O que acontece após a morte? Na série “A vida do mundo que há de vir”, Padre Leonardo Ribeiro da Comunidade Canção Nova nos guia em uma reflexão profunda sobre os “Novíssimos” da fé católica: Morte, Juízo, Inferno e Paraíso. Acompanhe este primeiro episódio e entenda o que a Igreja ensina sobre o Purgatório, um estado de purificação para aqueles que, embora salvos, precisam se preparar para a glória de Deus.
A vida do mundo que há de vir
O Purgatório
Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não de todo purificados, embora seguros da sua salvação eterna, sofrem depois da morte uma purificação, a fim de obter a santidade necessária para entrar na alegria do céu. A Igreja chama Purgatório essa purificação final dos eleitos, que é absolutamente distinta do castigo dos condenados.
Essa doutrina apoia-se também na prática da oração pelos defuntos, de que já fala a Sagrada Escritura: “Por isso [Judas Macabeu] pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres das suas faltas” (2 Mac 12,46). Desde os primeiros tempos, a Igreja honrou a memória dos defuntos, oferecendo sufrágios em seu favor, particularmente o Sacrifício eucarístico para que, purificados, possam chegar à visão beatífica de Deus. A Igreja recomenda também a esmola, as indulgências e as obras de penitência a favor dos defuntos.
Na Igreja Católica, o mês de novembro, por exemplo, é iluminado de um modo particular pelo mistério da comunhão dos santos (Catecismo da Igreja Católica, 95) que se refere à união e à ajuda que os cristãos podem prestar-se mutuamente: os que estão como nós ainda na terra, os que já certos de irem para o Céu se purificam, antes de se apresentarem diante de Deus, dos vestígios do pecado no purgatório (Catecismo da Igreja Católica, 1030), e aqueles que intercedem por nós diante da Santíssima Trindade onde gozam já para sempre. O Céu é o fim último e a realização das aspirações mais profundas do homem, o estado de felicidade suprema e definitiva (Catecismo da Igreja Católica, 1024). São Josemaría Escrivá nos ilumina com suas palavras, nos ajuda a meditar:
O purgatório é uma misericórdia de Deus para limpar os defeitos daqueles que desejam identificar-se com Ele. Sulco, 889
Não queiras fazer nada para ganhar méritos, nem por medo das penas do purgatório. Empenha-te, desde agora e para sempre, em fazer tudo, até as coisas mais pequenas, para dar gosto a Jesus. Forja, 1041
“Esta é a vossa hora, e o poder das trevas”. – Quer dizer que… o homem pecador tem a sua hora? – Tem, sim… E Deus, a sua eternidade! Caminho, 734
Escatologia vem dos termos gregos “eschata” (coisas últimas) e “logos” (conhecimento). Portanto, a Escatologia é a reflexão da fé sobre as últimas coisas, sobre a consumação do homem e do universo. Ela se divide em três partes:
- escatologia individual: estuda a morte de cada ser humano e seu destino eterno: a morte, juízo particular, céu e inferno;
- escatologia intermediária: abarca o período que vai da morte da pessoa até a ressurreição no último dia: purgatório, o estado entre a morte e a ressurreição;
- escatologia universal: estuda a vinda gloriosa de Cristo e a plenitude do Reino de Deus;
- Segunda Vinda de Cristo, Juízo final, ressurreição dos mortos, consumação do cosmo, céu e inferno. A escatologia é importante porque ela pode assegurar que a esperança duma nova vida em plenitude além da morte tem um sólido fundamento, e, ao mesmo tempo, exortar-nos a vivermos não olhando tanto para as coisas deste mundo, mas para o fim, para a eternidade, para aquilo que é definitivo, lembrando-nos que somos somente peregrinos aqui na terra a caminho para a Jerusalém celeste, a nossa pátria eterna.
Qual é o fundamento bíblico do purgatório?
No Antigo Testamento, encontramos a convicção de que:
- Deus é santo e só aquele que é perfeito pode aproximar-se d’Ele: (cf. “Senhor, quem há de morar em vosso tabernáculo? Quem habitará em vossa montanha santa? O que vive na inocência e pratica a justiça, o que pensa o que é reto no seu coração” Sal 15, 1s; cf. Is 6,1-9). Portanto, o homem pecador não se pode aproximar-se de Deus sem passar através de alguma purificação.
