Testemunho de filha comprova que, mesmo à distância, é possível ter a figura paterna muito presente no dia a dia
A experiência da “ausência paterna” na minha infância ensinou-me que, na vida, é necessário ter qualidade de vida, não quantidade.
Meus pais nasceram e cresceram em Cachoeira Paulista (SP). Minha mãe, especificamente, na Chácara de Santa Cruz, onde hoje está a sede da Comunidade Canção Nova. Toda minha família é natural dessa cidade.
Quando meu pai, José Alves, aos quatorze anos, perdeu o pai dele em um acidente, sua responsabilidade como irmão mais velho aumentou. Foi necessário trabalhar cedo, para ajudar a mãe dele a cuidar dos oito irmãos. Por isso, teve de aprender tudo muito rápido, apesar de sofrer com a ausência do pai, pois eram companheiros.
Pude perceber que, como aprendeu a lidar com as responsabilidades da vida muito cedo, meu pai foi passando isso para seus filhos, nos detalhes.
Quando meus pais se casaram, foram morar em outra cidade devido ao trabalho do meu pai, que começava a trabalhar na aviação. Meus dois irmãos, Matheus e Gabriel, e eu nascemos em São José dos Campos (SP). Nesta cidade, não tínhamos tios, primos, avós nenhum familiar, mas amigos que a minha mãe conquistou. Com o tempo, eles se tornaram grandes amigos, nossa segunda família.
Infância no Brasil
Meu pai começou a viajar muito, a fazer, principalmente, viagens internacionais por causa do trabalho. Ele ficava de três a seis meses fora de casa. Nas despedidas, um dos meus irmão sempre saía correndo para se esconder e chorava muito, porque sentíamos um “vazio” com a falta de nosso pai em casa. Éramos muito pequenos para entender certas coisas. Minha mãe esteve sempre junto de nós, firme e forte para cuidar dos filhos. Afinal, ela não tinha a família por perto para contar, para ajudar no que fosse necessário, somente aqueles amigos que ela conquistou nessa nova cidade.
Quando estava em casa, meu pai sempre dividia com minha mãe as tarefas de casa e os cuidados com os filhos. Com as viagens dele, todos sentíamos sua falta, e a responsabilidade de administrar tudo e cuidar da casa ficava somente para minha mãe. Aos fins de semana, meu pai tinha o costume de levar o meu irmão mais velho para escolinha de futebol, ensinava-o a fazer pipas e brincar de carrinho; ele nos levava para andar de bicicleta e patins, ao shopping e cinema. Durante a semana, ele nos levava à escola e nos ajudava a fazer as tarefas. Eu sempre o esperava chegar do trabalho para dar “boa-noite”. Coisas simples da vida!
No dias em que meu pai precisava viajar, era minha mãe, Maria Ignez, quem se tornava mãe e pai, sempre conseguindo passar para nós tranquilidade e paz, para que, ao longo do tempo, fôssemos entendendo que aquilo era necessário, que era o trabalho dele e nunca nos abandonaria.
Durante a ausência do pai em casa, continuávamos com nossos afazeres, porém, com saudades. Lembro-me de que sempre perguntávamos dele para minha mãe; ela, com muito carinho, dizia que ele estava bem, trabalhando muito, que sentia saudades de nós”.
Naquela época, não havia tanta tecnologia; então, era uma alegria abrir, toda semana, a caixa de correspondência e ver que ele mandava cartas, fotos e alguma lembrança para nós. Por meio dessas atitudes e dos telefonemas, minha mãe nos falava o quanto ele nos amava e estava com saudades. Sentíamos, então, que, mesmo à distância, meu pai era presente, porque queria saber tudo o que estava acontecendo em casa. Tudo o que fazíamos, minha mãe perguntava: “Você já pediu para seu pai? Vamos ligar para ele? Vamos escrever uma carta?”. Por isso, sabíamos que ele estava distante, mas ligado em nós.
