Segundo o Catecismo da Igreja Católica, no número 1814, “pela fé, o homem livremente se entrega todo a Deus. Por isso, o fiel procura conhecer e fazer a vontade de Deus. ‘O justo viverá da fé’ (Rm 1,17). A fé viva ‘age pela caridade’ (Gl 5,6)”.
A partir deste enunciado, compreendemos que fé é a resposta do homem ao Deus que se revela. A inciativa é de Deus, que se dá a conhecer, e cabe ao homem conhecer e fazer a vontade d’Ele. Ele vem ao encontro do homem, mas não dispensa a decisão humana. Sob o ponto de vista do sujeito, fé é a resposta humana à Palavra de Deus. É o assentimento da inteligência, da vontade, do homem “todo” à revelação de Deus. A expressão efusiva da fé é: “Sei em quem pus minha confiança” (2Tm 1,12). A fé pressupõe relação de comunhão interpessoal, como a relação entre duas pessoas que confiam mutuamente uma na outra.
A fé não é uma atitude ocasional, um momento apenas, é uma opção fundamental, entrega total, é a síntese do comportamento religioso humano, é dizer sim com todo ser e todas as consequências. Na fé, o homem se expressa, projeta com todas as suas faculdades, com conhecimento (intelecto), com a vontade e sentimento (de todo coração), ou seja, em consciência.
Para muitos, a fé se reduz ao simples sentimento, ou seja, “eu sinto a fé”. Os sentimentos são frutos da fé como afirma Paulo aos Gálatas: “O fruto do Espírito é a caridade, a alegria, a paz, a paciência, a longanimidade, a bondade, a benignidade, a mansidão, a fidelidade, a modéstia, a continência, a castidade” (Gl 5,22-23). A fé é uma forma de vida, que tira seu sentido e sua força da transcendência de Deus, agindo na história e orientando a existência. Ela dá sentido à vida da pessoa e produz frutos.
O que é a fé e como ela se mostra?
A fé se mostra como uma certeza total, firme e ativa. Ela brota, não tanto como uma mensagem elaborada, mas como uma convicção concreta, bem colada à vida que se está vivendo nesse momento e nesse contexto real, e mais ainda em momento de aridez e desolação. A fé diz respeito ao presente, ou seja, as promessas se cumpriram e o Reino de Deus está aí (Lc 17,20-21).
A fé não são conclusões racionais, embora tenha racionalidade. É preciso ter uma fé inteligente. Recordo-me de São José quando o Anjo lhe avisou em sonhos que Herodes procurará o Menino (Jesus) para o matar. José levantou-se, de noite, tomou o Menino e Sua Mãe e partiu para o Egito, permanecendo ali até à morte de Herodes (cf. Mt 2,13-15). São José poderia ter jogado toda a responsabilidade para Deus e dizer: “vamos ficar aqui, Deus vai nos proteger”. Ao fugir para o Egito faltou-lhe fé? Claro que não. São José confiou em Deus, foi-Lhe obediente e cumpriu o Seu mandato.
Na fé, o cristão se doa a Cristo e entra existencialmente no mistério de Cristo, na íntima comunhão de vida. O fiel cristão deve estar e viver no Senhor, ou seja, a atitude de fé é de obediência, esta obediência implica aceitar a vontade do Pai e tirar as consequências para a vida, sobretudo o amor.
Íntima comunhão entre fé e obras: entre crer e testemunhar
São Tiago escreve em sua carta: “De que aproveitará, irmãos, a alguém dizer que tem fé, se não tiver obras? Acaso essa fé poderá salvá-lo?”. Mais ainda: “Mas alguém dirá: ‘Tu tens fé, e eu tenho obras’. Mostra-me a tua fé sem obras e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras” (Tg 2,14.18). Para o autor, está muito claro que a fé e as obras são inseparáveis. Não é suficiente anunciar a fé com palavras. Para ser cristão não basta acreditar. Também os demônios acreditam por conhecimento intelectual. O verdadeiro cristão, aquele que acredita com a verdade e a vida, tal como Abraão, Maria e os santos e santas, confirma nas obras aquilo que conhece, acredita e ama. A fé sem obras é morta, é um corpo sem alma.
