Fé e conflito: o cristianismo contra o paganismo
Catarina nasceu na cidade egípcia de Alexandria em 287 d.C. Sua morte ocorreu em 305 d.C. Pagã por um breve período da vida, converteu-se ao cristianismo em sua adolescência. A tradição atesta que foi transportada para o céu, encontrou-se com o menino Jesus e a Virgem Maria, de tal modo que, em êxtase místico, enlaçou-se com Cristo, convertendo-se à fé cristã aos dezoito anos de idade.

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Diz-se que foi bem sucedida na conversão da esposa do Imperador Maximiano, que exerceu o poder de 286 a 305 d.C., bem como de inúmeros pagãos enviados por César para se confrontar com Catarina. Maximiano foi um implacável perseguidor do cristianismo (Pierini, 1998).
Muitos fatores podem ser apontados para as perseguições imperiais aos cristãos, mas a razão principal é que o cristianismo se confrontava com o paganismo. O fato é que os cristãos se recusavam a adorar os deuses protetores dos romanos. Quando ocorria alguma calamidade – peste, seca, fome, incêndios, inundações –, os pagãos consideravam que eram obras dos deuses, revoltados com a presença dos cristãos.
Não aceitando o paganismo, os cristãos não admitiam também a origem divina do poder do imperador. Por isso, recusavam-se a prestar “culto a César”. Os cristãos também se opunham a instituições e costumes imperiais, por estarem impregnados de paganismo.
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Um aspecto bastante peculiar para as perseguições foi a prática do culto secreto pelos cristãos. O culto era reservado aos iniciados, ou seja, aos batizados e catequizados. Pagãos não podiam participar. Além disso, os romanos estavam o tempo todo preocupados com as revoltas de escravos e, assim, o culto cristão era visto, muitas vezes, como uma espécie de reunião de subversivos. Reuniões secretas eram proibidas, porque representavam, sob a ótica dos romanos, eventos de conspiração contra os governantes.
Mas não é só isso. Os cristãos também eram motivo de divertimento. Tornou-se comum martirizar cristãos nos circos, diante da plebe romana, que tinha aprendido a nutrir o mau gosto pela violência sanguinária nos espetáculos sádicos de feras e gladiadores. Os carrascos que inventassem novas formas de martírio recebiam prêmios. Os mais cruéis eram o azorrague, um chicote que fazia sangrar até a morte; a exposição às feras que despedaçavam as vítimas como presas a serem devoradas; o ferro em brasa nos lugares mais sensíveis do corpo; e a cadeira de ferro em brasa incandescente em que eram obrigados a ficar sentados.
Lições de coragem: Catarina e a censura
As perseguições não eram contínuas. Ao longo de 249 anos, elas foram mais vigorosas em dez ocasiões, o que demonstra um ciclo médio de 25 anos, durante o qual as perseguições aconteciam com maior intensidade (Bihlmeyer; Tuechle, 1960).
Na realidade, Catarina teve a coragem de censurar o Imperador Maximiano por sua crueldade. Apontou a limitação do poder imperial e afirmou a realeza de Jesus. Por sua atitude corajosa, Catarina foi lançada ao cárcere, até que sábios da província de Alexandria fossem trazidos para se confrontarem com ela, mostrando a fragilidade e o simplismo de sua argumentação.
Como não conseguiu convencê-la a oferecer sacrifícios aos deuses pagãos, o Imperador ordenou, então, a cinquenta oradores eminentes que travassem um debate dialético com ela. Os sábios ironizaram o Imperador por tê-los convocado para se contraporem a uma simples garota. Entretanto, ele os advertiu que, se conseguissem convencê-la, seriam galardoados com os melhores bens do mundo; mas, se não tivessem êxito, ele os condenaria à morte. Catarina, com a ajuda da sabedoria divina, recorreu a argumentos da antiga filosofia grega e conseguiu converter os oradores à fé em Cristo.
Além da frustração, o Imperador destilou seu arbítrio contra Catarina. Ela foi presa e submetida a tortura na masmorra. Ao receber visitas, na prisão, da esposa do Imperador e do Chefe da Guarda, Catarina não perdeu a oportunidade para também levá-los à conversão.
