O compromisso de amor é constante e insistente na assembleia cristã; sublinha-se seu caráter essencial, afirmando que não é possível ser cristão autêntico quando não se vive o amor, e que não se pode testemunhar nenhum apostolado eclesial sem uma vida amorosa pessoal, como canta Padre Zezinho: “Lá no céu só vão entrar os amorosos. Os que amaram como Deus mandou amar. Quem lutou pra ver feliz outras pessoas. Eternamente lá no céu irá morar”.
O amor agápe, gratuito, oblativo, amor de Deus por nós, amor caloroso e eficaz àqueles que nos são caros, é o mais perfeito, e foi revelado por Jesus em forma de oração ao pedir pelos Seus discípulos, que se amem uns aos outros como as Três Pessoas da SS. Trindade se amam: “Não rogo só por estes, mas também por aqueles que, graças à sua
palavra, hão de acreditar em Mim, para que todos sejam um. Como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, sejam também eles uma só coisa, para que o mundo creia que Tu Me enviaste” (Jo 17,20-21).
Fraternidade, amor a Deus e ao próximo
A relação de amor entre as três pessoas da Santíssima Trindade deve iluminar a nossa relação com todos os irmãos e irmãs, também com aqueles que julgamos fora de nossas relações de família, de amizade, de afetos, de grupos sociais etc. O Amor se define como a virtude teologal que consiste no amor perfeito e total, pelo qual amamos a Deus em si mesmo e por si mesmo, e amamos o próximo em Deus e por causa de Deus (cf. “Santo Agostinho”, CEC, n.1822s).
O amor deve ser o princípio fundamental que condiciona todas as opções e comportamentos dos cristãos. Para o cristão, o valor realmente absoluto e ao qual todo o resto se deve subordinar é o amor. O fruto do amor é Jesus presente no meio de nós: “Onde dois ou três estiverem reunidos em Meu nome, Eu estarei no meio deles” (Mt 18,20). O amor fraterno deve ser a opção fundamental por Deus, ou seja, amar verdadeiramente o próximo é viver a opção por Deus: Aquele que permanece no amor, permanece em Deus e Deus permanece nele (cf 1Jo 4,16).
Amarmo-nos a nós mesmos e a nossa história é caminho para também amarmos os outros com suas histórias de virtudes e erros. Santo Tomás de Aquino escreve que não podemos entrar em relação de amizade com os outros, se não estivermos em relação de amizade conosco mesmos. Damos amor, paz e alegria se tivermos amor, paz e alegria.
Damos amargura e conflito se estivermos na amargura e em conflito.
A relação entre Jesus e os discípulos assume particular intensidade quando o Senhor fala do mandamento do amor fraterno: “amai-vos uns aos outros como Eu vos amei” (Jo 15,12-17). A vivência do amor fraterno glorifica o Pai, revela os verdadeiros discípulos e produz muitos frutos. O amor fraterno tem o seu modelo no amor oblativo de Jesus por nós, que O leva a dar a vida pelos Seus amigos (Jo 15,13). Jesus já tinha afirmado que há dois mandamentos: o mandamento de amar a Deus com todo o coração, e o mandamento de amar o próximo como a nós mesmos.
Amor universal e abrangente
A síntese do ensinamento moral de Jesus é um mandamento desdobrado em dois: Amar a Deus e amar os irmãos (Mt 22,37-40; Mc 12,28-31; Lc 10,25-37). Jesus nos revela a unidade indissolúvel destes dois mandamentos. Jesus mostra que o amor ao outro é universal e abrangente. “Quem ama a Deus, ame também o seu irmão” (1Jo 4,21); quem procura a intimidade com Deus, também procura a intimidade com o irmão, cultiva a amizade, a comunhão com um ou outro, busca as ocasiões de diálogo e encontros fraternos: como pode alguém dizer que ama a Deus que não vê, se não ama o irmão que vê? (cf. 1Jo 4,20); “nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou e enviou-nos o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados” (lJo 4,10).
