Ficai Conosco

Ficai conosco, Senhor, porque já é tarde, e o dia já declina (Lc 24, 29)

A tarde do mesmo dia de Páscoa, Jesus Ressuscitado acompanha, sob a aparência de peregrino, dois discípulos a caminho de Emaús, enquanto conversam sobre os fatos desconcertantes ocorridos em Jerusalém, na sexta-feira precedente (Lc 24, 13-35).

Também eles, como Maria de Magdala, não o reconhecem; não pela emoção, mas porque convictos de que tudo estivesse terminado, para sempre. Haviam crido em Jesus, ‘profeta poderoso em obras e palavras, diante de Deus e de todo o povo’; mas sua condenação à morte e sua crucifixão os desiludiram.

‘Ora, nós esperávamos que fosse ele quem havia de libertar Israel; mas…já é o terceiro dia depois que se deram estas coisas’. Foram informados da ‘aparição de anjos’ às mulheres, sabem do sepulcro vazio, mas tudo isto não consegue despertar-lhes a esperança porque a ‘Ele, não o viram’, e, no entanto, não percebem que justamente ele caminha ao seu lado. E Jesus intervém para iluminá-los: ‘Ó estultos e lentos de coração para crer tudo o que anunciaram os profetas! Porventura não era preciso que o Messias sofresse essas coisas e assim entrasse na sua glória?’.

A concepção de um Messias político que teria assegurado a prosperidade de Israel impediu os dois de reconhecerem em Cristo sofredor o Salvador prometido. Como esperar salvação de quem morreu crucificado? Quem não crê na ressurreição do Senhor não pode aceitar o mistério de sua morte redentora. Haviam os profetas falado disto, Jesus mesmo o havia predito, sabem-no os dois discípulos, além disso está com eles o Senhor, ouvem-no explicar as Escrituras: ‘Começando por Moisés e por todos os profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, as coisas que a ele se referiam’; escutam-no de bom grado, mas ainda não crêem! A Maria, bastou ser chamada pelo nome para crer no Ressuscitado; aos dois discípulos não basta sua voz, nem a longa conversa com ele, nem ouvi-lo explicar as Escrituras.

Na realidade, podemos ter o Senhor junto de nós, caminhar ao seu lado e não o reconhecer! Podemos ter grande conhecimento da Escritura e não lhe apanhar o sentido profundo que revela Deus. Assim que não conseguem muitos dar o salto entre o conhecer e o crer, entre o saber tantas coisas e perceber a única necessária. Nem o ver o Senhor é suficiente para crer, se a fé não ilumina interiormente. Senhor, ‘aumentai-nos a fé! ‘ (Lc17, 5).

Quando o misterioso peregrino está para deixá-los, suplicam-lhe os dois discípulos: ‘Fica conosco porque é tarde e já declinou o dia’. Não é tanto um gesto de cortesia para com o desconhecido, como a necessidade de ficar em sua companhia, de ouvir ainda sua palavra que suscita no coração ardor insólito. E a súplica é atendida além do que esperam. Não só aceita o Senhor o convite e entra em casa, mas ‘depois de sentado, tomou o pão, benzeu-o, e tendo-o partido, lho entregou. Abriram-se-lhes então os olhos e o reconheceram’. Era o costumeiro gesto típico de Jesus ao repartir o alimento com os discípulos; mas nada exclui que tenha sido a repetição do gesto eucarístico da última Ceia, a qual, talvez, estivessem os dois presentes. Em todo caso, Jesus se faz reconhecer num clima de oração e humildade. Foi o terreno preparado pela explicação das Escrituras, mas a fé nasce da oração e da intimidade com o Senhor Ressuscitado.

Se em muitos cristãos a fé é fraca, quase adormecida, incapaz de informar e transformar sua vida, frequentemente deve o motivo ser procurado na falta de oração profunda e de intimidade pessoal com Cristo. Crêem muitos em Jesus, até aceitar sua pessoa histórica, e admitir o que a Escritura e os Evangelhos dizem dele; mas não crêem nele como pessoa ainda hoje viva e presente, que quer ser o companheiro de seu caminho, o amigo hóspede de seu coração. Ainda não se encontraram com Ele na intimidade da oração, do sentar-se com Ele à mesa para partir o pão. Para eles é o banquete eucarístico simples rito simbólico, mas não um alimentar-se de Cristo morto e ressuscitado pela sua salvação, um recebê-lo vivo e palpitante no próprio coração, para se entreterem amistosamente com ele.

‘Fica conosco!’. A bela oração pascal exprime o desejo de encontro íntimo, pessoal com o Senhor, porque só assim a fé e o amor se inflamam, e se torna o cristão capaz de ateá-Io também nos outros corações. Pedro, que havia encontrado assim o Senhor, podia dizer ao coxo que pedia esmola à porta do templo: ‘O que tenho te dou; em nome de Jesus Messias. Caminha!’ (At 3,6). E lhe transmitia o dom da própria fé, tão grande fé, que opera o milagre da cura.

Eduardo Rocha Quintella
Fraternidade S. J. da Cruz – O.C.D.S.
Belo Horizonte – MG