Ainda mais enfurecido, o Imperador mandou assassinar os sábios, a sua esposa, lançou os guardas aos leões no Coliseu e condenou Catarina à morte lenta na roda, um instrumento de tortura que mutilava e causava grande sofrimento.
No momento de sua execução, apareceu a Catarina o arcanjo Miguel para confortá-la. Ela começou a rezar, suplicando que, em nome do seu martírio, Deus ouvisse as orações de todos aqueles que a ele recorressem e que tudo alcançassem por sua intercessão. Depois de tanta tortura, Catarina acabou decapitada aos dezoito anos de idade (Ziviani; Petry, 1979).
Três séculos mais tarde, seu corpo foi encontrado por monges e levado para o Mosteiro da Transfiguração, mais tarde chamado de Mosteiro de Santa Catarina, edificado em homenagem à mártir cristã, por ordem do Imperador Bizantino Justiniano I, entre os anos 527 e 565 d.C., no sopé do Monte Sinai, no Egito, onde suas relíquias se encontram até os tempos atuais.
Suas relíquias foram consideradas autênticas e Catarina tornou-se, então, popular e venerada. Parece que as relíquias sagradas foram transladadas para o Katholikon do Mosteiro muito mais tarde do que a época da construção do edifício de Justiniano, provavelmente, entre o início do século VII e o século IX.
A Fé no Brasil e no Missal: a relevância atual de Santa Catarina
Os anos seguintes assistiram à difusão da veneração da Santa em todo o mundo cristão, à redação de um cânone musical no início do século IX, à escrita da sua biografia por São Simeão, o Tradutor, havendo várias referências a ela em textos da Synaxaria (a mais antiga é o Menologion de Basílio II, uma obra do século X). O Mosteiro do Sinai e a sua protetora Santa Catarina tornaram-se conhecidos no Ocidente depois de Simeão de Trier ter organizado a transladação das relíquias da Santa para Rouen e Treves, pouco antes do ano 1035.
As relíquias sagradas foram colocadas em um relicário de mármore muito bem esculpido, com uma depressão especial no fundo para recolher a mirra. Trata-se de uma obra de arte confeccionada, provavelmente, em Jerusalém, no final do século XII, a qual se encontra exposta no Mosteiro. Por volta do final do século XVIII, Procópio de Cesareia construiu uma nova e elaborada caixa dupla de mármore com um cibório, na qual as relíquias sagradas foram colocadas e estão mantidas até hoje.
Sua veneração pelos cristãos ocorre na data de 25 de novembro. A festa em honra à santa foi incluída no calendário pelo Papa João XXII, no século XIV. O Papa São João Paulo II recolocou sua memória no Missal Romano, como memória facultativa, demonstrando a fé da Igreja Católica em sua intercessão. E assim permanece no atual Missal Romano, lançado em 2023.
Santa Catarina é considerada padroeira dos filósofos, e também é invocada pelos estudantes, inclusive, por aqueles que já se encontram no nível universitário, bem como por todos aqueles trabalham com rodas para proteção contra acidentes laborais (Munhoz, 2024).
No Brasil, ela é a padroeira principal do Estado de Santa Catarina e da Ilha de Santa Catarina, que é uma parte do município de Florianópolis, além de copadroeira da Catedral metropolitana de Florianópolis.
Marcius Tadeu Maciel Nahur
Natural de Lorena (SP), Coordenador do Curso de Filosofia da Faculdade Canção Nova. Formado em Direito, História e Filosofia. Mestrado em Direito com ênfase na Filosofia de Henrique Cláudio de Lima Vaz. Delegado de Polícia Aposentado.
Referências
BIHLMEYER, Karl; TUECHLE, Hermann. Storia della Chiesa: l’antichità cristiana. Milano: Morcelliana, 1960. v. 525 p.
MUNHOZ, Adauto Felisário. Vida de Santa Catarina de Alexandria: Padroeira dos filósofos, estudantes universitários. Aparecida: Santuário, 2024. 96 p.
PIERINI, Franco. A Idade Antiga – Curso de História da Igreja – I. Trad. de José Maria de Almeida. São Paulo: Paulus, 1998. 249 p. 525 p.
ZIVIANI, Berenice; PETRY, Cecília. Jovem corajosa: vida de Santa Catarina de Alexandria. Petrópolis: Gráfica Serrana, 1979. 48 p.