Quando ele retornava, preparávamos algo para ele se sentir acolhido e amado. Ter a família reunida era sempre uma grande alegria!
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Partida para Espanha a trabalho
Uma das viagens que meu pai fez foi para trabalhar em Vitoria Gazteiz, na Espanha. Ele foi para ficar três meses por lá, mas, logo depois, soube que teria de ficar dois anos. Então, pediu para levar a família junto dele. Após essa notícia, meus pais começaram a preparar a mim e meus irmão para conhecermos um novo país, nova cultura e educação. Eles nos disseram que lá também não teríamos nossos familiares, mas sim novos amigos e uma nova escola.
Com muita alegria, começamos a preparar as coisas. Como meu pai já estava na Europa, ele foi passando as instruções para minha mãe, que viajou com três crianças pequenas. Encontramos com meu pai no aeroporto em Madrid. Nesse momento, minha mãe ficou mais tranquila, porque, por mais que o idioma fosse fácil de compreender, estava preocupada, porque ainda não sabia falar espanhol e tinha de tomar conta de detalhes que a própria viagem exigia.
Ida da família para Espanha e as experiências vividas por lá
No início de nossa vida na Espanha, recordo-me que eu queria voltar, porque olhava o quarto, a casa, os programas de televisão, a comida, e achava tudo diferente! Mas, com o tempo, eu me adaptei à escola integral, às atividades extras e aos parques. Realmente, tudo era muito diferente, mas fomos percebendo que também era bom.
Minha mãe fazia aula de espanhol para nos ajudar nas tarefas. Tanto ela quanto meu pai nos incentivavam a comer as coisas diferentes, conhecer vários lugares e fazer amizades. Eu tive a graça de fazer minha primeira comunhão na Europa e conhecer Portugal com a família. A experiência vivida naquele lugar foi maravilhosa, pois toda família adquiriu uma nova forma de viver. Os dois anos que ficaríamos na Europa estendeu-se para cinco, porque o contrato de trabalho foi renovado.
Volta para o Brasil
Após terminar esse contrato do meu pai, voltamos para Brasil com alegria, pois, em nosso país, continuamos nosso caminho. Com a chegada ao Brasil, fomos morar na cidade onde meus familiares estavam, em Cachoeira Paulista (SP), mas meu pai continuou trabalhando em São José dos Campos (SP), estando em casa somente nos fins de semana. Mas ele sempre nos lembrava que, mesmo estando ausente fisicamente, isso não era um problema, porque sabia o que fazíamos. Minha mãe, sempre com jeito carinhoso, intercedia e falava para meu pai tudo o que está acontecendo em casa.
Essa “ausência paterna” nunca foi para nós um obstáculo. Meus pais souberam lidar com isso e, hoje, vejo que é necessário ter qualidade, amar nos detalhes e fazer o diferencial com a família, e assim nós filhos fomos aprendendo com eles o que é realmente essencial na vida.
Minha mãe foi muito forte e guerreira para cuidar de nós. Em nenhum momento, vimos meus pais reclamarem das dificuldades que a ausência dele trazia para nós. Eu os tenho como exemplo, porque entendo o quanto ela foi forte como mulher, para ficar longe do marido e cuidar dos filhos; assim também meu pai, que sempre nos demonstrou seu amor nos detalhes e nunca abandonou a família.
Vejo com tudo isso o presente que Deus me deu: a família. É por meio dela que eu aprendo muito. Também agradeço pela experiência que vivi na Europa, o idioma que tive a graça de estudar e aprender, o que hoje faz muita diferença na minha vida.
Hoje, percebo que Deus tem cuidado de todos os detalhes da minha família, e em tudo minha mãe recorre à Virgem Maria!
Thais Rufino de Azevedo – Formada em letras português e espanhol. Atualmente, professora de espanhol e tradutora na Fundação João Paulo II (Canção Nova). Cursa pós-graduação em Educomunicação com ênfase em curso superior.