Ser santo ou ser herói?

Relembrando alguns fatos da minha infância, fui percebendo como naquela época o meu coração era cheio de sonhos, fantasias, desejos e aspirações. É importante alimentar nossos sonhos e desejos, embora corramos o risco de gastar tempo e energias sonhando com o que, na verdade não nos enobrece e alegra o coração. Entretanto, os sonhos e desejos tornam-se belos, fazem parte da nossa humanidade, especialmente quando estão embasados em valores morais e cristãos. Ai de nós se formos homens e mulheres sem sonhos e desejos. Eles são a prova de que somos homens e de que estamos vivos.

Voltando um pouco para os sonhos da minha infância, lembro-me quando eu e meu irmão saíamos “voando” pela casa, deixando para trás o barulho do que havíamos quebrado e os gritos da mamãe, simplesmente porque achávamos que podíamos ser a dupla dinâmica do He-Man e da She-Ra ou o super-homem e a mulher-maravilha. Quem já não viu esse filme? Ou melhor, quem já não viveu essa fase?

Anos depois, os meus heróis mudaram e passaram a ser mais reais. Desejava ser médica como Che Guevara, ter a coragem da Olga Benário ou o senso crítico do Geraldo Vandré. Devorava os livros sobre o Golpe de 64, sobre as torturas e tudo o que se referia a ditadura. Me identificava com aquela juventude. Pensava no exílio daqueles que lutavam pelo que acreditavam, queria isso para mim, por isso me empenhava nas atividades do Grêmio Estudantil. Como filha de um militante aprendi que era preciso lutar e não poucas vezes ouvia por detrás da porta do meu quarto as reuniões de sindicato que aconteciam em minha casa. Passaram-se os anos e vi que tudo passa e com eles também os heróis, as coisas e os valores mudam, já que a transitoriedade da vida é intensa. A mídia hora eleva hora abaixa.

E nessa busca por um referencial, por um herói, encontrei-me com Deus e passo a passo fui sendo “influenciada” e transformada por esse amor. Troquei o pôster do Che Guevara pelo da Rainha da Paz, os meus ídolos mudaram embora o desejo de heroísmo tenha perdurado em meu coração. Os meus valores e ideais foram se purificando, queria encontrar um sentido maior para a minha vida, agora pelo “Reino”. O desejo de mudar o mundo continuou, agora não mais através das idéias socialistas mas sim pelo caminho estreito do Evangelho. A subversão começou a dar lugar ao desejo da obediência.

O verdadeiro chamado: a santidade
Infelizmente passei algum tempo para entender que o caminho da Boa Nova não gera heróis e sim santos. Jesus não me chama a ser uma heroína mas a ser santa, não me chama a fazer grandes coisas, nem a mudar o mundo com as minhas próprias forças. O herói tem que ser forte, revolucionar, aceitar, agradar, provar o seu poder, tem prioridades, honras, mérito, é modelo. Os seguidores de Jesus Cristo, o Deus feito homem, eram os fracos, os pecadores e os mal falados do Evangelho. Não eram os sábios, não tinham a coragem necessária para um guerreiro, um herói.

Que decepção! Que dor para a menina que tanto sonhou poder ser ou fazer alguma coisa. Bendita alegria para a mulher que hoje vê que tudo pode naquele que a fortalece.

Santos, fracos, loucos, mas acima de tudo bem-aventurados. Os heróis contam com a força, os santos com a graça. “Basta-te a minha graça”, disse o Senhor a São Paulo.

Os santos desejam fazer grandes coisas mas reconhecem que fizeram pouco ou nada, que são servos inúteis, não esperam aplausos, nem as primeiras cadeiras, nem o apoio da mídia para anunciar suas dores, sacrifícios e lágrimas derramadas pelos pecados dos que “na sombra da morte estão sentados”, mas acima de tudo pelo seu próprio pecado.

Os heróis querem mudar o mundo, os outros, as estruturas, os santos desejam mudar o seu coração, pois sabem bem que é de lá que procedem todos os males, mas também sabem que não têm força para isso. Apenas gritam e clamam o auxílio do Senhor. Não se desesperam, não se acusam quando caem ou erram, reconhecem-se pequenos e por isso permitem-se levantar-se com facilidade.

Experimentam que é melhor cair nas mãos de Deus do que nas mãos dos homens, porque esses julgam conforme a aparência mas Deus vê o coração.

Bendito dor, bendita desilusão. Somos capazes das melhores e piores coisas, mas somos profundamente amados por Deus.

O herói leva fardo, é escravo das honras. O santo é livre, ninguém lhe dá honras. Não deseja ser bom, provou em sua vida que só Deus é bom.

Não mendiga atenção pelo seus dons, nem se vende por migalhas, sabe quem é o seu mestre e que não é mais do que Ele. Sabe o que lhe espera, o seu itinerário espiritual, a Kénosis. Faz memória da vida do seu Mestre, dos mártires e não busca o aplauso dos homens porque a multidão que aclamou Jesus, logo depois gritou crucifica-O. Essa é a vida do santo. O herói sobe, o santo desce. O herói faz-se obedecer pelo seu poder, o santo pelo seu amor a Deus.

“Não quebra o caniço rachado, nem apaga a chama que ainda fumega…” (Isaías 42,3). O herói é exaltado, o santo humilhado, busca a coroa imperecível, o seu reino não é deste mundo.

É bem verdade que nem todos nasceram para serem heróis, é um caminho exigente, mas é certo que todos nasceram para serem santos. O heroísmo gera orgulho, a santidade humildade. “Não fazeis como os grandes deste mundo, diz Jesus!

“Qualquer pessoa, porque mais pobre, por mais ferida que seja pode aspirar a santidade a partir da sua situação real, ainda que fosse a mais marginal, tanto no aspecto psicológico como moral.” Ufa! Que alívio! Uma vez li que “não há santo sem passado, nem pecador sem futuro.”

Ser santo não é ser virtuoso ou moralmente perfeito. Não podemos compreender santidade como simples atitudes comportamentais. Tremo ao escutar: “Fulano é tão santinho” é o mesmo que dizer tão bem comportado, tão obediente… Santidade não é isso! Não é perfeição humana.

“Os feridos da vida, os fracos, os alcoólicos, os chagados, os dependentes de todos os tipos, os pobres que aceitam sofrer a sua miséria e lutar apesar de tudo, abrem-se a misericórdia e entram, como o bom ladrão, no Reino de Deus antes dos puros que depositam em si mesmos a confiança, contando com as suas virtudes naturais.”

Não podemos esquecer que a gratuidade da misericórdia de Deus nos ultrapassa, “nada é impossível a Deus”. A nossa fraqueza não pode ser obstáculo para o nosso caminho de santidade, mas sim a nossa falta de desejo.

“Ser santo e ser herói são caminhos bem diferentes. O herói é o homem da sua vontade; o Santo é o homem da graça. O herói está penetrado da sua força; o Santo persuadido da sua fraqueza. O herói trabalha para a sua glória, para o triunfo das causas temporais. O Santo tem em vista a glória de Deus. O herói tem o sentido do homem; o Santo tem o sentido de Deus.” (Pierre Blanchard).

Concluo esse artigo com as frases que pela providência divina foram de encontro a minha dor e me motivaram a escrever esse artigo.

“Nunca um homem será mais ferido pela vida do que amado por Deus, nunca”.
“Quanto mais a cana de açúcar é triturada mais se torna doce”.