É urgente falar de uma verdadeira conversão ao espírito ecumênico!
Nestes tempos, nos quais eclodem com força os nacionalismos, as polarizações ideológicas e as apologéticas litigantes entre alguns grupos cristãos, o fomento do ecumenismo espiritual é uma necessidade premente. É urgente falar de uma verdadeira conversão ao espírito ecumênico! Isso porque a adesão a esse modo de praticar a vida em Cristo toca o presente, o futuro da religião cristã, não apenas em termos de subsistência histórica da religião, mas sobretudo no que concerne à necessidade de um autêntico testemunho cristão em um mundo que ainda conhece pouco o Evangelho.

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Definição de ecumenismo e origem histórica
Antes de prosseguir, é necessário elucidar o que é ecumenismo. É um movimento, no interior da religião cristã, que visa promover a unidade da única Igreja de Jesus Cristo, que se encontra dividida nas suas manifestações históricas em razão do pecado dos seus membros. Essa unidade, para a qual convergem todas as iniciativas ecumênicas, não pode ser confundida com o regresso dos cristãos a uma única ramificação da religião cristã. Trata-se, na verdade, de unidade nos elementos fundamentais da fé cristã, respeitando as tradições consolidadas dentro de cada uma das principais ramificações (católica, não-calcedonianas, ortodoxia, protestante e anglicana). Ecumenismo não é sinônimo de relativismo, tampouco de sincretismo.
O Movimento Ecumênico tem o seu início no âmbito protestante, em Edimburgo, no ano de 1910. A adesão oficial da Igreja Católica Apostólica Romana a esse Movimento dá-se, tardiamente, em 1960, quando da criação do Secretariado para a Promoção da Unidade dos Cristãos, convertido em Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos em 1988. E que, desde 2022, chama-se Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos.
Ecumenismo espiritual: fruto da conversão do coração e da santidade de vida
Por ecumenismo espiritual entende-se uma constante abertura interior, fruto da conversão do coração e da santidade de vida, que leva o cristão a orar, incessantemente, pela unidade, no âmbito da contingência histórica, da única Igreja de Jesus Cristo (cf. Unitatis Redintegratio 8). O ecumenismo espiritual baseia-se na convicção de que a plena unidade da única Igreja de Jesus Cristo há de ser, antes de tudo, um dom do próprio Deus e não um mero fruto de acordos e convenções humanas, embora esses sejam importantes no exigente caminho ecumênico.
O ecumenismo espiritual resulta numa atitude espiritual de constante abertura ao outro, ao seu modo de crer e ao seu horizonte eclesial. O cristão que pratica essa forma de ecumenismo o faz por ter chegado a um profundo grau de amor pela unidade da Igreja. Exemplo disso é Irmã Maria Gabriela da Unidade (1914-1939), monja trapista italiana, que oferece a sua vida, por meio de orações e sacrifícios espirituais, pela unidade dos cristãos. A sua vida contemplativa é edificada sobre o capítulo 17 do Evangelho de São João. O então Papa João Paulo II a beatifica aos 25 de janeiro de 1983.
A santidade de vida
Ao discorrer sobre o ecumenismo espiritual, emerge a necessidade de se fazer um referimento à obra Pia Desideria de Philipp Jakob Spener (1635-1705), pai do pietismo protestante. Esse autor propõe um itinerário de reforma para o ad intra das Comunidades Eclesiais Protestantes no qual, entre outras coisas, prioriza a santidade de vida em vez de ater-se às controvérsias doutrinais entre os diferentes grupos. Essa proposta de Spener é, na verdade, uma chave ecumênica importantíssima!
A santidade de vida é um importante ponto de convergência que aproxima os cristãos de todas as ramificações.
Quanto às controvérsias doutrinais, é necessário afrontar esse problema sob a guia do Espírito Santo e com o auxílio do trabalho de teólogos, devidamente qualificados para tal empresa. Os temas doutrinais controvertidos devem ser abordados com maturidade, respeito e esforço de compreensão quanto ao horizonte teológico-espiritual do outro.
Quando se acena para a santidade de vida como elemento indispensável, é impossível não pensar nos cristãos perseguidos e martirizados. Nos últimos anos, milhares de cristãos, de todas as ramificações, têm derramado o seu sangue para testemunhar a fé professada. O Papa Francisco alude ao “ecumenismo de sangue”, na homilia proferida por ocasião da conclusão da Semana de Oração pela Unidade Cristã em 2015.
Independentemente da ramificação, toda vez que o sangue de um cristão é derramado por ódio à fé, é a própria Igreja de Jesus Cristo que verte o seu sangue. Se a Igreja sangra, é o próprio Corpo de Cristo que sangra. Esse sangue, que banha a terra árida deste mundo hostil ao Evangelho, torna-se “semente de novos cristãos”, para usar as palavras de Tertuliano.
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A responsabilidade católica
No tangente à Igreja Católica Apostólica Romana, desde a celebração do II Concílio do Vaticano (1962-1965), o ecumenismo torna-se um imperativo porque ela descobre que ser ecumênica é parte essencial da sua natureza. A Igreja toma consciência de que o ecumenismo toca, diretamente, uma das suas propriedades essenciais: a unidade.
Hoje, a Igreja Romana está convencida acerca da sua missão ecumênica. Por ser ela Católica, cabe-lhe fazer valer a sua universalidade, esmerando-se na promoção do ecumenismo através de orações, diálogos, estudos e iniciativas caritativo-pastorais conjuntas.
Por fim, para que o ecumenismo espiritual se torne uma realidade cada vez mais concreta, em todas as ramificações da religião cristã, faz-se necessário aquilo que o então Papa João Paulo II nomina de “diálogo da conversão” como fundamento interior do diálogo ecumênico (cf. Ut unum sint 82). Esse diálogo só se realiza quando, diante de Deus, cada qual individua os próprios erros, confessa sua culpa e se apropria da oração que Jesus, no Espírito Santo, dirige ao Pai, dizendo: “Que todos sejam um” (Jo 17, 21).
Padre Robison Inácio de Souza Santos
Diocese de Guaxupé (MG), é doutorando em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.