Antes de tentar dar uma resposta mais precisa à pergunta do título deste artigo, é preciso esclarecer o que se entende por diabo ou demônio.
A concepção sobre a natureza do demônio é muito controversa nos debates teológicos. Para muitos, o demônio é a “representação” do mal no mundo, enquanto para outros é um anjo que decaiu por ter traído Deus, é um espírito e tem forma material. No entanto, independente da interpretação que se tem, um ponto em comum existe em ambas as concepções, o mal está aí, nós o sentimos e também o praticamos; sofremos as consequências do mal praticado pelos outros, mas também causamos o mal a tantas pessoas, ou seja, existe uma força maligna e que nos desvia dos planos de Deus. O mal nos desafia, atormenta e sempre atormentou a humanidade. E todos os pecados são uma manifestação de um mal que ultrapassam a nossa compreensão.
Os números 391 ao 395 do Catecismo da Igreja Católica afirma que os demônios “foram por Deus criados naturalmente bons; mas eles que se fizeram maus”. Os demônios são criaturas celestes, anjos criados por Deus, mas que, por orgulho, se rebelaram contra Ele e incitaram o homem a fazer a mesma coisa. Os demônios realmente existem, e isso é parte da fé dogmática da Igreja. Cristo veio a este mundo para derrotar o jugo que o diabo tem sobre nós.
O demônio existe e semeia ódio no mundo
O Papa Francisco, em sua homilia durante a Santa Missa na Casa Santa Marta, no dia 12 de novembro de 2019, afirmou que o diabo existe e, por causa de sua inveja do Filho de Deus que se tornou homem, ele semeia ódio no mundo e causa a morte. O Pontífice explica que a inveja daquele anjo soberbo, que não queria aceitar a encarnação, o levou a destruir a humanidade. E assim, algo entrou no coração dos homens, ensina o Pontífice: ciúme, inveja, competição, e os priva de viverem como irmãos, todos em paz. Assim começa “a luta e o desejo de destruir”. O Papa ressalta que todos nós podemos ser agentes de destruição.
Nas Sagradas Escrituras, há muitos nomes para designar a presença do “anjo decaído”. O termo daimon (ou daimonium), que é grego e serve para designar “todos os anjos maus”. Satã = satanás = adversário. Outras denominações, Lúcifer (do latim significa ‘aquele que brilha’), Belzebu, e também existem títulos com os quais se denomina o diabo, por exemplo: “maligno, tentador, príncipe deste mundo, espírito impuro”.
No Novo Testamento, o nome mais conhecido é ‘diabo’; em Mateus 4,8-10, menciona-se que o diabo tenta Jesus no deserto. Diabo (do latim diabolus, por sua vez do grego διάβολος, diábolos, “caluniador” ou “acusador”, “aquele que divide”). O diabo também é chamado de Satanás. Diabo ou satanás nos evangelhos tem como principal função afastar as pessoas do projeto de Deus, fazer-se adversário de Jesus, seduzir, tentar e induzir ao pecado.
A existência do demônio faz parte da verdade revelada
A Doutrina Católica não nega a real existência do demônio. Sabemos que os cristãos reconhecem, desde sempre, a existência de um ser maligno – ou vários seres malignos – de natureza angélica, cuja atuação se dirige a afastar o homem de Deus, submetendo-o às forças do mal por meio da tentação. Também que, de fato, Cristo se fez homem e morreu na cruz para libertar o homem desse estado de força para o mal em que se encontrava devido ao pecado original. A existência do demônio faz parte, portanto, da verdade revelada. Precisamos entender também que, para a crença cristã não existe um “deus do mal”, oposto ao Deus do bem.
Segundo a doutrina cristã, o demônio pode incitar o homem ao mal, mas não pode tirar a sua liberdade; não tem poder sobre a sua alma se o homem não lhe conceder isso. O diabo age de forma cotidiana na vida de cada pessoa, mediante a tentação e a sedução, para levá-lo a cometer o mal, ou seja, a pecar. Todo pecado é a expressão do mal.
Concluo esta primeira parte com o número 395 do Catecismo da Igreja Católica: “No entanto, o poder de Satanás não é infinito. Satanás é uma simples criatura, poderosa pelo fato de ser puro espírito, mas, de qualquer modo, criatura: impotente para impedir a edificação do Reino de Deus. Embora Satanás exerça no mundo a sua ação, por ódio contra Deus e o seu reinado em Jesus Cristo, e embora a sua ação cause graves prejuízos – de natureza espiritual e indiretamente, também, de natureza física – a cada homem e à sociedade, essa ação é permitida pela Divina Providência, que com força e suavidade dirige a história do homem e do mundo. A permissão divina da atividade diabólica é um grande mistério. Mas ‘nós sabemos que tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus’” (Rm 8,28).
Devemos ter medo?
