Educar para os valores

Certa manhã, um sábio foi proferir uma conferência sobre a vida. Uma enorme platéia o aguardava. Ele era um homem conhecido pelo ser grande poder de discernimento. No início do evento, o palestrante foi convidado a subir à mesa.

Após se posicionar no local que lhe foi reservado, o homem olhou calmamente a sua assistência e, antes que pudesse dizer qualquer coisa, um rouxinol pousou na janela do salão e se pôs a cantar alegremente. Alguém quis espantar o visitante ‘inoportuno’, mas foi logo impedido pelo sábio. A ave, então, pôde chilrear à vontade, durante um longo período. Quando o rouxinol parou de cantar e partiu, o conferencista olhou mais uma vez para as pessoas na platéia e disse: ‘Isso é tudo o que poderia ser dito sobre a vida nesta manhã. Está encerrada a palestra’.

Esta parábola é um bom exemplo do tipo de resultado que a verdadeira educação deve produzir nos seres humanos. O homem educado deveria ser capaz de ouvir a mensagem de vida transmitida por um pássaro, pelo bailado de uma folha ao vento, pelas ondas verdes que desfilam na paisagem da estrada.

É tarefa da educação melhorar a qualidade humana de todos os indivíduos confiados aos seus cuidados. Não são, portanto, os conteúdos ‘técnicos’ que devem vir em primeiro lugar, mas sim uma constelação de valores éticos e espirituais capazes de orientar, adequadamente, a aplicação dos conhecimentos científicos acumulados pela humanidade de tal modo que o bem estar comum seja garantido por um sentido de responsabilidade coletiva e de altruísmo.

Educar apropriadamente é favorecer o aparecimento de sentimentos nobres, puros e alegres no caráter dos estudantes. É, em síntese, criar as condições empíricas para o surgimento da santidade.

Infelizmente, muitas escolas, de todos os níveis de ensino, não se apercebem disto e elegem, como objetivo principal de seus projetos pedagógicos, a inserção dos seus alunos no mercado de trabalho. Em outras palavras, a obtenção da sobrevivência material e do lucro financeiro é colocada acima dos valores defendidos por todas as grandes tradições religiosas e pelas mais respeitáveis concepções moralistas do mundo.

Muitas escolas subvertem o imperativo presente no Capítulo 12, versículo 31 do Evangelho Segundo Lucas e orientam os seus estudantes a buscarem primeiro os acréscimos e não o ‘Reino de Deus‘.
Não podemos chamar de educação um adestramento que estimula o homem tão somente a competir, com os seus semelhantes, em busca de notoriedade, poder e dinheiro.

Não há nada de errado com o dinheiro. Ser sábio não é fazer apologia ao pauperismo. Há um provérbio italiano que diz ‘se o dinheiro não traz felicidade, imagine a miséria…’

O dinheiro pode ser um instrumento divino. Deus confia, ao homem, a administração de determinados recursos para que ele ajude aos seus semelhantes, e não para que ele apenas os acumule sem um objetivo construtivo. Também as funções políticas, em si mesmas não são más. Mas, só são boas se exercidas de maneira íntegra, visando ao bem comum, e não a interesses individuais e corporativos.

Contudo, apesar de serem indispensáveis para a formação de uma boa conduta moral nas crianças e nos jovens, os valores humanos não parecem ocupar um lugar de prestígio nos programas escolares. Ao contrário, eles são muitas vezes relegados a um plano terciário e os seus defensores, no âmbito destas instituições são, não raramente, penalizados com a ridicularia ou com a demissão. Hoje, o tipo de educação disponibilizado para as gerações mais novas não pode ser eximido de uma co-responsabilidade nos descaminhos sociais e morais da humanidade.

