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Santidade: como conciliar prudência e ousadia?

Cada homem criado à imagem e semelhança de Deus traz uma vocação universal, que é o chamado à santidade. Todo ser humano é vocacionado a ser santo, sem exceção. Ao ler isso, você pode se perguntar: “Até eu sou chamado a ser santo?”. Eu lhe respondo: Sim, você, seu pai, sua mãe, seus irmão e amigos, todos são chamados a fazer parte do hall dos santos. Biblicamente, existe uma palavra de ordem desde o Antigo Testamento: “Sereis santos, porque eu sou santo” (Lv 11,45b). Essa mesma ordem é dada também por Jesus no Sermão da Montanha: “Portanto, deveis ser perfeitos assim como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48). Meus queridos leitores, assim deve ser a vida de todo cristão, uma incessante busca pela santidade.

Partindo da ordem dada por Deus para que busquemos incansavelmente e a todo custo a santidade, existem duas realidades na vida que precisam ser observadas, pois ao mesmo tempo que buscamos a santidade, precisamos ajudar outras pessoas a fazerem a experiência com Deus e também desejarem ser santas. E isso acontecerá por meio da evangelização. Cabe a nós sabermos conciliar a prudência, que é uma virtude, e a ousadia, que deve ser própria do evangelizador.

A prudência é uma das quatro virtudes cardeais, as outras três são a justiça, a fortaleza e a temperança. Essas virtudes são tidas como “dobradiças”, porque todas as demais virtudes se coligam nelas. A prudência é definida desta forma: “É a virtude que dispõe da razão prática a discernir, em qualquer circunstância, nosso verdadeiro bem e a escolher os meios adequados para realizá-lo” (CIC § 1806). Partindo dessa definição, nota-se a importância da prudência, pois é ela que nos ajudará a escolher pelo bem, e mais ainda, a encontrar os melhores meios para alcançá-lo. A santidade dificilmente poderia ser alcançada sem que tal virtude não fosse encontrada no cristão.

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Santidade: a prudência como virtude

Santo Tomás de Aquino escreveu que a prudência é o que regula a ação correta. O homem prudente decide e ordena a sua conduta seguindo esse juízo. Ensina ainda o Catecismo que “graças a esta virtude, aplicamos sem erro os princípios morais aos casos particulares e superamos as dúvidas sobre o bem a praticar e o mal a evitar” (CIC § 1806).

Inúmeros sãos os textos bíblicos que nos apontam a importância da virtude da prudência para a vida humana: “Assim, todo aquele que ouve essas minhas palavras e as põe em prática será comparado ao homem sensato – aqui pode-se entender como prudente – que construiu sua casa sobre a rocha” (Mt 7,24). Também este: “Eis que vos envio como ovelhas entre lobos. Por isso, sede prudentes como as serpentes e sem malícia como as pombas” (Mt 10,16). E ainda: “É preciso, porém, que o epíscopo seja irrepreensível, esposo de uma única mulher, sóbrio, cheio de bom senso – aqui pode-se entender como prudente – simples no vestir hospitaleiro, competente no ensino” (1Tm 3,2).

Deus é o maior interessado que sejamos santos, por isso, Ele envia o Seu Espírito Santo para que, por meio d’Ele, cheguemos à plenitude das virtudes e alcancemos a salvação. Diante disso, entendemos o que está escrito: “Para tanto, o homem deve se esforçar por interpretar os dados da experiência e os sinais dos tempos graças à virtude da prudência […]” (CIC § 1788). A prudência é necessária para que o homem seja sábio, para que ele saiba o que se chama a ciência do bem viver. Não há retidão de vida, não há santidade sem prudência. Um cristão sem prudência seria como um barco à deriva, movido aos sabores do vento.

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Santidade e ousadia

“Ao mesmo tempo, a santidade é parresia: é ousadia, é impulso evangelizador que deixa uma marca neste mundo” (n. 129). É assim que o Papa Francisco escreve na Exortação Apostólica Gaudet et Exsultate, em que discorre sobre o chamado à santidade no mundo atual. O Papa faz um paralelo em que a santidade está associada ao impulso evangelizador, que é resultado da experiência do Espírito Santo a partir da promessa de Cristo quando diz: “Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos” (Mt 28, 20). A promessa de Jesus é cumprida com o envio do Paráclito.

O Espírito Santo é a causa eficiente da santidade na vida do cristão; sendo assim, a parresia é o selo desse mesmo Espírito que gera santidade de vida. Continua o Papa: “Precisamos do impulso do Espírito para não sermos paralisados pelo medo e o calculismo, para não nos habituarmos a caminhar só dentro de confins seguros” (n. 133). A própria parresia dá coragem e impulsiona o cristão a buscar a santidade mesmo que custe muito, mesmo que às vezes chegue a doer. Porque se sabe que os maiores prazeres que qualquer pessoa pode experimentar nesta terra nem se comparam com o que se provará no céu. Somos transitórios aqui, não viemos para ficar, esforcemo-nos para alcançar a nossa meta e receber a coroa da vitória, aquela que é reservada aos santos.

A ousadia

A ousadia é fundamental na busca incansável e árdua pela santidade, principalmente nos dias atuais, em que o ser humano é mergulhado no racionalismo e cientificismo absurdamente baseado no empirismo. Quando só é credível, aquilo que se pode provar e experimentar repetidas vezes. Com isso, as realidades sobrenaturais e metafísicas são colocadas no baú das antiguidades que não há mais serventia.

Caro leitor, não foi prometido aos cristãos cargos, dinheiro, luxo, status, honrarias ou qualquer outro benefício definitivo aqui na terra, pelo contrário, foi prometido que teríamos aflições, mas, no fim, receberemos o prêmio, como afirma o Apocalipse: “Não tenhas medo do que irás sofrer. Eis que o Diabo vai lançar alguns dentre vós na prisão, para serdes postos à prova. Tereis uma tribulação de dez dias. Mostra-te fiel até a morte, e eu te darei a coroa da vida” (Ap 2,10).

Que auxiliados pela graça de Deus que se manifesta por meio do seu Espírito, ajudados pela virtude da Prudência e cheios de ousadia para permanecermos firmes até o fim, possamos provar a concretização das promessas de Deus na nossa vida.

Fontes:
BÍBLIA. Português. Tradução da Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002. 2206p.
CATECISMO da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 2000.
Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate: sobre a chamada à santidade no mundo atual. São Paulo: Paulus, 2018