Tratando desse assunto sobre o demônio, a certeza de sua existência é a primeira coisa a ser explanada, pelo fato de que, hoje, tem sido muito comum negar a sua existência, reduzindo-o à mera figura literária. Embora existam muitos que dizem o contrário, a Igreja é convicta em afirmar que a “existência dos seres espirituais não-corporais, a que a Sagrada Escritura, habitualmente, chama anjos, é uma verdade de fé. O testemunho da Escritura é tão claro como a unanimidade da Tradição” (Catecismo 328).
No Antigo Testamento, o demônio é mencionado poucas vezes. No entanto, no Novo Testamento, são inúmeras vezes (aproximadamente 300). Torna-se assim impossível negá-lo.
Como visto, os anjos são criaturas espirituais. E “enquanto criaturas puramente espirituais são dotadas de inteligência e vontade: são criaturas pessoais e imortais, excedem em perfeição todas as criaturas visíveis. O esplendor da sua glória assim o atesta” (Catecismo 330). Se os anjos são criaturas divinas, como é então que existe o demônio, sendo ele mal? “Segundo o ensinamento da Igreja, ele foi, primeiro, um anjo bom, criado por Deus. De fato, o diabo e os outros demônios foram por Deus criados naturalmente bons; mas eles, por si, é que se fizeram maus” (Catecismo 391). Isso constitui uma verdade de fé testemunhada pela Sagrada Escritura e também pela Tradição Apostólica.
Por que o demônio se rebelou contra Deus?
Sobre como se tornaram maus só sabemos o que nos foi revelado. Testemunha São João, no livro do Apocalipse, que “houve então uma batalha no céu: Miguel e seus anjos guerrearam contra o dragão. O dragão lutou, juntamente com os seus anjos, mas foi derrotado; e eles perderam seu lugar no céu. Assim foi expulso o grande dragão, a antiga serpente, que é chamado diabo e satanás, o sedutor do mundo inteiro. Ele foi expulso para a terra, e os seus anjos foram expulsos com ele” (Apocalipse 12,7-10).
Não se sabe sobre o real motivo, pelo qual Lúcifer e seus anjos se rebelaram contra Deus, provavelmente, foi devido ao orgulho. Não se conformando com suas limitações próprias de criaturas, quiseram se igualar a Deus. Alguns dos santos padres da Igreja, tais como São Justino, São Tertuliano, São Cipriano, Santo Irineu, São Gregório de Nissa, ensinam que eles ficaram enciumados com o homem por ter sido criado imagem e semelhança de Deus. Ou ainda, quando souberam que a Palavra decidiu tornar-se humana. “A palavra se fez carne e veio habitar entre nós” (João 1,14).
O demônio pode se arrepender?
Tendo em vista sua existência e sabendo do mal que o mesmo produz no mundo, poderíamos nos perguntar: “Existirá, um dia, em que o demônio se arrependerá e, por isso, o inferno deixará de existir? O escritor grego Orígenes – que viveu no segundo século – acreditava nesta possibilidade da conversão do demônio. Porém, essa tese foi condenada pelo Sínodo de Constantinopla no ano de 543.
Poderíamos assim nos perguntar: “Será que Deus é, realmente, infinitamente misericordioso, uma vez que Ele não perdoa o demônio?”. O Catecismo responde da seguinte maneira. “É o caráter irrevogável da sua opção, e não uma falha da infinita misericórdia de Deus, que faz com que o pecado dos anjos não possa ser perdoado. ‘Não há arrependimento para eles depois da queda, tal como não há arrependimento para os homens depois da morte’” (Catecismo, 393).
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Diz o Senhor Deus, pela boca do profeta Ezequiel: “Não quero a morte do pecador, e sim, que ele se converta e viva” (Ezequiel 18, 23). A palavra conversão serve para o ser humano, porém, não para o demônio, por vários motivos. O primeiro é que o homem, ao pecar, não tem consciência plena de seu pecado, diferente do diabo, pois este, por ser puro espírito, tem pleno conhecimento de seus atos.
A inimizade para com Deus
Outro motivo ainda é que o demônio, devido ao seu orgulho, não aceita ser amado. O perdão é o retorno do homem à amizade com Deus. Não existe amizade entre o Senhor e o demônio. Para que tal amizade aconteça, precisa de um amor que é dado e outro que o recebe, isto é, uma reciprocidade. Tendo em vista que o diabo odeia Deus profundamente, na mesma hora que por Ele é amado, essa reciprocidade não acontece. Logo, não pode ser perdoado.
O que foi dito a respeito do diabo pode também se aplicar ao ser humano. Diz o Catecismo que “Deus criou o homem à sua imagem e o constituiu em sua amizade. Criatura espiritual, o homem só pode viver essa amizade como livre submissão a Deus. E o que exprime a proibição, feita ao homem, de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, ‘pois, no dia em que dela comeres, terás de morrer’ (Gn 2,17)” (Catecismo 396). Todas as vezes que fazemos opção pelo mal, rompemos de algum modo com a amizade de Deus.
Em suma, o demônio não pode ser perdoado pelo fato de ter perdido a amizade com Deus. O retorno a essa amizade só acontece por meio do perdão. Sendo que para ser perdoado deve existir reciprocidade do amor, isto é, deixar-se ser amado. Pelo fato de o demônio não aceitar ser amado nunca poderá ser perdoado. Sua opção, desse modo, torna-se irrevogável.