A santidade consiste em amar muito a Deus. É simples assim. Deus é o nosso criador, a razão de existirmos. Estávamos perdidos no pecado até que Cristo veio ao mundo passar por sofrimentos indizíveis na Cruz por amor a nós, para nos salvar. Por isso nossa vida só faz sentido se nos esforçamos para crescer sempre no amor a Deus. Santo Afonso de Ligório disse que quem considera o amor imenso que Jesus nos demonstrou, sobretudo na sua morte, “não poderá deixar de sentir-se ferido e obrigado a amar um Deus tão apaixonado por nossas almas”. Mesmo nós, leigos que estão no mundo, em meio a família, estudo e trabalho, somos convidados a crescer nesse amor. Para que isso aconteça, contudo, precisamos nos esforçar bastante. Não é que nós, por nossos méritos, consigamos avançar o mínimo que seja no amor a Deus. Tudo é graça concedida pelo próprio Senhor, mas ele manda essa graça a quem pede, a quem deseja. Como somos todos marcados pelo pecado, muitas e muitas vezes, em nossa vida ainda imperfeita, optamos por ouvir o homem velho, fechando-nos à graça, ao invés de ouvirmos o homem novo, conduzido pelo Espírito Santo. Quando isso acontece, ou seja, quando pecamos, estamos dizendo a Deus: não quero o seu amor, prefiro as coisas do mundo. É uma luta incessante, que será travada até o fim da nossa vida, se perseverarmos na fé.
A vida espiritual que não cresce, regride
Um dos grandes obstáculos nesse caminho de santidade é crer que já se ama suficientemente a Deus, é perceber-se satisfeito com sua espiritualidade, com sua religiosidade. É o caso típico daquela pessoa que participa da missa aos domingos, reza um terço uma vez por semana, faz o sinal da cruz antes das refeições e acha que isso é prova de amor a Deus. Uma vida religiosa estacionária infalivelmente levará à acomodação, ao esfriamento na fé, à frouxidão no combate espiritual. Que combate é esse? Aquele mesmo entre o homem velho e o homem novo, que ocorre incontáveis vezes ao dia. Se tenho que escolher entre aceitar uma humilhação por amor a Deus e dizer uma palavra venenosa ou se preciso pensar o melhor e não o pior daquela pessoa que não me fez o bem que eu esperava, estou vivendo situações cotidianas de combate espiritual. Quem está satisfeito com o seu relacionamento com Deus não terá têmpera para suportar as alfinetadas do dia a dia. Por isso mesmo que Santa Teresa d’Ávila ensinou que, na vida espiritual, quem não cresce, regride. É necessário esforçar-se sempre mais para cultivar um relacionamento íntimo com Jesus. O próprio Deus vai mostrando os passos seguintes a quem se abre à graça e ao amor. É o terço que passa a ser diário, o momento de oração pessoal que precisa ser mais extenso, as visitas ao sacramento da confissão que se tornam mais frequentes, a Santa Missa, que deixa de ser aos domingos para ser diária… O católico que responde a Deus quer sempre mais, porque Deus quer sempre mais de nós. E não se trata simplesmente de mais práticas externas, e sim do coração. Deus não vai exigir missa diária de uma pessoa que mora em um lugar onde só há missas aos domingos, por exemplo, mas Ele vê o coração. Sabe se a pessoa está dando o que sobra do seu amor ou se está colocando o Senhor em primeiro lugar, dando tudo o que tem.
Na paróquia onde participo diariamente das missas há uma senhora bastante idosa que me ajudou no meu processo de conversão. Não, nunca trocamos uma palavra e eu sequer sei seu nome. Ela deve ter mais de oitenta anos. Todos os dias ela participa da missa, sempre bem vestida e com o cabelo todo arrumado, com a tintura em dia, mostrando que é alguém que se preocupa com a própria aparência. Não sei se mora distante ou próximo da igreja, se vai de carro ou andando, mas todos os dias está sozinha, num dos bancos mais próximos ao altar. Ela é bastante franzina, aparentando uma grande fragilidade física, mas eu sempre a vejo de joelhos na igreja. Ela se ajoelha, com evidente dificuldade, na hora da consagração, após a comunhão, quando o Santíssimo Sacramento é exposto, quando passa diante do sacrário. Num intervalo de menos de um mês ela caiu duas vezes na igreja. A primeira foi no momento da consagração. Ela estava de joelhos e caiu de lado. Foi amparada por algumas pessoas próximas, recobrou um pouco das forças e participou do restante da missa sentada em seu banco. Na hora da comunhão, o padre levou a Eucaristia até ela. A segunda vez foi após o fim da missa, enquanto ela andava para a saída. Foi uma queda mais simples, pelo que vi. Ajudaram-na a se levantar e ela logo continuou seu percurso.
