A conversa que eu gostaria de ter...

Era mais uma conversa na mesa da cozinha de uma das casas de jovens da Comunidade Canção Nova. Aliás, não era apenas mais uma conversa, afinal na Canção Nova as conversas nunca são mais uma. As novidades, os assuntos, o dia-a-dia atualizado da Chácara de Santa Cruz e do mundo são contados na hora do jantar, aqui, na comunidade. É a hora mais legal do dia. Fala-se de tudo. De política, religião, amores, dissabores, problemas do mundo, furos, etc. Na hora de nossas refeições, nunca se sabe bem ao certo o rumo que a conversa vai tomar. De repente, o assunto brota… Gosto disso em nossa vida comunitária.

Mas, como ia dizendo, estávamos na mesa conversando, quando começou a rolar aquela conversa do tipo: “Qual o lugar que você gostaria de ter ido e nunca foi?” e “O que você gostaria de fazer e nunca fez?”

E assim a coisa foi. Cada um começou a usar a sua imaginação para reativar seus sonhos. Para alguns, isso é muito fácil. Para outros, é necessário um esforço enorme para retirar –do “velho baú do esquecimento” – os sonhos deixados para trás. Uns diziam que queriam ser médicos, advogados, biólogos… Outros, que queriam conhecer a Índia, a Grécia, a Terra Santa, Fernando de Noronha…

Ali, começamos a contar nossos desejos mais secretos. É, amigo, missionário também tem sonhos. E, às vezes, são grandiosos. Missionários são como todo mundo. São pessoas como você, que têm sonhos, esperanças, frustrações… Todos nós deveríamos ter sonhos, projetos, aspirações. Acho que isso faz parte da vida. Uma pessoa sem sonhos, sem desejos é uma pessoa sem esperança, e, portanto, sem vida.

Mas houve um momento do bate-papo em que alguém fez a seguinte pergunta: “Qual a conversa que você gostaria de ter tido e nunca teve?” Alguns (para dizer a verdade: a grande maioria) manifestaram o desejo de conversar com o Papa Bento XVI; outros queriam tê-lo feito com o saudoso João Paulo II. Já alguns citaram pessoas como Madre Teresa de Calcutá, São Bento, sei lá… Não cheguei a responder a essa pergunta, mas ela ficou dentro de mim por vários dias. Extrapolou a mesa.

A conversa que eu gostaria de ter tido e nunca tive, foi com meu pai. Ele não é uma personalidade pública. Não é uma pessoa notoriamente elogiada pela imprensa. Mas, essa conversa me faria muito bem à alma. Meu relacionamento com ele sempre foi muito difícil. Desde a época de minha adolescência, sempre tivemos muitos contratempos. Sempre o amei muito e sei que ele sempre me amou muito também. Mas tínhamos gênios difíceis. Eu não aceitava suas atitudes e ele não aceitava as minhas. Mas eu o admirava como pessoa. Admirava seu coração generoso. Ele dizia que eu era inteligente, esperto. Não sei se isso é verdade, mas sei que era uma forma de me elogiar.

Mas era difícil, para mim, entender certas atitudes dele. Não entendia como uma pessoa tão boa, tão esclarecida, com um coração daquele tamanho, pudesse fazer coisas tão erradas. Hoje, depois de tantos anos, aprendi que ninguém dá o que não tem. Ele veio de uma família desestruturada, que não tinha Deus como seu Senhor, de modo que ele não tinha como saber as coisas que eu sei hoje. Mas, na época, eu não tinha misericórdia para entendê-lo e ajudá-lo.

Um dia, minha mãe e meu pai brigaram. E eu resolvi sair de casa junto com ela. Ali, foi o cume de uma briga que já se arrastava por diversos anos. Meu pai foi para um lado, e nós para outro. Ele sumiu da minha vida e da vida das pessoas mais próximas dele. Escondeu-se. De mim e do mundo. Até hoje, não é fácil saber onde ele mora. Não tenho notícias dele. Ninguém as tem. Depois disso, o encontrei mais duas vezes. E só.

Na primeira vez, ele estava dentro de um ônibus e eu na parada de ônibus. Eu o vi novamente, nesse mesmo lugar, depois de dois anos. Lembro-me como se fosse hoje. Eu gritei: – “Pai!”

