O caraguatá, o tatu e o demônio

O homem pantaneiro, seja no Mato Grosso ou no Mato Grosso do Sul, sabe que onde tem caraguatá, ali tem buraco de tatu (o caraguatá é da família das bromeliáceas, da qual o abacaxi é o espécime mais importante e corresponde no Nordeste ao gravatá).

Na letra de uma Ciranda Pantaneira encontra-se um verso dizendo: “Onde nasce carandá, não nasce caraguatá. Onde tem caraguatá tem buraco de tatu. Onde tem caraguatá, cavalo não pode andá”(Moacir e Chico Lacerda).

Devido ao volume da planta e seus duros espinhos nenhum animal consegue andar sobre o caraguatá, exceto o tatu, pequeno, rasteiro, com sua carapaça resistente. Ali ele faz a entrada de sua toca sem o risco de ser incomodado pelos predadores – inclusive o homem. Mas o que tem a ver esta curiosidade regional com a fé, ou melhor, com o maligno?

Há alguns dias a imprensa divulgou a notícia do início, em Roma, de um curso sobre exorcismo, satanismo e magia negra, para a formação de padres católicos exorcistas. Vejamos, então, o sacerdote exorcista, de quem muito ouvimos e que poucos viram em ação e do qual muita gente não sabe exatamente quem é ou já se esqueceu quem era. O exorcista na Igreja Católica, no período pré-Vaticano II era a terceira das ordens menores. Um seminarista a caminho do sacerdócio recebia ordenações menores, prévias, como Hostiário, Leitor, Acólito e Exorcista, antes da ordenação diaconal. O exorcismo é o rito solene da Igreja para expulsar os maus espíritos, o demônio, em sua ação contra os filhos de Deus.

A palavra tem origem grega “ex + horkisein” e significa “mandar ou ordenar, que saia”. Jesus expulsava os maus espíritos (cf. Mat 8,16), como sinal da vinda do Reino de Deus (cf. Mt 12,28). Sob forma simples, como nos ensina o Catecismo da Igreja Católica (#1237), na celebração do Batismo “pronuncia-se um, ou vários, exorcismos (…) e o candidato renuncia explicitamente a satanás”. O grande exorcismo, no entanto, só pode ser praticado por um sacerdote com a licença do ordinário local, o bispo, pela autoridade que Jesus confiou à sua Igreja (Código de Direito Canônico, 1172).

Afinal, e o tatu e o caraguatá, o que têm a ver com isso? Antes de prosseguir é preciso dizer que satanás, o demônio ou diabo é realidade que a tradição cristã admite, embora em tempos de pós-modernidade muita gente tenha dado “adeus” ao diabo, ensinando que se trata de uma abstração e não de uma potência, real, concreta. Outros tentam fazer reviver o maniqueísmo afirmando que o mundo vive numa eterna luta entre o bem e o mal e, que a maldade brota do coração do homem.

Na verdade, este foi o maior dos truques desse “grande ilusionista”: persuadir a humanidade de que ele não existe. Muitos católicos alegam que se a existência de satanás fosse real, deveria ser motivo de uma declaração dogmática por parte da Igreja. Não há tal declaração por se tratar de uma crença óbvia, apoiada nos ensinamentos de Jesus Cristo, bem como pela Liturgia – expressão concreta da fé – a qual sempre insistiu na existência do demônio e suas ameaças.

Se, modernamente, a existência desse ser pervertido e pervertedor tivesse sido eliminada, como pretendem alguns cristãos, para quê a Igreja Católica Apostólica Romana, através da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, publicaria em 1999 o novo Rito do Exorcismo do Ritual Romano?

Assim sendo, o velho diabo, tem muito a ver com o tatu sorrateiro, noctívago, com sua grossa armadura, fazendo a entrada de sua toca no meio do caraguatá da descrença de muita gente boa. Ali entre os espinhos da mentira (da qual ele é o pai) e da colaboração dos que negam a sua existência, ele se põe tranqüilo, a maquinar novas e cruéis insídias.

Onde tem caraguatá, cavalo não pode pisar assim como o cristão, o homem temente, não pode se arriscar e se entreter com o inimigo de Deus. Melhor do que procurar o exorcismo, será vivermos ao lado da Luz, da Verdade, que é Jesus, seguindo os Mandamentos, mantendo viva a força da oração e fugindo das ocasiões de pecado. Crux Sacra Sit Mihi Lux…