Os sinos e as cidades

Hoje, com mais freqüência, ouvem-se os sinos de nossas igrejas. Eles lembram o sagrado em meio a uma cidade secularizada. O Boletim da Revista do Clero, publicação da Arquidiocese, de 1972 (nº 5), portanto, no ano seguinte à minha posse como Arcebispo do Rio de Janeiro, trazia a seguinte determinação: “O emprego dos sinos em nossas igrejas”: “Parece ter caído em desuso, em muitas paróquias, o toque dos sinos, que são utilizados para chamar os fiéis às sagradas funções, bem como para alertar os cristãos. Que repiquem os sinos, pois eles nos falam de Deus a chamar seus filhos para a oração e o recolhimento.” É preciso salientar outra função importante: a humanização deste imenso aglomerado urbano. Tanto assim que, anos depois, recebi um ofício de um organismo da Prefeitura solicitando o toque dos sinos, alegando explicitamente esta outra finalidade, de interesse da administração civil.

Sem haver um ato formal, em diversas oportunidades, os párocos verificaram as vantagens desses instrumentos valiosos para recordar a importância do sagrado e o conforto que propiciam a quem se acha envolvido pela solidão das grandes cidades. Felizmente, embora lentas, as respostas dos padres têm sido generosas. Os sinos continuam voltando às torres da casa de Deus e este som nos traz alegria e paz. Não se trata de um instrumento criado pela Igreja para evangelizar, embora ela o utilize também com esse objetivo.

Na China, séculos antes do Nascimento de Cristo, ele já existia. O mesmo se diga dos monumentos pagãos no Egito e em Roma. No Antigo Testamento, sinetas nas vestimentas sacerdotais são mencionadas em diversos livros da Bíblia. O Êxodo (28,33-35), ao tratar dos ornamentos litúrgicos, inclui as campainhas de ouro. Elas deviam recordar a aliança entre Javé e o Povo eleito.
À medida que, cessada a perseguição, os cristãos construíram as basílicas, surgiram grandes edifícios para o culto, dotados, a partir do século V, de campanários. Na era cristã, a primeira referência ocorre em torno do ano 515, em carta de um diácono de Cartago. No século VIII, o Papa Estevão II fez edificar, na basílica de São Pedro, anterior à atual, também um campanário.

A utilização generalizada na Igreja, a serviço da Fé, vem do primeiro milênio de sua história. O Código de Direito Canônico de 1917 (cân. 1169, par 1º) sintetizava bem sua posição no campo pastoral: “É conveniente que todas as igrejas tenham seus sinos, com os quais se convidam todos os fiéis para os diversos ofícios e demais atos religiosos”. A Liturgia se faz presente. A partir do século VII se tem notícias do denominado “batismo dos sinos”. Em nossos dias, a expansão do secularismo diminuiu o seu emprego, principalmente nas grandes cidades. Dois fatores contribuíram para essa redução: a fraqueza dos clérigos em não resistir aos obstáculos postos às manifestações do sagrado, como a torre e o som dos sinos e o anúncio que eles nos transmitem sobre a existência da realidade divina, um convite à reflexão.

A linguagem do campanário é uma fala de Deus, recorda-nos sua presença, o valor da manifestação orante, em certas horas do dia, uma pausa benéfica em meio à efervescência da vida moderna; um apelo ao cumprimento do dever da Missa dominical. Quando somos assediados por uma quantidade de anúncios em favor de uma vida distanciada do Evangelho, a voz do sino se antepõe ao que nos separa de Deus. Trata-se, portanto, de válido instrumento de evangelização, também em nossos dias. E não somente nas pequenas cidades, simples aglomerados humanos.
Embora em outro nível, importante é sua ajuda para a humanização de nosso ambiente. Quanto maior for a agitação de um grande centro urbano, mais necessária será essa contribuição, que nos ajuda a superar o cansaço, resultado de atividades absorventes. A sensação de paz e tranqüilidade que nos transmite, compensa o esforço em fazê-lo presente em nosso meio.

O mundo moderno valoriza a importância dos sinais. E aí está um que indica uma realidade que nos enriquece. Fala do Bem, da Concórdia, da Fraternidade. Recorda-nos a presença de Deus. Utiliza uma linguagem que vence distâncias e é ouvida por multidões.
Evidentemente, o respeito ao direito de não ser alguém incomodado em suas convicções esbarra na liberdade da manifestação legítima do culto. A observância da legislação sobre o silêncio e o respeito às práticas religiosas do próximo têm, no diálogo, um válido recurso para uma pacífica convivência.

O Concílio Ecumênico Vaticano II determinou a revisão das celebrações de bênçãos. Em conseqüência, a então Congregação para o Culto Divino, por mandato especial do Romano Pontífice, publicou, com data de 31 de maio de 1984, o Ritual de Bênçãos e nele se inclui a do sino. No texto há passagens bem elucidativas: “Os sinos estão, de certo modo, ligados à vida do Povo de Deus. Seu som marca os tempos da oração, reúne o povo para realizar ações litúrgicas, avisa os fiéis sobre acontecimentos mais sérios que podem significar aflição ou alegria”. O texto do Evangelho lido nessa oportunidade (Mc 16,14-16.20) se refere à evangelização: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura”.

O Cerimonial dos Bispos, publicado por ordem do Sumo Pontífice em 14 de setembro de 1984, estabelecera: “Na Igreja latina tem prevalecido o costume, que é bom conservar, de benzer os sinos antes de se colocarem no campanário” (nº 1.023).
O canto dos anjos que anunciou o Nascimento de Cristo e, com ele, uma nova humanidade, repete no som de nossos sinos, a alvissareira notícia: veio ao mundo nosso Redentor.