Razões da Esperança

Neste final de semana a Diocese de Jales se reúne para um momento de reflexão. É uma pausa para estudo, em vista do discernimento. Em meio ao atropelo dos acontecimentos, é preciso tomar distância, para perceber onde estamos, e para onde é preciso ir.

Também os teólogos do Brasil se reuniram nestes dias. Eles têm a missão de ajudar, exatamente, na reflexão da caminhada. Pois somos chamados a andar de olhos abertos, e atentos para o significado dos fatos. Para entendê-los, é necessário “usar a cabeça”.

Nesta semana começou a propaganda eleitoral. Daqui para frente, corremos o risco de sermos atordoados pela gritaria das propostas, cada uma querendo se impor pela força da insistência e pela intensidade dos decibéis. Mais ainda se faz necessária a depuração das aparências pelo crivo da reflexão.

É a importância da razão. Sem ela, não dispomos de instrumento para discernir a realidade, e situá-la humanamente.

Na carta que lhe é atribuída na Bíblia, São Pedro faz uma recomendação ajuizada. Diz ele textualmente: “estejam sempre prontos a dar as razões da sua esperança” (1 Pe 3,15).

É interessante este apelo à racionalidade, feito pelo apóstolo que ficou famoso por sua profissão de fé. Fé e razão não se contradizem, não se excluem, não se opõem. Ao contrário, se solicitam mutuamente. Sobretudo, a fé solicita a razão, pois ela precisa do seu suporte para adquirir direitos de cidadania na realidade humana. É por ser razoável que a fé se torna uma atitude humana, condizente com nossa exigência racional e com nossa dignidade de seres inteligentes.

Já aconteceu a tentativa de ruptura entre fé e razão. Sabemos no que deu, na grande frustração trazida pelo positivismo, de cujos destroços a pós-modernidade está saindo, às pressas. Assistimos agora a manifestações enfáticas da subjetividade, e a demonstrações exuberantes de religiosidade.

Neste contexto, reaparece a importância do equilíbrio, e da dosagem certa de racionalidade, para sacudir exageros, e para discernir o tamanho adequado dos valores que estão em jogo, para identificar a conveniência dos procedimentos a serem seguidos com responsabilidade.

Ainda recentemente, a Igreja fazia apelo para esta correlação de atribuições entre a fé e a razão, no documento “Fides et Ratio”, publicado por João Paulo II. Nele se afirma que a fé e a razão são as duas asas do espírito humano, para voar em direção à verdade. Poderíamos acrescentar que são também duas pernas para equilibrar a liberdade e duas mãos para assumir os compromissos humanos.

Hoje tanto a situação religiosa como a situação política fazem apelo urgente à racionalidade. As Igrejas parecem estar aos gritos, disputando clientes. Até dentro do catolicismo parece que a ordem é ver quem grita mais alto, com liturgias barulhentas e convocações estridentes. É conhecido na Bíblia o episódio dos profetas de Baal, que passaram o dia todo gritando, sem serem ouvidos por seu Deus. Ao passo que Javé atendeu prontamente a Elias, que fez questão de apelar para a constatação racional do desafio que estava lançando aos falsos profetas. É urgente uma parada para reflexão.

De modo semelhante, é urgente o raciocínio diante dos desafios que a realidade política apresenta hoje aos eleitores. É preciso usar a cabeça. É indispensável sacudir as ilusões. Diante da gritaria da campanha eleitoral, somos convocados para o discernimento. Assim a liberdade fica resguardada para o compromisso consciente que decorre de nossa responsabilidade de cidadãos.

Dom Demétrio Valentini
Diocese de Jales – SP