"O sonho de Joãozinho"

Não tenho relatos extraordinários. Meu primeiro chamado foi bastante simples, comum. Acho que nunca escrevi sobre esta página da minha história. Mas chegou a hora de mostrar mais um cantinho do meu coração.

Tudo aconteceu naquele dia perdido no ano de 1975, na cidade de Brusque, em Santa Catarina. Foi no meio de uma aula de Ciências, na então quinta série. Eu tinha apenas 10 anos de idade. Não me lembro nada da matéria que estava sendo lecionada naquele dia, mas me lembro de cada detalhe do fato que provocou minha ida ao seminário. Eu havia terminado o “primário” na Escola Básica Dom João Becker, que ficava perto de minha casa. Mas aquela escola só tinha o primário. O jeito foi mudar para o Colégio Feliciano Pires, mais no centro da cidade. As duas eram escolas públicas, de ótima qualidade e das quais muito me orgulho.

Escola nova. Amigos novos. Você sabe… a gente sempre se sente um pouco desambientado. Eu tinha muita necessidade de conhecer os novos amigos. Tinha uma leve sensação de que ninguém ali sabia o meu nome. Com este gosto amargo na boca, percebi, naquele dia, a entrada de dois jovens que interromperam a aula para dar um pequeno aviso. Depois fiquei sabendo que eram fráteres. Ou seja, religiosos, estudantes de Filosofia da Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus, os Dehonianos. Eles foram rápidos. Convidaram os interessados para participar de um encontro no Clube Vocacional. Prometeram uma reunião rápida, um filme e depois: futebol de salão. Muitos ficaram interessados. Pensei: “É minha oportunidade de fazer novos amigos”. Fui.


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Lembro-me como se fosse hoje do momento em que cheguei àquela reunião. Depois de algumas palavras, eles nos convidaram para assistir ao filme. Na verdade, era uma história criada pelo Padre Zezinho, chamada: “O sonho de Joãozinho”. Fiquei fascinado. Batia tudo com minha história. O tal do “Joãozinho” tinha um sonho com uma piscina. Este sonho se tornava realidade no seminário, quando o menino finalmente mergulhava deliciosamente na piscina. Ao criar esta história, Pe. Zezinho nem podia imaginar que em Brusque, um outro Joãozinho vivia sonhando em tomar banho na piscina do clube da cidade, o Bandeirantes. Mas este era um sonho proibido para gente simples como a família dele. Seu pai não tinha condições de pagar a mensalidade de um clube como aquele. Muitas vezes, o menino teve de se contentar em ouvir os gritos de alegria das pessoas que lá dentro se divertiam: “tchibummmm!”

Pensei com meus botões: “No seminário, mato dois coelhos com uma cajadada só! Faço muitos amigos e ainda tomo banho de piscina”. Detalhe: eu era o único filho homem de casa. E durante algum tempo, fui o único filho mesmo, até que nasceu a Sandra, e somente bem mais tarde, a Ana. Isso fazia com que cultivasse hábitos estranhos como o de falar com meus bonecos de pano: o Ciso e o Cambicão. Coisas de criança que tem coragem de sonhar.

A coisa foi ficando séria. Os fráteres começaram a cativar a rapaziada e a convidá-la para ingressar no seminário no ano seguinte. Meus pais ficaram divididos diante da situação. De um lado, pensavam que seria uma ótima oportunidade para o filho ter bons estudos, pois não poderiam pagar uma escola particular. Por outro lado, era muito difícil conviver com a idéia de ver um filho de apenas 11 anos ir para o seminário, longe dos pais.

Então, aconteceu um fato interessante. Havia em minha cidade um seminário dos padres diocesanos. Minha mãe imaginava que poderia, facilmente, me convencer a ficar por ali mesmo. Até que um dia, perguntei à queima-roupa: “Mãe, qual é a diferença entre o seminário daqui de Brusque e aquele dos padres do Coração de Jesus, de Rio Negrinho?” Provavelmente, ela tenha pensado: “É agora que vou mudar a cabecinha deste teimoso”. E respondeu convincente: “É fácil. Estes aqui de perto são diocesanos. Não fazem voto de pobreza. Por isso podem ter bens, carro, casa, etc. Os outros têm de ter tudo em comum, fazem voto de pobreza”. Imediatamente respondi: “É neste seminário dos padres pobres que eu quero ir”. Estava decidido.

Os ônibus estavam ligados quando cheguei com minha pequena mala e meu travesseiro de estimação, além do inseparável violão. Com 11 anos, eu já tocava algumas canções, mas meu professor pedira para eu parar um tempo, pois meus dedos eram muito pequenos e não atravessavam o braço do violão, para fazer as “posições”. Éramos muitos jovens dos arredores. Nunca tinha tido tantos irmãos. Achei o “máximo”. A viagem durou umas quatro ou cinco horas. Chegamos a Rio Negrinho, no Planalto Catarinense. Coloquei as coisas no meu armário e imediatamente fui em busca da piscina. Perguntei aos veteranos onde ficava aquele prometido “oásis”. Mas ninguém sabia. Encontrei um rio poluído e uma lagoa cheia de sapos. Definitivamente, eu havia sido enganado. Mas ainda não estávamos em “tempos de Procom”, e resolvi ficar por lá mesmo. Éramos cerca de sessenta jovens. Resumindo: hoje somos quatro padres daquele grupo.

Passei 17 anos no seminário. Sonhos de Joãozinho e piscina ficaram para trás. Descobri que Deus usou muitas iscas para me pescar. Mergulhei fundo na piscina da Água Viva!… Optei por ser religioso e padre do Sagrado Coração de Jesus. Tenho certeza de que Deus me chamou, e tenho mil provas de que Ele tem ciúme de mim. Meu nome está escrito em suas mãos. Vejo esta confirmação nos olhos do povo que me chama de Padre Joãozinho. O violão!? Continua comigo. Meus dedos cresceram, gravei muitos discos, mas descubro, a cada dia, que não posso deixar aquela criança morrer… Minha música depende de minha infância espiritual.

Se eu não for “pequeno” não poderei cantar. Ahhh… e a piscina? Esses dias, fui acertar as contas com o Pe. Zezinho, que hoje é meu irmão de comunidade e mora no quarto em frente ao meu, em Taubaté/SP. Somos mais que amigos, somos irmãos. Ele me revelou que a tal piscina existe e fica no seminário de Lavras, em Minas Gerais. Você pode não acreditar… mas ela existe mesmo. Um dia desses, ainda dou um mergulho lá!