Na carta aos Hebreus, Paulo indica que a fé é sempre resposta livre do homem a uma proposta que nos põe a caminho rumo a uma terra que não conhecemos ou a abraçar um compromisso que não conhecemos. O específico da fé cristã é a força dinâmica que me faz sair de mim mesmo para centrar-me em Deus e entregar-me a Ele e ao Seu projeto. Pela fé permito que Deus disponha de mim (cf. Hb 11,1) e realiza a Sua obra.
O homem de fé é um homem corajoso, por isso o desânimo e a covardia não combinam com a fé (cf. Hb 10,32). Caminhar na fé é caminhar na esperança e salvação. Ser covarde é caminhar para a perdição. O dinamismo da fé nos faz sair, e este sair implica, muitas vezes, sem saber para onde (cf. Abraão). É aventurar-se por um caminho que o cristão conhece como caminho da cruz. É o paradoxo da fé: morrer para ter vida (cf. Jo 12,24 e Mc 8,35).
O amor garante a permanência de Jesus nos seus discípulos (cf. João 14,15-21)
Só o amor garante a permanência de Jesus nos seus discípulos: “Naquele dia, sabereis que eu estou no meu Pai e vós em mim e eu em vós”. Jesus explica que permanecemos n’Ele pela fé e pelo amor, pois sem corresponder ao seu amor não podemos participar de Sua vida. Quem vive um amor ao próximo radical ama a Deus: “Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,5); não se permanece no amor de Cristo, sem produzir frutos na justiça e na caridade. A compreensão correta da fé “deve revelar a grandeza da vocação dos fiéis em Cristo e a sua obrigação de dar frutos na caridade para vida do mundo” (Optatam totius, 16). A fé em Deus e o comportamento do cristão são duas grandezas indissolúveis unidas na vida daquele que crê. Não somente coexistem, mas mutuamente se condicionam e se constroem. O Catecismo afirma que a fé viva “age pela caridade” (Gl 5,6).
Amar a Jesus é mais do que expressar-lhe sentimentos; antes de tudo, é obedecer aos seus mandamentos: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (cf. Jo 14,15-21). O amor exige expressões concretas que tornem visíveis o que já está em nós, ou seja, a caridade de Deus. A fé tem que ser “traduzida”, expressa em gestos concretos a Deus e aos irmãos, não existe separação, pois “se alguém disser: amo a Deus, mas odeia seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê. Recebemos de Deus este mandamento: o que amar a Deus, ame também a seu irmão” (1Jo 4,20-21). Não podemos esquecer que amar é fazer o bem e evitar o mal.
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A fé religiosa comum é, sobretudo, confiança comum, confiança sobretudo para pedir, mas é quase sempre tentada ou viciada pela magia, superstição ou interesse pessoal. A fé crença procura manipular Deus, domesticá-Lo para pô-Lo a nosso serviço. Às vezes, buscamos Deus para simplesmente atender nossos interesses egoístas ou de pessoas que fazem parte das nossas relações de afetos. Nós queremos acreditar em Deus a partir daquilo que Ele nos dá. Afirmo, é importante suplicar ao Senhor pelas nossas necessidades, de nossas famílias ou de pessoas que amamos, mas Deus não pode ser manipulado conforme nossos interesses egoístas.
No relato da ascensão do Senhor, no capítulo 28,16-20 de Mateus, após descrever a adoração dos discípulos, acrescenta uma expressão que pode ser traduzida de dois modos: “alguns ainda duvidaram” ou “eles que tinham duvidado”, as duas traduções estão gramaticalmente corretas. Na primeira expressão, significaria que a fé não é uma certeza científica e que não exclui a dúvida; na segunda expressão, aludiria a essa dúvida constante dos discípulos, ou seja, expressa os vários momentos que os discípulos duvidaram, ao longo da caminhada para Jerusalém, e que neste momento toda dúvida foi vencida.
