Relacionamentos Profundos

Nos dias em que estamos vivendo, o mundo nos dá uma visão muito errônea do que vem a ser as verdadeiras amizades. Dá-se uma noção de dependência, de ilusão, carência, romantismo, um significado muito meloso do que vem a ser estas.

Primeiramente precisamos distinguir a diferença entre irmão e amigo (nem quero colocar a palavra “colega” em questão que não vem ao caso). A palavra irmão quer dizer na Sagrada Escritura que faz parte do mesmo clã, família, comunidade. Quando Maria e os “irmãos” de Jesus foram atrás dEle (Lc 8, 19-21), “irmãos” não significavam irmãos de sangue, mas parentes de Jesus. Já a palavra amigo quer dizer algo mais que irmão, posso dizer muito mais que irmão. Vem do mesmo radical latino de amor: Amicus, Amare. Percebo que, nitidamente, isso é algo espiritual, que vem do próprio Deus, uma vez que Ele é amor.

O mundo tem uma visão errada do que vem a ser os relacionamentos profundos. Se formos olhar na história dos santos (como Francisco e Clara, e também Francisco e Frei Leão), vemos que Deus convergiu seus corações a se tornarem um só. Neste sentido eles se dão com muito tempo, mas são extremamente verdadeiros quanto à transparência, quanto à doação, à reciprocidade. É algo natural, que nas simples coisas nós percebemos que Deus nos dá a pessoa na qual podemos conhecer no mais profundo e deixar-se conhecer no mais profundo. Não podemos deixar de olhar a amizade em outro plano senão o espiritual.

Vejo que existem relacionamentos que faço distinção como relacionamentos de vida (irmãos) e relacionamentos de alma (amigos). Os relacionamentos de vida são aqueles comuns, do dia a dia que não necessariamente precisam ser profundos, embora devemos nos dar a conhecer. Neles, nós descobrimos peças raras, gênios diferentes, mas que aprendemos a amar por aquilo que elas são como pessoas, como filhas de Deus. Mas, os relacionamentos de alma são concretizações de vida. Um começa a cativar o outro, os corações se unem por aquilo que Deus os leva na partilha, no AMOR PURO, por “algo” que não sabemos nem explicar direito, pois é uma moção do próprio Espírito Santo.

Amizade verdadeira é sinônimo de equilíbrio e maturidade afetivos. Deus dá as pessoas certas para que possamos ser curados das feridas de nossas almas. Ora Deus nos dá alguém que equilibre nossa afetividade, ora nossa formação humana, ora nossa espiritualidade. Deus quer que esses relacionamentos se direcionem a isso, pois é um processo de santidade e Ele quer equilibrar todo nosso ser, em todas as nossas áreas.

Na alma estão os sentimentos mais profundos que sentimos, em tudo que vimos no passado, no presente e as aspirações do futuro, e tudo isso é compartilhado. É uma verdade que se encontra à outra verdade. Um padre americano, John Powell (SJ), diz que quanto mais conhecemos a verdade particular desses relacionamentos, mais próximos da Verdade absoluta estaremos, e isso é verdade, pois os relacionamentos profundos nos levam a Deus. Isso não é algo só para Santos… é para mim e para você também. Porque será que São João da Cruz e Santa Tereza D’ávila entravam em êxtase quando partilhavam as aspirações de suas almas??? O próprio Jesus está nesta história. Ele tinha 12 apóstolos, mas nas principais manifestações de Jesus (transfiguração, dentre outras), mas estavam sempre presentes João (discípulo amado), Tiago e Pedro. “Não vos chamo mais de servos, mas de AMIGOS, pois vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai” (Jo 15, 15). O próprio Judas teve sua última chance quando, no momento da traição, Jesus o chama de AMIGO (Mt 26, 50).

Seria uma utopia achar que podemos ter um relacionamento profundo com todos os que conhecemos, a não ser que você faça todo dia um “Informativo” de você mesmo para que todas as pessoas saibam o que está vivendo. Nem todos estão dispostos e até mesmo preparados a acolher o que você está vivendo. Até nisso Deus em sua Divina Providência, Regência, cuida disso. Digo que em minha vida, eu posso contar nos dedos os relacionamentos profundos que Deus me deu, no sentido etimológico do que vem a ser a palavra profundidade, mas posso dizer: o quanto eles me levaram a Deus e a uma busca mais acirrada de santidade e conversão, perdão, exercício do amor, pois é uma ajuda mútua até mesmo para um corrigir os defeitos um do outro e ajudarmos mutuamente em nossos processos. E a grande verdade dos relacionamentos profundos (verdadeiros) é que ele nos faz dar passos aos outros, não nos torna nem fechados uma só pessoa e nem dependente dela, mas nos faz dar saltos ao encontro dos outros, a sermos felizes em nossos relacionamentos também com os outros, principalmente com aquelas pessoas que temos dificuldades, pois são as conquistas do coração.

O Pe. Jonas Abib no livro “Canção Nova, uma obra de Deus” diz até que se pudesse escolher, não escolheria a Luzia Santiago, mas Deus a colocou em sua vida. Isso é concreto, pois não é fácil conhecer o outro, pois você entrará na verdade do outro, e essa é recheada de qualidades, mas também de terríveis defeitos e que só em Deus mesmo para sabermos lidar com essas eles, mas o amor tudo supera (I Cor 13).

Infelizmente nossa primeira atitude é julgar os relacionamentos dos outros, principalmente quando são de Deus, pois julgamos, achamos que possa ter algo a mais que um simples relacionamento profundo. Devemos ter esse cuidado até mesmo de perceber o porque esses relacionamentos nos causam tanto o mal, em querer julgar (inveja, ciúme, etc.). Não podemos perder o sentido de pureza dos relacionamentos: tudo é puro para aqueles que são puros, diz São Paulo (Tt 1, 15). Sei que isso é conseqüência do estrago que o demônio fez, e precisamos pedir um coração puro e não julgarmos.

Outra coisa que o Pe. John Powell (SJ), é que por sermos seres que necessitam dos outros, somos cada vez mais felizes quanto mais nossos relacionamentos forem felizes, quanto mais estivermos bem com os outros, e isso é real. Seria um escrúpulo passar horas em adoração diante de Jesus Sacramentado, sendo que não consigo reconhecer e adorar Jesus também no meu irmão. Quando estamos bem em nossos relacionamentos, nosso coração se sente muito mais livre para amar a Deus, pois o amor aos outros nos leva e eleva ao Sumo Amor, Ao Puro Amor. Por isso é preciso viver os relacionamentos, principalmente os profundos, com muita intensidade. Queira cultivar em sua vida esses relacionamentos sem medo, pois para quem quer ser santo, este é um bom caminho.