- É Deus mesmo que purifica o homem disposto: “Ele é como o fogo do fundidor, como a lixívia dos lavadeiros. Sentar-se-á para fundir e purificar a prata; purificará os filhos de Levi e os refinará, como se refinam o ouro e a prata; então eles serão para o Senhor aqueles que apresentarão as ofertas como convêm” (Ml 3,2s.; cf. Is 1,25; 9, 17; Jr 33,8; Zac 13,8s). Segundo a perspectiva do Antigo Testamento, o Salmo 51 pode ser considerado uma síntese do processo de reintegração: o pecador confessa e reconhece a própria culpa (cf. v. 6), pede insistentemente que seja purificado ou «lavado» (cf. vv. 4.9.12 e 16) para poder proclamar o louvor divino (cf. v. 17).
- A purificação tem uma dimensão comunitária: Para alcançar um estado de perfeita integridade, às vezes, é necessária a intercessão ou a mediação de uma pessoa. Por exemplo, Moisés obtém o perdão do povo com uma oração (cf. Êx 32, 11-13.30). A figura do Servo do Senhor caracteriza-se também pela função de interceder e de expiar a favor de muitos, tomando sobre si as suas iniquidades (cf. Is 52, 13-53,12).
No fim do Antigo Testamento, já temos um testemunho explícito da crença dos judeus numa purificação no além. Com efeito, a exigência de integridade impõe-se evidentemente depois da morte, para o ingresso na comunhão perfeita e definitiva com Deus. Por isso é necessário rezar e oferecer sacrifícios expiatórios pelos defuntos: “Eis por que ele (Judas Macabeu) mandou oferecer um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres de suas faltas” (2Mac 12,46)
O Novo Testamento afirma: A santidade de Deus exige a santidade do homem: “Sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48). Portanto, somos convidados a “purificar-nos de toda a imundície da carne e do espírito” (2 Cor 7, 1; cf. 1 Jo 3, 3), porque o encontro com Deus requer uma pureza absoluta (cf. “Nela (= na Jerusalém celeste) não entrará nada de impuro” (Ap 21,27).
Só aqueles que tem o coração puro poderão ver a Deus (cf. Mt 5,8). O próprio Jesus fala da purificação no além quando diz: “Todo o que tiver falado contra o Filho do Homem será perdoado. Se, porém, falar contra o Espírito Santo, não alcançará perdão nem neste século nem no século vindouro” (Mt 12,32). Dessa afirmação podemos deduzir de que certas faltas podem ser perdoadas também no além.
Outra passagem que fala do purgatório: “Ora, quando fores com o teu adversário ao magistrado, faze o possível para entrar em acordo com ele pelo caminho, a fim de que ele te não arraste ao juiz, e o juiz te entregue ao executor, e o executor te ponha na prisão. Digo-te: não sairás dali, até pagares o último centavo.” (Lc 12,58-59).
Jesus ensina, nesta parábola, que, enquanto estivermos nesta vida (“pelo caminho”), devemos sempre estar dispostos a uma atitude de reconciliação (“entrar em acordo” com o próximo), pois, caso contrário, ao fim da vida seremos entregues ao juiz (Deus), que nos colocará na “prisão”(purgatório); dali, não sairemos até termos pago à justiça divina toda a nossa dívida “até o último centavo”.
A imagem do fogo como purificação para aquele que é imperfeito, mas ordenado à salvação: São Paulo fala do valor da obra de cada um, que será revelada no dia do juízo, e diz: “Se a obra construída subsistir, o construtor receberá a paga. Se a obra de alguém se queimar, sofrerá a perda. Ele, porém, será salvo, como que através do fogo” (1 Cor 3, 14-15). (cf. explicação de Bento XVI em: Spe salvi nos. 46-48)
Em que consiste o purgatório? Qual é a finalidade do purgatório? Qual a situação das almas no purgatório?
É um estado transitório onde haverá uma purificação da alma depois da morte. Sua finalidade é proporcionar à alma a limpeza absoluta que a comunhão perfeita com Deus requer. Todo o vestígio de apego ao mal deve ser eliminado; toda a deformidade da alma há de ser corrigida. A purificação deve ser completa, e é precisamente assim que a Doutrina da Igreja entende o purgatório.