Posso dizer que sim e não. Digo que sim, porque o medo pode ser um sentimento positivo quando nos ajuda a estar distantes daquilo que pode nos causar o mal, prejudicar-nos. A pessoa que tem medo de cobra nunca vai se aventurar em aproximar-se de uma cobra: “Foge do pecado como de uma serpente, porque, se te aproximares, morder-te-á; seus dentes são dentes de leões que aos homens tiram a vida” (Eclo 21,2). A criança educada a não colocar o dedo em um local com eletricidade, pois sabe que pode lhe causar algum dano, não fará isso. As Sagradas Escrituras nos instruem: “Fugir das ocasiões de pecado” (2Tm 3,5), ou seja, não basta fugirmos do pecado, é preciso também fugir das ocasiões que nos levam a pecar.
Certa vez, escreveu Santo Afonso Maria de Ligório: “Confessou certa vez o demônio que, entre todos os sermões, o que mais detesta é aquele em que se exortam os fiéis a fugirem das más ocasiões. E com efeito, o demônio ri de todas as promessas e propósitos que formule o pecador arrependido, se este não evitar tais ocasiões” (Santo Afonso Maria de Ligório, Preparação para a Morte, Consideração XXXI, Ponto III).
Também digo que não devemos ter medo do diabo, pois, Cristo destruiu o demônio e seu reino. A vitória é de Jesus Cristo.
A cruz é a vitória e a salvação
O Papa Francisco, nas meditações na Santa Missa celebrada na Capela da casa Santa Marta, proclama “Como foi derrotado o diabo”: “A cruz é também um sinal de vitória para nós cristãos. Jesus feito pecado venceu o autor do pecado, venceu a serpente. A nossa vitória é a cruz de Jesus, a derrota daquele que tinha carregado sobre si todos os nossos pecados, estava quase destruído, todas as nossas culpas; e a vitória diante do nosso inimigo, da grande serpente antiga, do grande Acusador. Por isso a cruz é sinal de vitória para nós, na cruz fomos salvos, naquele percurso que Jesus quis fazer até ao mais baixo, mas com a força da divindade”.
A certeza da vitória de Cristo sobre a força do diabo é a certeza também da nossa vitória. Podemos vencer o mal, pois, “onde o pecado abundou, superabundou a graça” (Rm 5,20). A graça de Deus é mais forte e nós podemos vencer o diabo quando vencemos o pecado. Quando alguém vem se confessar e diz: “a tentação foi mais forte do que eu”, não é correto, a tentação não é mais forte porque a graça é maior, nós pecamos porque nos fizemos fracos, permitimos o domínio do mal sobre o bem em nós.
O pecado, o mal e a necessidade da vigilância
A presença do pecado é “sinal” concreto da existência do mal. O pecado é a manifestação do mal. O mal existe, está aí e nos influencia. O mal rege os problemas que atormentam nossa vida e sociedade. A força do mal nos desafia e sempre nos desafiou. É um mistério que ultrapassa toda e qualquer tentativa de explicação e justificação. O pecado surge quando o ser humano cede à tentação de Satanás; por isto rezamos com frequência na oração do Pai-Nosso: “e não nos deixeis cair em tentação. Mas livrai-nos do mal”.
A existência desta força demoníaca não significa o seu domínio, mas nos chama a atenção para a necessidade da vigilância, e que o espírito do mal ainda está aí, precisa ser combatido, eliminado do nosso meio. No Novo Testamento, fica claro que a existência do demônio deve ser tomada a sério, sobretudo na forma de pecado. As ações de Jesus focalizam a luta concreta contra esta presença do mal. A cura dos doentes, o perdão dos pecados, a ressurreição dos mortos, a tentação no deserto, etc., revelam a vitória de Jesus sobre o mal e também a atitude que devem adotar os discípulos de Jesus perante o espírito do mal.
Você tem alimentado o bem ou o mal?
“O que sabemos é que o mal está aí como desafio, e que a responsabilidade de fazê-lo progredir ou regredir é do ser humano. Quando o homem ajuda a progredir o mal ele peca” (CIC, 310). No mundo, temos muitas oportunidades de praticar o mal. Somos livres. Mas, com certeza, temos mais oportunidades ainda de praticar o bem. É questão de tomar consciência. Vai prevalecer quem você alimentar: o bem ou o mal.
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Apresento alguns textos bíblicos que nos ajudarão a vencer o medo do demônio:
“Por isso não tema, pois estou com você; não tenha medo, pois sou o seu Deus. Eu o fortalecerei e o ajudarei; eu o segurarei com a minha mão direita vitoriosa” (Is 41,10).
“O Senhor é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei? O Senhor é a força da minha vida; de quem terei medo?” (Salmo 27,1).
“O Senhor está comigo; não temerei” (Salmo 118(119),6).
“Deixo a paz a vocês; a minha paz dou a vocês. Não a dou como o mundo a dá. Não se perturbe o seu coração, nem tenham medo” (Jo 14,27).
“No amor não há medo; ao contrário o perfeito amor expulsa o medo, porque o medo supõe castigo. Aquele que tem medo não está aperfeiçoado no amor” (1Jo 4,18).
“Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? Como está escrito: Por amor de ti somos entregues à morte todo o dia: fomos reputados como ovelhas para o matadouro. Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou. Porque estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o futuro, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor!” (Rm 8,35-39).
Formação Canção Nova