A primeira conotação do amor caridade é a fraternidade, um amor que envolve as pessoas, estimadas por elas mesmas, unidas em uma busca da felicidade recíproca, e que busca o diálogo como forma de comunhão. O cristão vê o próximo como ele é, sem imaginação, disfarces nem fantasias. Com suas fraquezas, suas falhas e também suas qualidades e promessas de realização. Ele toma o partido de Deus, que é o partido da verdade, da misericórdia, da procura do bem para a pessoa amada.
O Amor verdadeiro exige a prática da justiça com a forma e o rigor que convém a essa virtude: “Se eu não tiver amor eu não sou nada” (1Cor 13,2). O distintivo da vida cristã é o amor, daí que o que é feito contra o amor é pecado (Cf. 1Jo 4,16). O pecado é não acreditar na força transformadora do amor.
Amor, Fraternidade e Diálogo
Que o mundo seja dividido é um fato, que os cristãos estejam divididos é um escândalo. Constatamos que muitos muros já caíram, mas barreiras dos corações perduram. É difícil ainda erradicar preconceitos e divisões (Cf. Unitatis Redintegratio, n. 1). “Rasgou o travesseiro, ninguém mais consegue juntar as penas”.
A divisão dentro da Igreja, confrontos entre bispos, padres, pastores e fiéis, direita e esquerda, progressista e libertador, divisões partidárias etc. são um verdadeiro contratestemunho daqueles que professam a fé em um Deus Uno e Trino. O problema não está na linguagem, nas diferenças de ideias ou pensamentos, mas no real, e de fundo existem verdadeiras discórdias e distanciamento, que são formas de negação do amor. Com isto cria-se um clima de suspeita, desconfiança, divisão e infidelidade, esquecendo de realizar a verdade no amor. Procedimentos pouco fraternos na defesa do amor põem em dúvida a própria verdade que se defende (1Cor 8,1).
Temos que examinar a nossa consciência, para ver se alimentamos o fogo do amor ou se o deixamos apagar, isto é, se alimentamos o amor real, o calor humano, necessários para o verdadeiro espírito de família e para fazer germinar a verdadeira amizade e fraternidade, ou se vivemos na indiferença para com o próximo. Afirma o Papa: “Podemos buscar juntos a verdade no diálogo, na conversa tranquila ou na discussão apaixonada”.
O Papa Francisco, na Encíclica Fratelli Tutti, n. 49, afirma: “São Francisco de Assis escutou a voz de Deus, escutou a voz dos pobres, escutou a voz do enfermo, escutou a voz da natureza. E transformou tudo isso num estilo de vida. Desejo que a semente de São Francisco cresça em tantos corações”. O cristão que busca amar como Jesus amou faz do diálogo um estilo de vida de quem quer viver a escuta da Palavra de Deus, pois a Caridade nos faz imitar o amor criador e santificador de Deus.
Em uma sociedade marcada por divisões, preconceitos e com uma visão particularista, individualista, refletir sobre a fraternidade e diálogo como compromissos de amor, se torna cada vez mais necessário e urgente com todas as pessoas de boa vontade e que cultivam a caridade como referencial para suas vidas.
A fraternidade e o diálogo devem ser cultivados conscientemente, com vontade e paixão. Quem ama se educa e educa os outros para a fraternidade, o diálogo, a descoberta da reciprocidade, do respeito e enriquecimento mútuo. “Armemos os nossos filhos com as armas do diálogo! Ensinemos-lhes a boa batalha do encontro!” (Fratelli Tutti, n. 217). Torna-se urgente um diálogo paciente, respeitoso e confiante, para que as pessoas, as famílias e a sociedade possam transmitir os valores próprios da vida cristã.
