O que marca a vida de todo cristão?

A vida de todo cristão é marcada pela presença de Jesus Cristo. Desde o seu nascimento, os primeiros momentos de conhecimento da doutrina, que o preparará para o grande encontro da Eucaristia, a Crisma e a recepção dos demais sacramentos, são momentos de íntimo relacionamento com o Senhor. Por sua vez, o homem deve dar uma resposta alegre e positiva a esses “encontros”. Chamamos de Liturgia esse ato de louvor que atualiza num hoje, solene e antecipado, do definitivo, derradeiro com o Senhor da Vida.

Há um espaço sagrado em que o homem dá essa resposta: é a comunidade cristã. Assim, a Liturgia se torna uma resposta comunitária, uma resposta a partir da dimensão social. Mesmo que, individualmente, o cristão corresponda ao Senhor com gestos de piedade, é na Liturgia que sua resposta acontece de modo mais eficaz e completo. E isto acontece ao longo de toda a sua vida. Por isso, a Liturgia é o ponto de encontro com o Senhor por excelência. Se, no Antigo Testamento, as festas marcavam a comemoração das intervenções divinas, no hoje da Liturgia, se atualiza a presença de Jesus na vida de cada cristão. Do batismo à unção dos enfermos, nas diferentes expressões de sua vida de oração, nas grandes festas e na santificação individual das horas, tudo é Liturgia.

A vida comunitária, portanto, deve ser a expressão mais autêntica dessa dimensão santificadora dos gestos e palavras de Jesus. As comunidades, organizadas normalmente, em pastorais, se esmeram em preparar com dignidade esses momentos de diálogo entre a comunidade e o Senhor. Cuidam com carinho de cada detalhe: de um Batismo, da administração do Sacramento da Crisma, das Primeiras Comunhões, das celebrações eucarísticas, em suas mais variadas expressões, das celebrações penitenciais, das ordenações e dos matrimônios. Descobrem-se sempre novas expressões para preparar as famílias para os momentos mais marcantes, onde o “amém” há de ser proclamado, muitas vezes entre lágrimas. Os fiéis participam da Liturgia, como diz o Concílio Vaticano II, com conhecimento de causa, ativa e frutuosamente (SC, 11).

A Liturgia é de importância tão capital, que nos seminários se solicita cuidado especial para que o jovem candidato ao presbiterato receba formação condigna. No dia de sua ordenação, ele receberá do bispo ordenante a admoestação: “Tomai consciência do que fazeis e ponde em prática o que celebrais”. Ele deve saber, que está sendo chamado para esse serviço com a divina missão de santificar a si e a seu povo. Por isso, a formação é permanente.
Buscando sempre novas expressões e atualizando-se sempre, o sacerdote que dirige uma comunidade deve estar atento aos sinais dos tempos e responder com alegria às necessidades de sua comunidade. É ele quem, em nome de Cristo, preside à Liturgia.

É nessa perfeita integração que se entende melhor o significado da palavra Liturgia. É um serviço em favor do povo e compreende ritos sagrados para cumprir a finalidade de ser um serviço devido a Deus. Sua expressão mais excelente, a celebração da Eucaristia, abrange os mais diferentes ritos, integrando-se nas culturas e nas mais diferentes tradições. É o grande louvor das nações que diariamente e a todo o momento sobe aos céus. Sendo obra de Cristo sacerdote e de seu Corpo, que é a Igreja, ela nos ensina que a liturgia é uma ação sagrada por excelência, cuja eficácia, no mesmo título e grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja (SC, 7). Em outras palavras, é o conjunto de ações rituais e simbólicas através das quais a obra sacerdotal do Cristo – de louvor a Deus e de santificação dos homens – realizada de uma vez para sempre no mistério pascal, continua na Igreja até o fim dos tempos.

A intensa vida litúrgica pode ser um caminho para o verdadeiro encontro e a profunda experiência de Deus. São os gestos e as palavras do Senhor, vividas nas ações litúrgicas que levam o fiel a um maior aprofundamento de sua fé. Logicamente, a Liturgia não esgota toda a atividade da Igreja. Enquanto cume a que tende toda a sua ação, ela é ao mesmo tempo, a fonte de onde dimana toda a sua força. Viver essa dinâmica já é degustar aquelas realidades que ainda não podemos ver.

A Liturgia é fator de unidade da Igreja. Celebrada de um mesmo modo em todo o mundo, as celebrações litúrgicas, levam o fiel a se sentir “em casa”, onde quer que esteja, apesar dos diversos ritos e por isso, a unidade se manifesta, principalmente, no respeito a todas as normas litúrgicas, ou rubricas, evitando-se o excesso de criatividade que poderá descaracterizar as celebrações. Para emoldurar, por assim dizer, a Liturgia, a Igreja possui um inestimável tesouro de música e arte sacras. Já nos cemitérios dos primeiros cristãos, nas catacumbas, encontramos a expressões artísticas para demonstrar a fé.

A música sacra, por sua vez, desde que foi se desligando da música sinagogal, procurou características próprias, passando do canto, ambrosiano ao canto gregoriano e à polifonia sacra. Ao longo dos séculos, milhares de autores foram oferecendo sua contribuição a um inestimável acervo que hoje encanta as gerações. O cuidado particular que se exige, hoje, dos compositores e artistas, tem por finalidade a edificação do povo de Deus. Todos os esforços intelectuais e materiais devem contribuir para se servir, na Santa Igreja, à glória de Deus (SC, 127).

Finalmente, não podemos nos esquecer de que o silêncio também faz parte da Liturgia. Ele vem apresentado no Apocalipse: “Quando o Cordeiro abriu o sétimo selo, houve no céu um silêncio durante cerca de meia hora” (Ap 8,1). O silêncio prepara a Liturgia, nos coloca em atitude de aprofundamento do que ouvimos nas leituras, convida-nos a contemplá-lo na hóstia e no vinho consagrados e leva-nos a um profundo diálogo com o Senhor, ao recebê-Lo na Eucaristia.

O conteúdo da Liturgia vai bem além do que vemos e celebramos. O Apóstolo Paulo, diz com muito acerto: “O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam (1Cor 2,9)”.

Dom Eusébio Oscar Scheid
Arcebispo do Rio de Janeiro