Que se rompam as pedras dos corações

«Em um momento em que desde vários lugares se faz pressão para retirar o crucifixo das salas de aula e dos lugares públicos, nós, cristãos, devemos fixá-lo mais que nunca nas paredes de nosso coração».

São as palavras com as quais o padre Raniero Cantalamessa O.F.M. Cap, terminava, na manhã desta sexta-feira, a última meditação de Quaresma que pronunciou a
Bento XVI e seus colaboradores da Cúria Romana, uma reflexão cujo núcleo foi o «coração» humano e sua conversão.

Com um tom fortemente contemplativo, o religioso convidou os presentes a caminhar ao Calvário e entrar na «Paixão da alma de Jesus» –«muito mais dolorosa que a do corpo»– até «a humilhação e o desprezo» que rodearam Cristo.

«Mas a paixão da alma do Salvador tem uma causa ainda mais profunda» «No Getsêmani roga para que se afaste d’Ele o cálice. A imagem do cálice evoca quase sempre, na Bíblia, a idéia da ira de Deus contra o pecado».


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E como Jesus carrega toda a impiedade do mundo, de forma que, segundo escreve São Paulo, é o homem «feito pecado», «é contra Ele que “se revela” a ira de Deus».

Daí que «a infinita atração que existe desde a eternidade entre Pai e Filho é atravessada agora por uma repulsão igualmente infinita entre a santidade de Deus e a malícia do pecado, e isto é “beber o cálice”.

Neste ponto, convidou o Santo Padre e a Cúria a «passar da contemplação da Paixão a nossa resposta a ela», pois, como sublinha o Apóstolo Paulo, Jesus «foi entregue à morte “por nossos pecados”».

E «a Paixão inevitavelmente nos é alheia enquanto não se entra nela por essa portinha estreita do “por nós”. Conhece verdadeiramente a Paixão só quem reconhece que é também obra sua», advertiu o padre Cantalamessa.

O que deve ocorrer no coração de quem lê e medita a Paixão de Cristo é, simbolicamente, o que ocorreu após sua morte: «as rochas despedaçaram-se»: «que se rompam as pedras dos corações», disse o sacerdote citando a São Leão Magno.

Trata-se da conversão, da qual a Bíblia explica seu sentido profundo «como uma troca de coração», recordou.

Toda conversão supõe «uma passagem de um estado a outro, de um ponto de partida a um ponto de chegada. O ponto de partida, o estado do qual se deve sair, é para a Escritura o da dureza de coração»; o de chegada o descreve «coerentemente com as imagens do coração contrito, ferido, lacerado, circunciso, do coração de carne, do coração novo».

E sublinhou que «o coração é o eu profundo do homem, sua própria pessoa, em particular sua inteligência e vontade», «o centro da vida religiosa, o ponto no qual Deus dirige-se ao homem e o homem decide sua resposta a Deus».

«O coração rígido é um coração esclerosado, endurecido, impermeável a toda forma de amor que não seja o amor de si mesmo».

Como se trabalha esta mudança do coração? Existe a situação da primeira conversão: «desde a incredulidade à fé, ou desde o pecado à graça», quando «Cristo está fora e bate às portas do coração para entrar».

«Desde um estado de graça a outro mais elevado, da tibieza ao fervor», em que ocorre exatamente o contrário: «Cristo está dentro e bate às paredes do coração para sair!».

Isto sucede quando, sem ter sido expulso pelo pecado mortal, o Espírito Santo permanece na alma «aprisionado pelo coração de pedra que se forma ao seu redor» pela resistência do egoísmo da pessoa.

Carece então o Espírito de «possibilidade de expandir-se e encher de si as faculdades, as ações e os sentimentos» de tal pessoa.

Por isso, neste sentido, «quando lemos a frase de Cristo no Apocalipse: “Veja que estou à porta e chamo”, deveríamos entender que Ele não chama desde fora, mas desde o interior; não quer entrar, mas sair».

(Resumo da última meditação quaresmal do Padre Raniero Cantalamessa O.F.M. Cap, ante o Santo Padre e a Cúria Romana.)