Significado de dialogar
O Papa Francisco, na Fratelli Tutti, n. 198, ajuda-nos a compreender o que significa dialogar: “Aproximar-se, expressar-se, ouvir-se, olhar-se, conhecer-se, esforçar-se por entender-se, procurar pontos de contato: tudo isto se resume no verbo ‘dialogar’. Para nos encontrar e ajudar mutuamente, precisamos dialogar. Não é necessário dizer para que serve o diálogo; é suficiente pensar como seria o mundo sem o diálogo paciente de tantas pessoas generosas, que mantiveram unidas famílias e comunidades. O diálogo perseverante e corajoso não faz notícia como as desavenças e os conflitos; e contudo, de forma discreta, mas muito mais do que possamos notar, ajuda o mundo a viver melhor”.
O sucesso do diálogo acontece quando se supõe que, nos diversos contextos, a pessoa está preocupada com o bem comum, com o crescimento mútuo, com a partilha e a ajuda. Numa sociedade pluralista, o diálogo é o caminho mais adequado para se chegar ao entendimento e respeito, em reconhecer a nossa indigência que precisa também do outro, no respeito à dignidade de cada pessoa independente de qualquer situação, e sobretudo assumir o amor como forma concreta de viver e relacionar-se.
A solução para a vida em fraternidade está no diálogo, afirma o Papa Francisco: “Entre a indiferença egoísta e o protesto violento há uma opção sempre possível: o diálogo. O diálogo entre as gerações, o diálogo no povo, porque todos somos povo, a capacidade de dar e receber, permanecendo abertos à verdade. Um país cresce quando dialogam de modo construtivo as suas diversas riquezas culturais: a cultura popular, a cultura universitária, a cultura juvenil, a cultura artística e a cultura tecnológica, a cultura econômica e a cultura da família, e a cultura dos meios de comunicação”.1
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Aqui não devemos entender o diálogo apenas como diplomacia entre pessoas de diferentes culturas, religiões, grupos políticos etc. O verdadeiro diálogo cristão acontece na fraternidade, de modo a estabelecer amizade, paz, harmonia, partilha de valores, conhecimentos e experiências morais e espirituais.
Em nome do Deus amor criamos a disposição e o interesse pela fraternidade e pelo diálogo como caminho de identificação com o amor divino. Deve prevalecer entre homens e mulheres de boa vontade a constante busca do entendimento, do respeito como método e critério de se viver a comunhão entre irmãos. Deus sempre esteve em diálogo com a humanidade, a própria revelação é Deus quem nos fala; e quando rezamos, Deus nos escuta.
Campanha da Fraternidade 2021
Neste ano de 2021, o tema da Campanha é: “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor”. O lema inspirado na carta aos Efésios 2,14a: “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade”, tem como um dos objetivos mostrar que o diálogo é o nosso melhor testemunho de Fraternidade. A fé nos lembra que Cristo é nossa paz e nos anima a prosseguir pelo caminho da unidade na diversidade, unir o que está dividido. A Palavra de Deus alerta-nos para a necessidade de ver em cada homem, em cada mulher que caminha ao nosso lado um irmão, uma irmã, independentemente da sua raça, da cor de sua pele, de sua cultura, ou até de sua bondade ou maldade.
Um olhar com atenção e amor é um compromisso com nosso Batismo. As palavras de Jesus sempre foram orientadas para que as pessoas assumissem compromissos de amor em defesa da igualdade e do diálogo (Texto base Campanha da Fraternidade 2021, n.9). É difícil assumir o compromisso de amar os inimigos, o estrangeiro, os “diferentes” como se fossem do mesmo povo, mas aqui está o testemunho maior do cristão que busca imitar Jesus. Pelo nosso Batismo e pela fé que professamos, assumimos que a fraternidade e o diálogo são compromissos de amor, porque Cristo fez uma unidade daquilo que era dividido.
O texto da Campanha da Fraternidade 2021, n.2, provoca-nos a refletirmos sobre possíveis caminhos para o diálogo e a construção de pontes de amor e paz em lugar dos muros de ódio. Queremos explicitar os sinais da “nova humanidade nascida em Cristo” que está presente entre nós; e a redescobrirmos a força e a beleza do diálogo como caminho de relações mais amorosas.
