Santa Teresa D’Ávila dedicou grande parte de seus escritos a explicar a intimidade da alma com Deus. Para tornar claro esse assunto tão difícil de se esclarecer, ela utilizou abundantemente das metáforas e procurou, como Jesus, utilizar algumas parábolas a fim de tornar a espiritualidade acessível a todos. Já vimos, até aqui, como ela comparou a alma a um jardim, os frutos que ele deve dar para tornar-se agradável a Deus e como o próprio ser humano une-se ao Senhor de todas as coisas para prover a água que fecundará esse horto fechado. A água é o Espírito Santo, que se deixa alcançar pela oração, socorrendo a alma sedenta. Nesse ofício de rezar, existem diversos graus de perfeição que tornam o colocar-se na presença de Deus cada vez mais fácil.
No primeiro modo de regar o jardim, a água deveria ser retirada de um poço com o esforço de se jogar e recolher o balde “e ainda praza a Deus o queira ter [água no poço]” e a isso chamamos de oração vocal. No segundo modo de regar, permanece a necessidade de se retirar a água do poço, mas, agora, já contando com um sistema de roldanas, tornos e engrenagens que fazem o trabalho ser mais eficiente como na oração mental ou meditativa.
Segundo a santa carmelita, esse método deve ir se tornando paulatinamente mais fácil, pois o ser humano acostuma-se e aperfeiçoa-se nessa maneira de colocar-se na presença de Deus. Por outro lado, também o próprio Deus deseja deixar-se encontrar (Sb 6,12) e colabora para que esse esforço de oração seja mais facilmente recompensado produzindo melhores frutos.
É pois, sem deixar o segundo modo de retirar a água, que esse serviço torna-se mais simples porque “aqui está a água mais alta e assim se trabalha muito menos que em tirá-la do poço”. E ela complementa: “Digo que está mais perto a água, porque a graça dá-se mais claramente a conhecer à alma” (Livro da Vida 14,2).
A oração afetiva
Desse modo, revela-se também o maravilhoso dom de Deus que procura se entregar ao ser humano que O procura. Não satisfeito em Se deixar encontrar, Ele corre ao encontro daquele que O deseja com sinceridade de coração. Na metáfora teresiana, o poço começa a se encher fazendo com que o trabalho de tirar água seja simplificado. O balde e as engrenagens rapidamente percorrem e retornam de uma distância diminuta trazendo muito mais água.
Essa oração de meditação simplificada, que produz mais resultado em menos tempo, foi classificada como um terceiro grau de oração: a oração afetiva. Permanece sendo um trabalho humano, continua como um esforço do intelecto em se aproximar de Deus, mas retorna com muito mais frutos sensíveis numa correspondência quase direta do divino. Esse sentir e gozar da presença de Deus, a partir deste grau de oração, a doutora da Igreja chama mais tarde no Livro das Moradas ou Castelo Interior de contentos.
Nas palavras da santa, “os contentos me parece a mim que podem ser chamados os que nós adquirimos com nossa meditação e petições a nosso Senhor, que procede de nosso natural, ainda que enfim Deus ajude para isso, que se há de entender em tudo que eu disser que não podemos nada sem Ele; (…) mas parece que ganhamos com o nosso trabalho” (Castelo Interior, 4M 1,4).
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Oração e contemplação
Segundo o padre Juan Arintero, traduz-se por uma “maior facilidade de conversar com Deus, e a abundância e diversidade de afetos que então se consegue sentir” (Graus da Oração, artigo IV). Assim, mais rápido e com muito mais fruto que anteriormente na oração de meditação, a alma sente-se elevada e acolhida por Deus, saboreando sua presença e a grandiosidade do seu amor.
Esse prevalecer da vontade e do afeto sobre a inteligência ou entendimento é o que caracteriza e, por isso, nomeia esse grau diferente de oração. Sua melhor explicação vem dos Evangelhos quando os discípulos de Emaús, após meditar a Palavra de Deus com Jesus Cristo, exclamam: “Não se nos abrasava o coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?”.
Por mais que a oração afetiva provoque esse abrasamento do coração, seu fundo permanece sendo a meditação, o segundo modo de regar o jardim. Mas é o poço muito cheio, quase a transbordar, que faz com que o trabalho de tirar essa água seja tão rápido que pareça quase inexistente. Essa conjunção entre um esforço humano e, portanto, ascético, mas com uma pronta resposta de Deus e, portanto, mística, que faz os teólogos classificarem esse grau de oração e o próximo como graus de transição entre a oração e a contemplação.
Misturam-se e quase confundem-se a atuação do homem e de Deus. Mas, como veremos nos artigos futuros, ainda não se estabeleceu o terceiro modo de regar o jardim, onde a ação de Deus é maior do que a ação do homem.
Oração de simplicidade
O quarto grau de oração, um aperfeiçoamento da oração afetiva, é chamado de Oração de Simplicidade ou Simples vista amorosa. Aqui a meditação toda se resume a uma lembrança do ser amado. Basta o pensamento em um dos atributos de Deus, sua misericórdia, sua bondade, sua justiça, a lembrança de sua benignidade ou qualquer que seja o pensamento que faça a alma lembrar do seu criador e ela, imediatamente, mergulha em sua presença. É tomada por uma entrega amorosa.
A atenção que era quase impossível com a oração vocal e que ainda era difícil de se estabelecer na oração mental, estabelece-se num instante. O coração dilata-se num momento rápido e os contentos, como os chama Santa Teresa, são imediatos.
Chama-se de simplicidade pois basta uma lembrança; mas também porque o coração se torna instantaneamente cativo dessa primeira lembrança, tornando-se impossível realizar orações vocais ou mesmo meditações elaboradas. Um único olhar, abrangendo um único ponto, é suficiente para essa oração. Usando a linguagem dos Evangelhos, podemos dizer que a alma “se assentou aos pés de Jesus para ouvi-lo falar” (Lc 10,39). Sua vista e sua presença bastam e já preenchem abundantemente o coração.
Como fizemos nos artigos anteriores, depois de explicar a teoria que sustenta e descreve o tipo de oração apresentado, no próximo artigo nos deteremos nos exemplos práticos de como se conquistar e viver esses dois graus de oração, que fazem a transição para uma presença ainda mais sublime de Deus: a contemplação. Ela compõe o terceiro e o quarto modo de regar o jardim fechado da alma.