Aniversário do pontificado

O primeiro Papa Jesuíta da história

Junto à celebração dos 12 anos de pontificado do Papa Francisco, eleito sucessor de Pedro e primeiro papa latino-americano e jesuíta da história no dia 13 de março de 2013, recordamos também que, no dia 11 deste mesmo mês, Francisco celebra seus 67 anos de vida consagrada, como membro da Companhia de Jesus, ordem religiosa fundada por Santo Inácio de Loyola e em cujo noviciado o jovem Jorge Mário Bergoglio entrou no dia 11 de março de 1958, na Argentina, aos 22 anos de idade.

Como jesuíta, dar um testemunho sobre Francisco faz-me duplamente feliz, pois, além de vê-lo como pastor e guia universal da Igreja, vejo-o também como irmão de vocação, embora tenha somente a metade de tempo de consagração e profissão religiosa pelos votos de pobreza, castidade e obediência na mesma ordem. 

Como podemos identificar as marcas da vocação jesuíta no pontificado do nosso atual Papa?

Em primeiro lugar, devemos recordar que ele mesmo fez questão de ressaltar o carisma religioso que o acompanha. Isso se deu em julho de 2013, no voo de volta da viagem que fizera ao Rio de Janeiro para a Jornada Mundial da Juventude. Quando perguntado se ainda se sentia jesuíta como Papa, Francisco assim respondeu: “Eu me sinto jesuíta na minha espiritualidade, na espiritualidade dos Exercícios, a espiritualidade que eu tenho no coração”. Como vemos, o Papa já nos dá uma pista clara do quanto é importante, na sua forma de governar a Igreja, a espiritualidade que da qual nutre a sua experiência de Deus, ou seja, espiritualidade inaciana.

E que aspectos concretos dessa espiritualidade e carisma inaciano podemos reconhecer na pessoa do Papa Francisco?

Eu destaco três características centrais deixadas por Santo Inácio em seus Exercícios Espirituais, que moldam o “jeito” de seguir a Jesus e de relacionar-se com Deus, com o próximo e com o mundo. Acredito que cada uma dessas características acompanha o nosso Papa diariamente na missão como bispo de Roma e Sumo Pontífice.

A primeira característica

É a de sentir-se chamado a ser um homem “contemplativo na ação”, o que para um jesuíta (e toda pessoa que segue a espiritualidade inaciana) significa que existe uma harmonia total entre a vida espiritual e a vida apostólica, pois em tudo aquilo que fazemos e em qualquer ambiente onde estivermos podemos (e devemos) buscar e encontrar a Deus, ou seja, não apenas nos momentos formais de oração ou no interior dos templos ou conventos. Isso faz com que seja o Espírito de Cristo a guiar tudo aquilo que fazemos ao longo do nosso dia, seja quando rezamos, seja quando trabalhamos, estudamos, divertimo-nos etc., para que se cumpra assim a vontade de Deus na nossa vida por inteiro.

Essa integração entre ação e oração permite, por um lado, que o nosso ministério e serviço não se torne um mero ativismo social ou profissional, mas seja fruto da nossa experiência pessoal com o Senhor. E, de outro lado, essa harmonia entre oração e ação impede que a espiritualidade jesuita seja algo intimista, desencarnado, fechado em si mesmo, mas, ao contrário, abra-se sempre para o serviço, para o “em tudo amar e servir”, como escreveu Santo Inácio.

O Papa Francisco vive e ensina essa necessária harmonia entre oração e ação, sendo ele mesmo um grande “contemplativo”, alguém que nos passa sempre um profundo testemunho do valor da oração e da vida espiritual, mas sem jamais abandonar a vida de serviço a Deus e ao próximo. De fato, ele mesmo, em uma de suas catequeses, ensinou que “alguns mestres de espiritualidade do passado compreenderam a contemplação em oposição à ação, e exaltaram aquelas vocações que fogem do mundo e dos seus problemas, a fim de se dedicarem inteiramente à oração. Na realidade, em Jesus Cristo, na sua pessoa e no Evangelho não há oposição entre a contemplação e a ação, não. No Evangelho, em Jesus não há contradição” (Catequese – 32. A oração contemplativa).

