Espiritualidade do comunicador cristão

”Compromisso com a história”

Quando penso na rede mundial de comunicação, penso nas imagens, nos sinais, na explosão de vida que vai tecendo a trama da história atual. Quando pesquiso um tema específico, adentrando hipertextos e páginas, acesso uma imensa enciclopédia que, em pequeno espaço de tempo, este “cérebro planetário” me oferece.

Quando entro numa sala de bate-papo, ainda que seja apenas para observar, fico surpresa com a proximidade e o tecido de relações que se pode criar entre pessoas que jamais se encontraram. A rede mundial de comunicação me desafia a uma reorganização em termos de linguagem, objetivos e participação e me provoca, a cada instante, a reagir interativamente.

Pierre Lévy, filósofo francês, ao falar da comunicação pela Internet, define-a como “presença virtual da humanidade diante de si”. Ainda que desigual e conflituosa, ainda que limitada pelo acesso, ela congrega pela interação e não pela homogeinização que acontece na comunicação de massa. Pensar numa espiritualidade para o comunicador que se utiliza da internet, é trazer, antes de mais nada, à nossa consideração o que o papa fala da espiritualidade. No dia 21 de outubro de 1998, João Paulo II lembrava que a espiritualidade cristã não consiste numa «evasão alienante», mas em acolher a vida doada pelo Espírito Santo, que comporta “um compromisso responsável com a história”.

Em se tratando de relações, a espiritualidade do comunicador toma algumas dimensões: é criadora, trinitária, é encarnada, é cristocêntrica e transformadora. Uma espiritualidade criadora. Quando lemos no primeiro livro da Bíblia: “Possuí e dominar a terra” (Gn 1,26-28) entendemos que temos participação na ação criadora e no Projeto de Deus. “É nesta perspectiva que se apresentam os meios de comunicação social e hoje, a internet. Quando Deus nos criou à sua imagem e semelhança, deu-nos a capacidade de participar de seu poder criador.

Uma espiritualidade trinitária. Não sendo uma “evasão alienante”, a vida é o lugar do encontro e da experiência de Deus, que se revela como Pai, Filho e Espírito Santo. Portanto, vem marcada por laços, cria redes, em vista da comunhão. Esta comunhão se expressa na vida comunitária da igreja primitiva, onde tudo era comum: fé, oração, partilha do pão, seus bens, suas vidas. (cf. At 2,42-47). O comunicador cristão vive sua mística caminhando na esperança da comunhão definitiva quando, conforme aspiração do grande comunicador, o apóstolo Paulo, “Deus for tudo em todos” (1Cor 15,28). “Se alguém me ama, diz Jesus, guarda a minha palavra, e meu Pai o amará. Eu e meu Pai viremos e faremos nele a nossa morada… O Espírito Santo que o Pai vai enviar em meu nome, ele ensinará a vocês todas as coisas” (Jo 14,23.26).
Uma espiritualidade encarnada. A espiritualidade do comunicador cristão espelha-se no mistério da Encarnação. “O Verbo se fez gente” (Jo 1,14). Pela Encarnação, Jesus Cristo, Perfeito Comunicador, fez-se semelhante àquelas pessoas com as quais queria se comunicar. Lembra a Instrução pastoral Communio et progressio, do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, “Cristo comunicava com a palavra e com a vida, não falava como que “de fora”, mas “de dentro”, a partir do seu povo (…) adaptava-se à sua linguagem e mentalidade, encarnado como estava, na situação a partir da qual falava. Mas, comunicar não é apenas exprimir idéias ou manifestar sentimentos; no seu mais profundo significado, é doação de si mesmo, por amor” (CP 11). Recentemente, João Paulo II, falando à Assembléia Plenária do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, dizia, “Se a Igreja se afasta da cultura, o próprio Evangelho fica sem voz” (Discurso de João Paulo II, 1º de março de 2002)
Uma espiritualidade cristocêntrica . Para o papa, a questão fundamental é: “Desta galáxia de imagens e sons, emergirá o rosto de Cristo e ouvir-se-á a sua voz?” (Mensagem Dia Mundial das Comunicações 2002).

E ele responde no seu discurso do dia 1º de março: “Não temos nada para oferecer a não ser Jesus, o único mediador entre Deus e o homem (Cf 1Tm 2,5). Evangelizar significa simplesmente permitir que Ele seja visto e escutado, porque sabemos que se não há espaço para Cristo, também não há espaço para o homem”. E João Paulo II exortou ainda a dedicar um espaço a Cristo: “Na imprensa, no rádio e na televisão, no mundo do cinema e da Internet, procurai abrir-lhe as portas”.

Uma espiritualidade transformadora. Segundo Pierre Lévy a estratificação que a cultura de massa cria, colocando no ápice os que dominam o saber e o poder, na rede online não existe. Diz ainda que a rede eletrônica universaliza sem totalizar, que se constitui um fórum sem manipulação. Não podemos, no entanto, ignorar, que continuam os desníveis culturais, os desvios de conduta, as diferentes questões éticas. Como em qualquer outro meio de comunicação, prevalece a pessoa usuária, com seus valores e contravalores. Fica para o comunicador cristão, o desafio de vivenciar a espiritualidade do testemunho. Deve circular por toda a rede como “luz”, “sal”, “fermento” (Mt 5,14ss). “A presença do Espírito Santo em nós, diz João Paulo II, longe de nos levar a uma “evasão” alienante penetra e mobiliza todo o nosso ser: inteligência, vontade, afetividade, corporeidade, para que o nosso “homem novo impregne o espaço e o tempo com a novidade do Evangelho”.