A identidade segundo São Tomás de Aquino
São Tomás de Aquino, mestre da metafísica cristã, compreende a identidade como aquilo que torna um ente precisamente o que é, distinguindo-o de todos os demais. A identidade, portanto, reside na unidade do ser, na sua essência e existência singular.
Quando aplicada ao sacerdócio, essa identidade adquire uma profundidade multiforme, podendo ser compreendida sob diversas perspectivas: trinitária, antropológico-teológica, cristológica, eclesiológica e espiritual.

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Dimensão trinitária: o chamado nasce no coração de Deus
Sob o olhar trinitário, compreendemos a identidade sacerdotal que nasce, antes de tudo, no coração da Trindade. É Deus quem escolhe livremente, segundo a sua vontade soberana (cf. Mc 3,13). Ele chama e manifesta essa escolha dentro do tempo e da história. O sonho eterno de Deus se concretiza na história àqueles que Ele quis chamar – antes de tudo, para que estivessem com Ele (cf. Mc 3,14).
Dimensão antropológico-teológica: a resposta humana
Depois desse chamado, ordinário ou extraordinário conforme os desígnios divinos, inicia-se a resposta humana. Do ponto de vista antropológico-teológico, o homem, em liberdade, pode responder com fé e, auxiliado pela graça, abraçar um caminho de transformação. Este “sim” ao chamado se desdobra em um itinerário de formação inicial, marcado pelo discipulado, cujo fim é a configuração progressiva com Cristo, numa verdadeira transfiguração interior.
Dimensão cristológica: participação no sacerdócio de Cristo
Ao concluir o processo formativo, o vocacionado recebe, pela ordenação presbiteral, uma participação ontológica no sacerdócio de Cristo. Trata-se da dimensão cristológica da identidade sacerdotal. Pela imposição das mãos e oração consecratória do bispo, o batizado é transformado em sacerdote: torna-se ministro de um poder que não é seu, mas que lhe é conferido pela graça. É revestido da autoridade para consagrar o pão em Corpo de Cristo e absolver pecadores em nome do Redentor.
Ao contrário do sacerdócio do Antigo Testamento – onde o sacerdote oferecia sacrifícios imperfeitos -, o sacerdote de Cristo oferece o próprio Cristo: é Cristo quem oferece, é Cristo quem se oferece. O presbítero, sem mérito próprio, torna-se participante desse mistério de amor.
Dimensão eclesiológica: representar a Igreja, não a si mesmo
Essa identidade assume também um caráter profundamente eclesial. O sacerdote ordenado deixa de representar apenas a si mesmo; ele, na sua individualidade e identidade, representa a Igreja inteira. Sua voz já não anuncia ideias próprias, mas aquilo que a Igreja crê, ensina e vive. Nessa dimensão, desaparece toda autorreferencialidade: o centro já não é o eu, mas Cristo. O sacerdote, então, é chamado a anunciar, viver e morrer pelo que Deus quer, e não por aquilo que ele gostaria de querer.
Dimensão espiritual: amado por Deus, chamado à maturidade
Na dimensão espiritual, o sacerdote é, antes de tudo, alguém amado por Deus. Recebeu dons imensos, ainda que por vezes não os perceba. Muitos se perdem em espiritualidades frágeis ou desconectadas da própria identidade e missão, oscilando entre o desprezo da própria identidade sacerdotal e a paralisia, por medo, diante da grandeza da vocação.
Ambos os extremos revelam uma crise de confiança na graça. A verdadeira espiritualidade sacerdotal, porém, nutre a maturidade: torna o padre um homem profundamente humano, capaz de fazer de sua vida um dom e um serviço. A maturidade espiritual é fruto da responsabilidade assumida com amor, da coragem diante dos sacrifícios e da capacidade de lidar com os próprios limites.
O imaturo, fugindo do sacrifício, refugia-se em carências afetivas, em busca de compensações que não preenchem. Transferem aos outros a responsabilidade que é de Deus, tornando-se injustos, até consigo mesmos. Somente uma espiritualidade enraizada na verdade do ser é capaz de abrir espaço para o encontro com Deus e consigo mesmo. Essa espiritualidade autêntica gera frutos: a alegria de pertencer a Deus, de estar com Ele, e de servi-Lo com generosidade.
Confissão e Eucaristia: fontes essenciais da identidade sacerdotal
Para que o padre possa se aproximar da sua identidade sacerdotal, duas fontes de graça são indispensáveis: a Confissão e a Eucaristia. O pecado nos fragmenta, confunde a inteligência e enfraquece a vontade; a graça, ao contrário, ilumina, fortalece, e restitui a unidade interior. A Confissão é, portanto, o sacramento da reconstrução da semelhança divina no sacerdote. A Eucaristia, por sua vez, deve ser o centro vital da existência sacerdotal.
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Imelda Lambertini: morrer de amor pela Eucaristia
A história de Imelda Lambertini ilumina isso de forma sublime. Como ainda não tinha idade suficiente para comungar, Imelda Lambertini vivia intrigada diante do mistério da Eucaristia. ‘Aproximava-se das religiosas e, com o olhar iluminado pela pureza, fazia uma pergunta desconcertante: – Irmã, a senhora comungou Jesus e não morreu? As freiras, surpresas, respondiam com um certo espanto: – Que é isso, menina? Por que morreríamos? E Imelda, com a inocência misturada a uma fé ardente, explicava: – Como é possível receber Jesus na Comunhão e não morrer de amor e de felicidade?’ Ingressou no convento aos oito anos e, aos dez, era uma dominicana exemplar. Sonhava com o momento de receber Jesus na Comunhão. Na véspera da Ascensão, em 1333, durante a Missa, uma hóstia saiu do cibório e pairou sobre sua cabeça. O sacerdote, compreendendo o sinal, deu-lhe a Primeira Comunhão. Imelda permaneceu em êxtase e, momentos depois, foi encontrada morta: havia morrido de amor. A Eucaristia deve ser para o sacerdote não apenas centro litúrgico, mas razão de viver; e um viver para morrer de amor. Como dizia Madre Teresa de Calcutá: “Se não fosse a Eucaristia, eu não teria feito nada do que fiz”.
Fraternidade presbiteral: construir comunhão verdadeira
Por fim, duas realidades encerram com chave de ouro a espiritualidade sacerdotal: a fraternidade presbiteral e a devoção a Maria. A fraternidade presbiteral não se constrói apenas pela convivência, pelo estar no mesmo lugar, mas pela confiança, pela sinceridade e pela ausência de rivalidade. Fofocas, manipulações e jogos de poder ferem essa comunhão. Um sacerdote que se sente inseguro em sua própria identidade recorre à crítica e à desvalorização do outro para afirmar-se – mas quem encontrou sua verdade interior busca elevar, e não para diminuir o outro.
Maria, Mãe do sacerdote
A curiosidade excessiva, por sua vez, não é sinal de interesse que edifica, mas de insegurança disfarçada de zelo. Saber ouvir com discrição e maturidade é uma virtude indispensável. E como não falar de Maria? Ela é, por excelência, Mãe do sacerdote. Seu silêncio, sua fidelidade, sua presença aos pés da cruz são modelos sublimes para quem foi chamado a se configurar ao Cristo Pastor. Maria conduz o sacerdote ao coração do Filho, especialmente através da oração do Rosário, que deve ser a âncora da sua devoção diária.
Padre Leandro Rodrigues dos Santos
Arquidiocese de Curitiba
Mestrando em teologia na Pontifícia Universidade Salesiana de Roma