A segunda característica

A espiritualidade que os jesuítas buscam viver tem a ver com a nossa postura no mundo e no modo de viver a nossa fé e espiritualidade cristã em constante relação e diálogo com a realidade, com as diferentes culturas e com todas as criaturas que conosco habitam o nosso planeta. De fato, nos Exercícios Espirituais meditamos e contemplamos a criação divina, como obra do amor que Deus para com cada uma de suas criaturas, de modo muito especial o ser humano. E, quando pelo pecado essa criação é ameaçada e destruída, afastando-se do plano divino, meditamos e contemplamos como a Santíssima Trindade resolve enviar ao mundo o Redentor, não para condenar, mas para salvar o mundo, por meio de Jesus, caminho, verdade e vida.

Hoje, quando vemos a preocupação do nosso Papa pela ecologia integral, ao escrever uma encíclica (Laudato Si’ – 2015) nos chamando a atenção para a necessidade de cuidarmos melhor de tudo aquilo que Deus criou, a fim de assegurar às futuras gerações um mundo melhor e vida em abundância, ele certamente está expressando essa espiritualidade que não nos deixa indiferente ao que se passa ao nosso redor e com os nossos semelhantes e outras criaturas de Deus, pois nos Exercícios inacianos rezamos que Cristo deseja ter colaboradores que o ajudem em sua missão redentora e salvífica, o que implica também viver uma espiritualidade que se preocupe com a dimensão ambiental, social, política, cultural e cotidiana da vida, já que em tudo isso o Espírito de Cristo age. Da mesma forma, o Papa mostra a sua visão espiritual inaciana quando escreve “Fratelli tutti”, encíclica que nos recorda que somos todos irmãos e, portanto, temos que ter cuidado pelo outro, como queria Santo Inácio que fossem as relações fraternas nas comunidades jesuítas, chamando a seus membros de “amigos no Senhor”.

A terceira característica

O marcante do carisma jesuíta que facilmente identificamos na vida e na mensagem do Papa Francisco é o de sempre buscar o “discernimento” espiritual em tudo o que faz e em todas as decisões que toma. Este é um dos maiores legados deixado pelos Exercícios inacianos, não apenas para os membros da Companhia de Jesus, mas para todos os cristãos. Como afirmou o Superior Geral dos jesuítas, Pe. Arturo Sosa, “os Exercícios Espirituais Inacianos são um tipo de escola do discernimento. Seguindo os Exercícios Espirituais, toda pessoa pode ser ajudada a escutar a voz de Deus chamando a totalidade da vida humana a decidir pelo seguimento dessa voz – para fazer uma escolha”.

Se observarmos bem, todo o pontificado de Francisco tem sido uma constante escola de discernimento espiritual, apostólico e eclesial, como se verificou recentemente com o Sínodo da sinodalidade, cujo tema foi “Por uma Igreja Sinodal: Comunhão, Participação e Missão”. Tendo participado da comissão de espiritualidade de preparação ao sínodo e, posteriormente, como perito das duas sessões da assembleia sinodal em outubro de 2023 e 2024, pude perceber claramente o desejo do Papa de que nós nos puséssemos em um caminho de discernimento no qual todos os membros da Igreja — leigos, religiosos, sacerdotes, bispos, etc. — se sentissem chamados a participar ativamente, escutando-se mutuamente para reconhecer a voz do Espírito Santo falando por meio de todos os batizados e batizadas, em sua rica diversidade.

Muitas outras características do modo de ser, de pensar e de agir do Papa Francisco poderiam ser identificadas como oriundas das fontes inacianas dos Exercícios Espirituais, que ele conheceu desde cedo na sua formação jesuítica e que fazem dele um verdadeiro jesuíta.

Que neste momento em que ele precisa tanto de força espiritual, seja a companhia do Senhor Jesus e da Virgem Maria a sua maior fonte de consolação junto a todas as nossas orações.

Padre Adelson Araújo é sacerdote jesuíta. Natural de Manaus/AM, ele é mestre e doutor em Teologia com especialização em Espiritualidade pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, onde atualmente é professor e superior da comunidade jesuíta. Foi perito no Sínodo especial sobre a Amazônia e no Sínodo sobre a sinodalidade.