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A importância de um mestre: o exemplo de São Alberto Magno

Origem e formação de Alberto Magno

Alberto, denominado Magno, nasceu em Lauingen, na Suábia, em 1206 ou 1207. Sua família estava a serviço dos Hohenstaufen, e por isso Alberto foi enviado à cidade de Bolonha, local onde iniciou seus estudos universitários, em 1222, para continuá-los em Pádua a partir do ano seguinte.

Domínio Público.

Em Pádua, ele ingressou na Ordem Dominicana, em 1223, recebendo o hábito do Mestre Geral, Jordão da Saxônia. A partir de 1228, sucessivamente, lecionou em cidades germânicas. Em 1240, deslocou-se para Paris, onde cursou teologia e exerceu as funções de Mestre Regente de 1242 a 1248. Incumbido de organizar um Studium Generale, em Colônia, para tal cidade ele se dirigiu, acompanhado de Tomás de Aquino, a quem teve por discípulo de 1245 a 1248. Em Colônia, trabalhou na elaboração de seus comentários e paráfrases.

Em 1254, foi escolhido como superior provincial da Província da Germânia. No transcurso de 1256, ficou na corte papal de Anagni, onde defendeu a causa dos Mendicantes contra Guilherme de Saint-Amour, um mestre secular da Universidade de Paris, o qual se sentia ameaçado pela ascensão dos frades mendicantes e dizia que eles eram precursores do Anticristo. No ano seguinte, passou uma temporada em Florença, tendo retornado a Colônia, em 1258, onde formulou um programa de estudos, auxiliado por outros mestres.

Magistério e atuação eclesiástica

Foi nomeado bispo de Regensburg, em 1261, pelo Papa Alexandre IV, dignidade a que renunciou, em 1262, de maneira espontânea. No ano seguinte, participou na pregação da cruzada em terras germânicas. Anos após, ele será encontrado em Colônia, Estrasburgo e, inclusive, no Concílio de Lyon (1274).

Sua última estada, em Paris, foi em 1277. Em 1280, faleceu em Colônia, onde foi sepultado. Alberto foi canonizado pelo Papa Pio XI em 1931. A propósito, diz-se sobre ele o seguinte: “Não obstante a sua vida extraordinariamente ativa e operosa, Alberto encontrou lazer suficiente para legar à posteridade uma obra literária de vastas proporções” (Boehner, Gilson, 2000, p. 394).

Filósofos germânicos, Ulrich de Estrasburgo, Dietrich de Freiburg, Mestre Eckhart e Bertolo de Moosburg, foram discípulos de Alberto, formados por ele em Colônia, no Studium dominicano, assimilando muitas de suas teses (Libera, 1998, p. 397). Além de ter sido o primeiro germânico a tornar-se mestre em teologia na Universidade de Paris (1245-1248), Alberto é tido como “[…] o principal ator da aculturação filosófica do Ocidente latino no século XIII […]” (Libera, 1998, p. 395).

A obra filosófica e a divisão da Filosofia

Sua obra filosófica e teológica é sempre lembrada por sua amplitude. No tocante à filosofia, ele dizia que somente queria transmitir os ensinamentos de Aristóteles aos latinos. De fato, os seus textos filosóficos seguem, com fidelidade, os títulos e as divisões da obra aristotélica, a respeito da qual faz uma exposição intercalada de comentários e digressões. Ele dividia a filosofia em três partes: filosofia racional, caracterizada pela lógica, filosofia real, cujo objeto de investigação é aquilo que não constitui obra humana, e, ainda, filosofia moral, que tem por objeto as ações humanas.

Os escritos aristotélicos de Alberto ficaram, pois, organizados assim: […] seus escritos de lógica consistem na exposição dos escritos de Aristóteles, dos quais também utiliza os títulos. Divide a filosofia real em física (e também aqui utiliza os títulos e a ordem das obras aristotélicas); matemática (a cujo grupo pertence uma só obra, Speculum astronomiae […]); e metafísica, à qual pertencem a Metafísica e uma ampla paráfrase do Liber de causis. À filosofia moral pertencem os dois Comentários à Ética e à Política (Abbagnano, 2000, p. 9).

Costuma-se dizer que um de seus méritos mais significativos foi o de ter aproximado o pensamento aristotélico e o cristianismo (Reale; Antiseri, 1990, p. 546). É preciso lembrar também de alguns de seus escritos científicos, quais sejam, ‘Sobre os vegetais e as plantas’, ‘Sobre os minerais’ e ‘Sobre os animais’.