Ele olhou e me reconheceu.
– “‘Bença’, pai”, – eu disse.
– “Deus te faça feliz” – ele respondeu.
– “Pai me perdoa!”
– “Perdôo, meu filho”.
– “Eu te perdôo também, pai…”

O ônibus partiu e meu pai foi junto. Assim, foi a primeira vez que o vi depois que saímos de casa. Da segunda vez, eu já estava na Canção Nova, de férias em Recife, quando consegui encontrá-lo para conversarmos. Mas foi uma conversa superficial. Não falamos muito de nossas vidas. Foi uma espécie de reaproximação. Aquele dia, não era um dia propício para grandes e profundas conversas. Deixei o telefone da comunidade com ele. Esperava que me ligasse, mas nunca o fez.

Por esta razão, quando essa pergunta foi feita, meu coração quase explodiu. Porque é essa a conversa que está faltando na minha vida. Essa partilha profunda com o meu pai. Sem cobranças, sem culpas, sem fardos. Uma conversa de amor. Mais que uma conversa de reconciliação. Uma conversa de pai e filho. Temos coisas para dizer um ao outro que precisam ser ditas. Temos carinho para dar um ao outro que precisam ser dados.

Às vezes, as pessoas pensam que a vida dos missionários da Canção Nova é uma vida perfeita. Que não sofremos com a separação de nossos pais e familiares, que não temos parentes envolvidos em problemas… Mas isso é uma idéia errônea. Temos problemas e problemas sérios! E precisamos também dar passos no dia-a-dia. Não existe uma comunidade perfeita e, conseqüentemente, não existe missionário padrão.

Hoje, amigo, exponho para você o meu “sagrado”. A conversa que gostaria de ter tido e que, com certeza, algum dia irei tê-la com a graça de Deus! Faço isso na esperança de que você, pai, ou você, filho, possam dar passos no relacionamento que vocês precisam ter com os seus. Nesse tempo de formação dentro da Canção Nova, aprendi que o meu pai é sempre meu pai. E que por mais difícil que ele seja, Deus quis que meu genitor fosse ele. E o mesmo se dá em relação aos filhos. E o Pai o quis assim porque vocês dois precisam dar ao mundo um testemunho. Seja de amor, seja de reconciliação…

Rezo para que, algum dia, o Senhor me dê essa graça. De ter com o meu pai a conversa que nunca tive e que preciso ter. Mas rezo também por muitos pais e muitos filhos que andam precisando (como nós: eu e meu pai), ter esse diálogo. Nós, da Canção Nova, sabemos e acreditamos que o diálogo entre pais e filhos é algo essencial para a vida de todos. A família é feita assim.

Hoje, tenho pais separados, mas eles continuam sendo meus pais. E preciso amá-los. Do jeito que são. Com as qualidades e com os defeitos que eles têm. Certa vez, quando ainda não era um jovem firme na caminhada cristã, e estava no auge da revolta em relação ao meu pai, fui parar, graças à providência divina, em um grande Encontro da

RCC de Pernambuco, onde havia um “tal Padre Jonas Abib“. Lá, ele fez uma pregação sobre pais e filhos (qualquer semelhança é mera coincidência) e convidou os jovens, que estavam ali, para se ajoelharem. Então, rezou pedindo que Jesus Cristo derramasse sobre nós o Espírito Santo para nos cumular com o dom do perdão. Naquele dia, eu fui liberto da mágoa e do ódio que sentia por meu pai. Desde então, eu não consigo ter mágoa dele, nem lembrar das coisas que aconteceram com raiva ou ressentimento. Depois disso, foram muitas e muitas curas que Deus realizou em meu coração.

Gostaria de terminar esse capítulo com um final perfeito. Mas ainda não dá. Porém, se não é perfeito, pelo menos é humano. Humano como você que luta para amar e perdoar. Espero que você, que tem coisas a resolver com seus pais, possa resolver tudo o mais rápido possível. E espero, com a graça de Deus, um dia encontrar meu pai e ter a conversa que eu nunca tive, e gostaria de ter tido…