Esse termo não indica tanto um lugar, mas um estado. Aqueles que, depois da morte, vivem nesse estado de purificação já estão no amor de Cristo, o qual os purifica dos resíduos da imperfeição. No purgatório, as almas são purificadas dos pecados veniais, das restantes penas temporais e das inclinações ao pecado.
Qual é a situação das almas no purgatório?
As almas no purgatório estão seguras da salvação e sabem que os sofrimentos que terão de suportar terão uma duração limitada. Elas não desejam evitar este estado, mas aceitam-no com plena conformidade à vontade de Deus, pois reconhecem que é um dom da misericórdia divina sem o qual não poderiam atingir a sua consumação.
Uma vez que estão confirmadas na graça, pois já não podem mais pecar, sua esperança é firme e segura: alcançarão, com certeza, a visão de Deus. Há, portanto, gozo e alegria no purgatório por esta segurança da vitória e pelo consolo que a alma recebe dos sufrágios do Santo Sacrifício da Missa e das orações dos fiéis e da intercessão de Nossa Senhora, dos Anjos e Santos. Contudo, as almas já não estão em condições de merecer, isto é, elas não podem fazer mais nada em seu próprio benefício, só podem aceitar passiva e voluntariamente a purificação.
As penas do purgatório são mais dolorosas do que os sofrimentos desta vida. A pena principal (pena de dano) é a privação temporária da visão de Deus, a Quem as almas desejam e amam tanto. A pena secundária (pena dos sentidos) é a purificação da alma de todos os apegos desordenados pelo fogo purificador do amor de Deus.
Diz São João Paulo II que a experiência dos místicos da chama purificadora do amor de Deus que se manifesta na noite dos sentidos e do espírito é, em certo sentido, aquilo que corresponde ao purgatório. Deus faz passar o homem através de um tal purgatório interior de toda a sua natureza sensual e espiritual, para levá-lo à união com Ele.
Como podemos ajudar as almas do purgatório e como elas podem nos ajudar?
Nossa ajuda às almas do purgatório, bem como a ajuda que delas podemos receber, se fundamenta na Doutrina da Igreja sobre a Comunhão dos Santos:
O cristão que procura purificar-se de seu pecado e santificar-se com o auxílio da graça de Deus não está só… Na comunhão dos santos, ‘existe, certamente entre os fiéis já admitidos na posse da pátria celeste, os que expiam as faltas no purgatório e os que ainda peregrinam na terra, um laço de caridade e um amplo intercâmbio de bens’ (Cat. 1474-75; Paulo VI, Const. ap. Indulgentiarum doctrina).
Papa Pio XII escreve: “Não devemos esquecer, nas nossas orações, nenhum membro do Corpo Místico de Cristo e ainda mais que todos os outros aqueles que se encontram no Purgatório”. Podemos ajudar as almas do purgatório principalmente por meio do sacrifício Eucarístico: “Desde os primeiros tempos, a Igreja honrou a memória dos defuntos e ofereceu sufrágios em seu favor, em especial o Sacrifício Eucarístico, a fim de que, purificados, eles possam chegar à visão beatífica de Deus. A Igreja recomenda também as esmolas, as indulgências e as obras de penitência em favor dos defuntos” (Cat. 1032).
Uma ajuda especial para as almas é o oferecimento do terço (cf. oração que Nossa Senhora de Fátima pediu para se rezar depois de cada mistério: “…levai as almas para o céu, especialmente aquelas que mais precisam da vossa misericórdia”) e a aspersão com água benta (por isso, nos túmulos, coloca-se uma pia de água benta).
Nota: Existe uma Obra Expiatória para a libertação das almas do purgatório aprovada e recomendada por vários papas com sede na França em La Chapelle-Monligeon que tem membros nos cinco continentes. Ela está sob o patronato de Nossa Senhora libertadora das almas do Purgatório.
Como as almas do purgatório podem nos ajudar?
Ainda que as almas que se purificam no purgatório nada possam fazer para si mesmas, elas, sendo almas de pessoas salvas, que tem a garantia do céu, podem e desejam ajudar-nos por meio de suas orações e o oferecimento de seus sofrimentos (cf. Cat. 1475). Assim, existe um vivo intercambio de bens espirituais entre a Igreja peregrina e a Igreja padecente.