“Ele fez operar em Cristo, que ele ressuscitou dos mortos e fazendo-o assentar a sua direita nos céus muito acima de qualquer Autoridade e Virtude e Soberania” (Ef. 1, 20-21).
Os anjos das Virtudes pertencem ao quinto coro da hierarquia celeste. Eles estão entre os anjos das dominações e potestades. Seu nome deriva do grego δύναμις (Poder, força) e, por sua vez, do latim Virtutes. Segundo a tradição da Igreja, esses nossos irmãos estão profundamente ligados à virtude da coragem, da força e do poder enquanto participantes da onipotência divina. Nesta série sobre os santos anjos, tenho tentado salientar que, para a tradição católica, os anjos não possuem poder em si mesmos assim como nós também não o possuímos, mas ambos participamos do poder divino.
A participação na vida de Deus é o privilégio dos eleitos e daqueles que estão em comunhão com Ele. Quando, por exemplo, celebramos a memória de um santo, ou mesmo da Bem-aventurada sempre Virgem Maria, a liturgia não celebra por primeiro as virtudes heroicas daquele santo, mas rende graças (faz festa) a Deus porque “o Todo Poderoso realizou em mim maravilhas” (Lc 1, 49). Com o cântico de Nossa Senhora na porta da casa de Zacarias e Isabel, podemos entender que todo o poder não provém das criaturas, mas daquele que realiza em nós seus prodígios. Não é por nada que a Virgem Maria recebe o culto da hiperdulia, isto é, o culto dos santos por excelência, não tirando, porém, a realidade da adoração pela qual Ela é a primeira a render a Deus e, por sua vez, Ela é o modelo de adoração a Deus.
Anjos ligados à virtude da coragem e da força
Portanto, ao falarmos de anjos poderosos e fortes, temos que entender que eles o são porquanto estão em comunhão com o Senhor, porque participam do seu poder e da sua majestade. Uma vez que entendemos essa realidade teológica, fica mais fácil para compreendermos o que os padres e os teólogos antigos falavam a respeito dos anjos das Virtudes. Quem são? O que fazem? Como se relacionam conosco? O primeiro a falar mais claramente sobre eles é o Pseudo Dionisio, que assim afirma:
“O nome das Virtudes indica que ela tem o nível igual das Dominações e Potestades. Ela é disposta harmonicamente e sem confusão para receber os dons divinos. Ela indica ainda que o poder intelectual que lhe pertence é perfeitamente ordenado e que longe de abusar do seu poder ela se eleva harmoniosamente para as realidades divinas, conduzindo na sua bondade as essências inferiores e imitando tanto quanto pode a virtude fundamental, que é a fonte de toda a virtude sem deixar de difundi-la na medida de sua capacidade” .
Anjos da harmonização
Assim sendo, o que podemos entender em um primeiro momento é que esses anjos, mesmo sendo poderosos, não utilizam seu poder para o mal, mas ao contrário, exerce-o para harmonizar as coisas das realidades divinas. Ao dizer isso, Dionísio quer nos explicar que, os anjos das Virtudes carregam em si a graça de harmonizar, colocar equilíbrio, sem abuso de poder e sem imposição, uma vez que o fazem para a maior glória de Deus. Portanto, os outros anjos a eles subordinados são servidos, antes de serem governados. Por outro lado, aprendemos também com o autor da Hierarquia celeste que, a fonte da virtude (equilíbrio) desses anjos reside justamente no fato deles participarem da verdadeira fonte de toda a virtude, que é o próprio Deus.
Temos que lembrar da palavra Virtude, que vem do grego, ἀρετή (areté). No pensamento aristotélico, ela significa harmonia e o saber prático para agir no mundo. Já, em Platão, a virtude estava ligada profundamente ao guerreiro, que dotado da virtude da coragem não media esforço para sacrificar, se necessário, a sua vida por seu pais e por uma causa.
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A proteção dos anjos
Nesse sentido, podemos concluir que quando Dionísio nos fala a respeito dos Anjos do coro das virtudes, ele está nos dizendo que esses são poderosos, corajosos, guerreiros defensores e, ao mesmo tempo, nos auxiliam a agir bem na vida.
Ainda seguindo essa linha de Dionísio e de São Tomás de Aquino, Dante Alighieri nos ensina que esse ser afirma que as os anjos das Virtudes são os anjos poderosos que, pelas sua intercessão diante de Deus, interferem nas grandes mudanças da história . O que isso quer dizer? Que esses nossos irmãos intercedem e agem, ao mesmo tempo, para que os desígnios de Deus sejam realizados e, para isso, com grande coragem, eles combatem a nosso favor, a fim de que cumpramos a vontade de Deus.
Já São Tomás de Aquino nos apresenta algo novo sobre esses seres espirituais. Eles possuem a faculdade de dominar as coisas corpóreas. Ora, o que isso quer dizer? Quer dizer que eles exercem “poder” sobre coisas corpóreas, desse modo, realizam milagres e prodígios em nome de Deus. A esse proposito o santo dominicano afirma: “Assim, à ordem das Virtudes parecem pertencer todos os anjos que têm o poder sobre as coisas puramente corporais, pois até milagres se realizam por vezes por meio de ministério deles” .
O coro da virtudes
Dentro de tudo o que falamos, resta a pergunta: “Como podemos nos relacionar com o coro das virtudes?”. Eu diria: “Com muita tranquilidade, a eles podemos recorrer, para lhes pedir a intercessão para que possamos ter a virtude da coragem, da ordem e da harmonia, para realizar as coisas bem e, ao mesmo tempo, buscar a Deus sobre todas as coisas. Podemos também pedir a intercessão desses nossos irmãos para que nos auxiliem no tempo da provação, a fim de que possamos nos fortificar em Deus e n’Ele receber o poder do Alto”.
Hoje, você pode orar pedindo a eles para te auxiliar a buscar a Deus com toda a coragem e prontidão, independentemente de qualquer coisa. Gosto de uma frase que Santa Ildegarda, que foi proclamada doutora da Igreja por Bento XVI, diz: “Desde o momento em que Deus estabeleceu que os anjos deveriam assistir aos homens, Ele os tornou parte da comunidade humana” .
O que podemos esperar? Todos os anjos são nossos irmãos e conosco concidadãos dos Céu. Por isso, com fé e coragem, podemos dizer: “Santas virtudes rogai por nós!”.
Referências:
PLATÃO, Republica, 440ss.
DANTE ALIGHIERI, Convivio, II, 5.
SÃO TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologica II, Edições Loyola, São Paulo 2005, Q. 110, Art.2, p.794.
ILDEGARDA DI BINGEN, Causae et curae, Tebner, Leipzing 1903, p. 26, 53.