Além de protagonista dessas obras, que seguem o itinerário da filosofia aristotélica, Alberto foi, ainda, autor de escritos teológicos, neste caso, norteados por referenciais agostinianos, tais como: um comentário às Sentenças de Pedro Lombardo, uma Summa de creaturis, uma Summa theologiae, um comentário ao Pseudo-Dionísio, um Comentário ao Antigo e Novo Testamento. Em oposição à doutrina averroísta (de Ibn Roshd, conhecido por Averróis), ou seja, de um único intelecto possível e agente, que é separado, eterno e partilhado por toda a humanidade, compôs a obra De unitate intelectus.

Assim, sabe-se que nos ensinamentos albertianos: Aristóteles e Agostinho, portanto, são os principais mestres aos quais Alberto se refere constantemente e com base nos quais traça a distinção entre filosofia e teologia, que são duas ciências específicas, distintas pelos princípios de conhecimento, pelo sujeito e o objeto de que tratam e pelo fim que perseguem (Reale; Antiseri, 1990, p. 547).

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Diferença entre Filosofia e Teologia: razão e fé

Para Alberto, há pelo menos cinco diferenças entre o conhecimento filosófico e o conhecimento teológico de Deus. A primeira estabelece que, no conhecimento filosófico, se utiliza apenas a razão, enquanto que, com a fé, se vai além da razão. A segunda expõe que a filosofia parte de premissas que devem ser conhecidas por si mesmas, isto é, imediatamente evidentes, ao passo que na fé há uma luz infusa que reflui sobre a razão, abrindo-lhe perspectivas que, de outra maneira, seriam inconcebíveis.

A terceira considera a filosofia parte da experiência das coisas criadas, enquanto a fé parte do Deus revelador. A quarta salienta que a razão não diz o que é Deus, mas a fé o diz, dentro de certos limites. E a quinta trata da filosofia como procedimento teorético, e a fé envolve processo intelectivo-afetivo, uma vez que comporta a existência do homem no amor de Deus (Reale; Antiseri, 1990). Na realidade, no século XIII, estavam em curso as teorizações aprofundadas da razão em função da fé no período da escolástica medieval e as súmulas de Alberto encontram-se entre as mais brilhantes desse período intelectual (Le Goff, 1995).

Alberto não mediu esforços para colocar ao alcance da filosofia cristã toda a literatura então existente, e este um de seus grandes méritos. Depois de se inteirar de ensinamentos das filosofias árabe, judaica e, sobretudo, aristotélica, considerou muito significativo examiná-las mais de perto, para depois purificá-las, interpretá-las e adotá-las. Por isso, a seu respeito são registrados os seguintes dizeres:

Foi assim que concebeu o plano de trazer ao conhecimento dos latinos a Física, a Metafísica e a Matemática, e bem assim as ciências lógicas, éticas e políticas, numa palavra, a totalidade das ciências cultivadas pelos helenos e desenvolvidas pelos árabes e judeus […] (Boehner; Gilson, 2000, p. 395).

Destarte, não por outro motivo, Alberto é tido como um enciclopedista. Como se pode notar, seus escritos abarcaram amplas áreas da filosofia (lógica, ética, metafísica, ciências da natureza, meteorologia, mineralogia, psicologia, antropologia, fisiologia, biologia, zoologia) e da teologia (comentários sobre as Escrituras, teologia sistemática, liturgia, sermões). Ele estudou muito e contribuiu para a ampla e profunda formação de muitos. Sua vida e obra são uma espécie de testemunho irretorquível, em qualquer tempo e espaço, da importância ímpar do legado exemplar de um mestre para tantos outros que também se tornaram mestres.

Marcius Tadeu Maciel Nahur
Natural de Lorena (SP), Coordenador do Curso de Filosofia da Faculdade Canção Nova. Formado em Direito, História e Filosofia. Mestrado em Direito com ênfase na Filosofia de Henrique Cláudio de Lima Vaz. Delegado de Polícia Aposentado.

Referências

ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia. Tradução de Armando Silva Carvalho.
5. ed. Lisboa: Editorial Presença, 2000. v. IV. 149 p.

BOEHNER, Philotheus; Gilson, Etienne. História da Filosofia Cristã. Tradução de
Raimundo Vier, O.F.M. 7 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2000. 582 p.

LE GOFF, Jacques. Os Intelectuais na Idade Média. Tradução de Maria Julia
Goldwasser. 4. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995. 144 p.

LIBERA, Alain de. A Filosofia Medieval. Tradução de Nicolás Nyimi Campanário e
Yvone Maria de Campos Teixeira da Silva. São Paulo: Edições Loyola, 1998. 532 p.

REALE, Giovanni; Antiseri, Dario. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média.
Tradução de José Bortolini. 6. ed. São Paulo: Paulos, 1990. v. I. 693 p.