivenciar a dimensão religiosa naquele momento de sua vida, mantinha-se firmemente arraigada à crença de que tinha o dever de fazer o seu melhor para construir um mundo mais equitativo, justo e solidário, para todos.

Alguns anos mais tarde, Edith saberá que esse seu senso de justiça e solidariedade para com o próximo já era o sinal da presença de Deus em seu interior, apesar dela não se dar conta disso. Seus preconceitos racionalistas, adquiridos especialmente quando havia perdido a capacidade de acreditar no Deus que lhe havia sido apresentado pela sua mãe, a impediam de ver o que mais tarde se tornaria a presença mais importante e norteadora de sua vida: Jesus Cristo, o seu Salvador. Quando isso acontecer, Edith poderá dizer que, por fim, encontrara a paz da realização completa de um sonho.

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