O Concílio Vaticano II – Optatam totius, 16 – anuncia que os fiéis em Cristo que descobrem a grandeza de sua vocação têm a “obrigação” de dar frutos na caridade para a vida do mundo. O cristão, por meio de sua fé, tem que fazer a diferença, ser sal, fermento e luz no mundo (cf. Mt 5,13-14), promover um mundo melhor, mais fraterno, justo, solidário, produzir frutos na caridade. Segundo Tertuliano (Apolog. 39), os primeiros cristãos levaram tão a sério o mandamento do Senhor: “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,34-35), que os pagãos exclamavam admirados: “vede como eles se amam!”.
A fé não é teoria, mas práxis, quanto mais autêntica, mais se manifesta o amor (Gl 5,6). Biblicamente, faz-se denúncia da separação fé e vida. Quando a vida é separada da fé, o culto é uma blasfêmia (Is 1,10-20). As obras do amor garantem a autenticidade da fé, elas são os rostos da fé (cf. Tg 2,26), isso significa crer com as mãos.
Esperança
Os fiéis em Cristo devem estar sempre dispostos a apresentar as razões da sua fé e da sua esperança, isto é, a dar testemunho daquilo em que acreditam. A audácia da fé liberta o homem de seus medos e o faz passar da fé segurança para a fé compromisso. A religião são práticas concretas de justiça e caridade pelas quais a fé se expressa. As manifestações da vida do cristão são expressões de sua fé.
A vivência do amor fraterno glorifica o Pai, revela os verdadeiros discípulos e produz muitos frutos: “Não pode a árvore boa dar maus frutos; nem a árvore má dar bons frutos…Pelos seus frutos o conhecereis” (Mateus 7,18.20). O cristão, ungido pelo Espírito Santo, não se pergunta se vale a pena lutar contra o mal, contra as injustiças, toda forma de morte, e promover o bem; ele traz a confiança e a certeza que vencerá com Cristo. Se, por acaso, alguém que diz crer em Deus tiver dúvida de quem vence, este precisa crescer na fé.
Fé é acolhida de Deus, de suas palavras e de suas exigências. Fé é conhecer Deus, e conhecer Deus é realizar o que Lhe agrada. Ter fé é nascer de Deus. Todos aqueles que O receberam (o Verbo), aos que creem no Seu nome, nasceram de Deus (cf. Jo 1,12s). “Aquele que pratica a justiça nasceu de Deus” (1Jo 2,29).
Para falar da presença dos cristãos no mundo, o Papa Francisco escreveu a Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate (2018) sobre a santidade no mundo de hoje. No número 101 desta exortação, o Papa reflete sobre como o cristão deve buscar a santidade praticando as obras de misericórdia corporais e espirituais. Adverte, porém, que o Evangelho de Mateus, que propõe àquele que crê a participação no Reino dos céus, apresenta as obras corporais: dar de comer a quem tem fome, de beber a quem tem sede, vestir o nu etc. (cf. Mt 25,31ss). O Papa Francisco deixa claro que sem a atenção às necessidades básicas dos irmãos e irmãs, em especial dos pobres e desvalidos da terra, não será possível santidade: “Fazer justiça ao oprimido” (Jr 22,15s).
O mundo do século XXI apresenta, todos os dias, desafios novos, mas os discípulos, formados na escola de Jesus, são convidados a ler os desafios que hoje o mundo coloca à luz dos seus ensinamentos. O fiel cristão é consciente de que a Igreja a que ele pertence, a comunidade dos discípulos de Jesus, é a presença libertadora e salvadora de Jesus no meio da sociedade; por isso, procura conhecer bem os ensinamentos de Jesus e testemunhar o “Reino” em sua vida, em casa, no trabalho ou na escola, na paróquia etc.