Uma rápida olhada no livro do Cântico dos Cânticos revela uma profusão de cores, aromas e sabores. Afinal, se, como vimos no artigo anterior, podemos comparar a nossa alma a um jardim fechado, o que mais produziria esse jardim ou horto? Flores, frutos e folhagens exuberantes! Belezas que levam a esposa-alma a dizer: “Como és belo amado meu, nosso leito é todo decorado por flores” (Ct 1,16).
De fato, se o jardim da alma que vive em estado de graça é verdadeiramente um lugar de repouso para Deus (Gn 3,8), não é por necessitar de um lugar assim que Ele proporciona meios da alma progredir em santidade. Santa Teresa D’Ávila, além de deixar claro que precisamos cultivar esse jardim, regando-o através dos diversos graus de oração, das mais simples às orações místicas, também é categórica ao dizer que este jardim ou Castelo Interior deve ser preparado para produzir obras:
“Para isto é a oração, filhas minhas; para isto serve este matrimônio espiritual: para que nasçam sempre obras, obras” (Santa Teresa de Jesus, Castelo Interior). Ou seja, o real objetivo da oração e da altíssima contemplação é o serviço à Igreja e ao próximo, a conquista de almas para Deus e a propagação do Reino de Cristo no mundo.
Quais os frutos que seu jardim da alma tem cultivado?
Não se trabalha o jardim da alma ou se explora o Castelo Interior em busca de satisfação pessoal ou de um contato com Deus que se esgote em si mesmo, mas, em última instância, para o bem da Igreja e a salvação das almas. Também a Palavra de Deus é plena de passagens onde, ainda utilizando a metáfora do jardim, horto ou cultivo, demonstra a necessidade das obras exteriores, além da oração interior.
No Cântico, o esposo é um fruto doce (Ct 2,3), o jardim produz abundantemente, pois a figueira já dá seus figos e a vinha está em flor (Ct 2,13). A plenitude do jardim foi alcançada, ele é belo e produz frutos. Mas, em outras passagens, podemos entender a necessidade desta construção interior, podemos ver o jardim que ainda não cumpre o papel para o qual foi criado e como isso é grave.
No Evangelho segundo Lucas (13,7), o agricultor fica irado, pois sua figueira não produz figos. Há três anos procura seu fruto e não o encontra. O responsável pelo terreno pede um pouco mais de tempo, vai voltar a adubar e afofar o terreno em volta da figueira. Em outra parábola (Mt 21,33-43), o proprietário arrenda a vinha para os trabalhadores e espera receber parte dos frutos, mas, em vez disso, tem seus funcionários e o próprio filho morto traiçoeiramente.
Devemos produzir bons frutos para Deus
Considerando a vida espiritual, podemos entender que o agricultor ou proprietário é o próprio Deus, Autor da vida, Criador de cada alma. É a Ele que devemos prestar contas do que fazemos com tão grande dom: nossa própria existência. A orientação é simples: cultive sua alma, ela se tornará bela pelas virtudes, mas, sobretudo, deve produzir frutos ou obras que retornarão ao próprio Deus. Essa é nossa missão como corresponsáveis pela criação (Gn 2,15) que nos foi confiada.
Hugo de São Vitor, em um de seus sermões, reflete sobre o início do primeiro Salmo que diz sobre o homem que procura viver sob os mandamentos do Senhor: “ele é como a árvore plantada junto às águas correntes, dará fruto ao seu tempo e sua folhagem não murchará jamais” (Sl 1,3). Ele se pergunta: o que seriam essas águas, essa árvore e sua partes?
As águas são o próprio manancial do Espírito Santo que flui sem cessar sobre a vida espiritual que está estreitamente unida a Cristo, em Graça Santificante. É por isso que Santa Teresa desenvolveu seu raciocínio sobre a oração pessoal como “diversas formas de regar um jardim”. Ela procura mostrar como acessar essa Água Viva que é o próprio Espírito, a única capaz de dar sustento e vitalidade para o jardim da alma.
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Virtude de fé
Voltando a Hugo de São Vítor, a raiz da árvore é a virtude da fé. Ela é raiz, pois é origem e fundamento de todas as demais virtudes e a verdadeira raiz das boas obras. É através da fé que estamos “plantados” em Deus e, sem ela é impossível agradar ao Senhor (Hb 11,6). O tronco que se eleva para o alto é a virtude da esperança que nos faz focar nos bens celestes, tirando o olhar de tudo que passa e buscando aquilo que é eterno. Para buscar as coisas do alto (Cl 3,1) precisamos nos erguer para o alto e elevar-nos ao céu como faz o tronco da árvore.
Para Hugo, os ramos são a caridade que se eleva a Deus, mas também se estende aos lados pelo amor ao próximo. As folhas são as boas ações, pois como elas recobrem todo o entorno da árvore, os justos são como que cercados continuamente por boas obras. Por isso, a beleza de uma folhagem frondosa se compara à ação do cristão que busca a santidade. A boa fama que adquire é apropriadamente representada pelas flores que, por todo lado, espalham seu perfume. Esse perfume de santidade é relatado pelo Apóstolo Paulo quando compara os que vivem os mandamentos como portadores do bom odor de Cristo (2Cor 2,14-15).
Procuremos, pois, incansavelmente, essa água que dá vida e tudo plenifica para que irrigue o jardim de nossa alma, fortaleça a raiz da fé, faça crescer o tronco da esperança e multiplique os ramos da caridade que se levantarão e estenderão, produzindo as folhas das boas obras e espalhando o próprio perfume de Cristo por todos os lugares. Os frutos serão abundantes e produzirão até cem por um (Mt 13,23).
Já que vimos a beleza deste jardim da alma e a importância de que seja bem cuidado e produza frutos agradáveis a Deus, no próximo artigo vamos entender, com Santa Teresa D’Ávila, como podemos providenciar água para este jardim através da oração. Veremos o primeiro modo de se regar o jardim da nossa alma.