Unidade na diversidade
O conceito “unidade na diversidade” remete à experiência de Pentecostes (At 2,1-13). A fraternidade cristã é fruto do Espírito Santo que une, que ajuda a nos reconhecermos como irmãos e irmãs, capaz de amar e conviver nas diferentes condições. A caminhada de cada batizado tem que ser em fraternidade, diálogo e com o compromisso de amor, edificando pontes e derrubando barreiras. Cada batizado deverá incentivar o diálogo e a convivência fraterna como experiências de fé e de amor, em meio a tantas crenças, ideologias, indiferenças, intolerâncias. Aquele que diz “Senhor, Senhor” e deseja fazer a vontade do Pai que “sejam um”, promove a Paz: “como são belos os pés do mensageiro, que anuncia a paz”.
Às vezes não percebemos o quanto promovemos a divisão, construímos muros, quando nas páginas sociais postamos, disseminamos ou compartilhamos ideias de ódio, vingança, indiferença, intolerância contra pessoas que pensam diferente, que creem diferente, de culturas diferentes. O racismo, a xenofobia, a homofobia também são pecados contra o amor e a fraternidade.
Quantas vezes também nós caímos na conta de termos pecado e ofendido a Deus! Quantas vezes experimentamos as situações de morte e de ódio que dominam o nosso mundo! Quantas vezes também nós promovemos a divisão, a discórdia, a indiferença e a exclusão de tantos filhos e filhas de Deus.
O Papa Francisco ,no Angelus de 6 de setembro de 2020, ao comentar o Evangelho da correção fraterna (Mt 18,15-20) afirma que também: “As fofocas fecham o coração à comunidade, impedem a unidade da Igreja. O grande fofoqueiro é o diabo, que sempre sai dizendo coisas ruins dos outros, porque ele é o mentiroso que tenta desunir a Igreja, afastar os irmãos e não fazer comunidade”.
O pecado da divisão, da falta de diálogo é um pecado contra o Espírito Santo. Na comunidade cristã não pode haver a ausência do diálogo, é necessário testemunhar nossa fé trabalhando com Jesus em todo tempo e lugar. Se percebemos brigas, divisões, guerras, ausência do diálogo, é porque algo não anda bem em nosso testemunho cristão.
Desafios do amor
A fraternidade e o diálogo são desafios do amor. “Jesus nunca orientou seus discípulos e discípulas a criarem inimizades e perseguirem outras pessoas em seu nome. As palavras de Jesus sempre foram orientadas para que as pessoas assumissem compromissos em defesa da igualdade e do diálogo” (Campanha da Fraternidade 2021, n.9).
“As pessoas cristãs são conclamadas a viver irrepreensíveis em amor (Ef 1,4), a zelar pela unidade (4.1-6), a viver em aperfeiçoamento e fortalecimento do amor (Ef 3,17-19; cf. Ef 4,12). Os ensinamentos de Jesus nos Evangelhos nos comprometem à prática do amor (Jo 15,12-13; Mt 5,43-46a), do diálogo (Lc 19,1-10; Mc 7,24-30; Jo 4,1-26), do perdão (Lc 11,1-4; Jo 8,1-11), da compaixão (Lc 13,10-17; Mc 5,25-43), do convívio (Jo 4,39-42; Jo 2,1-11)” (Campanha da Fraternidade 2021, n.132).
O princípio fundamental que deve orientar a vida do cristão, apaixonado por Cristo e pelo Evangelho, não é o individualismo, a afirmação dos próprios direitos ou a defesa dos próprios interesses, mas o amor a Cristo e ao Evangelho em busca da fraternidade.
Pontes de diálogo e aproximação devem ser construídas por pessoas de boa vontade. Fraternidade e diálogo são valores cristãos, expressões de paz, de realização humana, de plenitude. A fraternidade e o diálogo são valores permanentes na vida de cada pessoa criada à imagem e semelhança de Deus que é Amor.
Referências:
1 FRANCISCO, Discurso no encontro com a classe dirigente (Rio de Janeiro – Brasil 27 de julho de 2013): AAS 105 (2013), 683-684.