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Símbolo da perseverança na fé
Quero usar o exemplo dessa senhora como símbolo da nossa frouxidão espiritual. De certa forma, ela representa o tipo de perseverança que precisamos ter para crescer no amor a Deus. Eu disse que ela deve ter mais de oitenta anos, mas pode muito bem estar na casa dos noventa. Creio que todos sabem o risco que as quedas representam para os idosos: hospitalização, incapacitação permanente, morte. Não é nessa seara que quero adentrar, apenas ficar com o seu exemplo de têmpera, de vigor. Fico imaginando há quanto tempo ela participa da missa diariamente. Os muitos anos de alimento espiritual por meio da Eucaristia foram forjando nela essa perseverança e essa coragem que envergonham a mim, que certamente tenho menos da metade da idade dela. A velhice, que traz a fragilidade física, não a impede de se ajoelhar tantas vezes ao longo da missa. Podemos imaginar o sentido do sagrado que marca a sua relação com Deus: “É Nosso Senhor! Diante Dele todo joelho se dobra, inclusive o meu!”, ela deve dizer para si mesma. Quanto esforço está presente nesse gesto! Podemos imaginar também que essa senhora tem filhos e netos, pessoas que zelam por sua saúde. Não é difícil pensar que ela já ouviu de alguns de seus familiares mais zelosos que na idade dela é um exagero participar da missa todos os dias. Depois das quedas, então, talvez algum dos filhos ou netos tenha até tentado impedi-la de ir à igreja, com argumentos bem razoáveis. Mais uma vez, preciso deixar claro que não estou aqui discutindo a saúde dos idosos ou propondo que esse ou aquele idoso, que não tem condições físicas de participar da missa, seja teimoso ou rebelde. Estou usando a situação como símbolo da perseverança na fé que todos precisamos ter.
Encerrando o “ciclo da imaginação”, podemos nos questionar: o que faz uma senhora idosa, tão frágil fisicamente continuar a participar todos os dias da missa, depois das quedas, depois da provável resistência dos seus filhos e netos? O que a leva a pôr-se de joelhos diante de Jesus, sabendo que corre o risco de não suportar esse esforço e tornar a cair? Gosto de pensar que ela chegou num nível tal de intimidade com Deus que para ela, “viver é Cristo, morrer é ganho”. Para uma pessoa que perseverou na fé e buscou a vida inteira crescer no amor a Deus, não há modo melhor de gastar a vida do que indo ao Seu encontro. Chega um ponto em que a atração pelo Rei dos Reis, Nosso Senhor Jesus Cristo é tal que pensamos como Santo Afonso de Ligório: “Ah, meu benigníssimo Senhor, desde que me destes o que de melhor possuíeis, é justo que eu vos dê o mais que me for possível”.
Amar muito a Deus
O que me pergunto diante do exemplo dessa senhora é: teria eu essa mesma perseverança, a mesma fibra diante de condições tão adversas? Quanto sacrifício ela faz para se encontrar com o Senhor! E eu, tenho me esforçado ou tudo vira uma desculpa para ficar em casa? A santidade é, de fato, amar muito a Deus. É como o homem que encontrou um tesouro num terreno que não é seu e vende tudo para comprar o terreno e possuir o tesouro. Essa senhora tem vendido tudo que é seu – suas forças, sua saúde, seu vigor – para ficar com seu tesouro, que é Jesus. Eu vivo a minha vida como quem encontrou o maior dos tesouros ou tenho sido negligente com a minha vida espiritual? Faz-me muito pensar o conselho de São Josemaria Escrivá: “Luta contra essa frouxidão que te faz preguiçoso e desleixado na tua vida espiritual. Olha que pode ser o princípio da tibieza… e, na frase da Escritura, aos tíbios, Deus os vomitará”.