Todos podem perceber, claramente, que o mero progresso científico e econômico não pode garantir a felicidade. A despeito dos avanços científicos, centenas de milhares de aldeias no mundo permanecem sem energia elétrica, milhões de indivíduos ainda se dedicam a trabalhos extenuantes para a garantia da sua sobrevivência e outros tantos morrem de doenças medievais, que poderiam ser facilmente evitadas com políticas sanitárias muito simples. Soluções para problemas primários, esbarram em questões como o gasto excessivo com a defesa nacional ou como a preferência da indústria farmacêutica pela pesquisa e fabricação de medicamentos para a impotência e obesidade em vez de remédios que poderiam salvar dezenas de milhões de vidas de povos do terceiro mundo, tudo por causa do lucro. Todos são capazes de perceber que o impasse não é técnico, mas ético. Todos podem ver inequivocamente que uma pedagogia burocrática, humanamente descomprometida e sem alma não é capaz de dar conta das dores existenciais mais profundas que atingem os seres humanos.

No Brasil, a lacuna entre a ética e a educação escolar se tomou tão aguda que não pôde deixar de ser contemplada por um documento oficial do Ministério da Educação. Numa tentativa de reabilitar a função formativa da escola, o volume oito dos Parâmetros Curriculares Nacionais, apresenta e discute os ‘temas transversais’, ou seja, os conteúdos que devem perpassar todo o currículo escolar como forma de contextualizar as disciplinas na ambiência das mais urgentes questões sociais. Entre os temas eleitos por este texto governamental estão a Ética, o Meio Ambiente, a Pluralidade Cultural, a Saúde e a Orientação Sexual. O que leva um jovem de classe média a incendiar um outro ser humano que dormia numa parada de ônibus? Por qual razão adolescentes se divertem jogando batata frita no chão enlameado de um estacionamento de lanchonete, a fim de que crianças famintas as disputem para comer? Certamente, estes jovens tiveram acesso a informações acerca do corpo humano e sabem que lama de estacionamento não é um bom alimento, assim como também sabem que atiçar fogo no corpo de uma pessoa não é bom para saúde. De certo modo, todas as informações recebidas na escola permaneceram numa dimensão, meramente, livresca. Nem por um momento, estes jovens se convenceram de que os seus corpos têm uma natureza semelhante a dos mendigos que dormem nas ruas, ou a dos organismos das crianças que pedem esmolas. Se a função da educação não é engendrar um sentimento de solidariedade e de empatia entre as pessoas, formando o caráter e a consciência das gerações mais recentes, qual é então a sua função?

A educação não é tão somente uma discussão conceitual, deve ser sim uma revolução espiritual nos corações e mentes de todos os seres humanos. Uma revolução da paz, do amor, da não-violência, da retidão e da verdade. Como forma de resgatar a profunda descaracterização da qual a educação foi vítima, o Grande líder espiritual e educador indiano Sri Sathya Sai Baba, criou o Programa de Educação em Valores Humanos. Apoiado em bases macroecumênicas e numa ética universal, este programa visa erradicar da humanidade a intolerância religiosa e ideológica, o individualismo exacerbado, o ultra-hedonismo que conduz a comportamentos auto-destrutivos e a um consumo irresponsável, os ódios que ameaçam a sobrevivência da nossa espécie e todos os comportamentos não condizentes com a santidade inerente ao espírito humano.

Para tanto, Sri Sathya Sai Baba criou um plano de ação educacional que contempla o ser humano em suas múltiplas expressões. O Programa de Educação em Valores Humanos tem reverberação em todos os campos de atuação do indivíduo, seja na arte, na religiosidade, na vida social e pessoal, na esfera familiar ou no ambiente acadêmico.

Esta concepção educacional, não considera o indivíduo como um ser fracionado, mas sim como um todo. Os valores humanos tangenciam toda a vida do homem, não apenas a vida escolar. O serviço à humanidade e a relação com os semelhantes são aspectos fundamentais deste programa pois a felicidade individual está diretamente vinculada à responsabilidade que temos com os outras. A prática do bem se torna um imperativo. O serviço nascido da compreensão e do amor transforma-se no maior prazer do indivíduo educado sob a égide deste novo paradigma. A autodisciplina e o limite aos desejos são propostos em substituição à busca desenfreada pelo prazer, subliminarmente transmitida em outras propostas pseudopedagógicas. A excelência é apresentada como fruto do domínio de si mesmo, do controle sobre os sentidos. O jovem submetido ao Programa de Educação em Valores Humanos aprende a controlar as suas ações e a converter os sentidos em seus servidores e não em seus patrões.

Aprendendo a lidar com sua mente, o homem consegue reunir muito mais energia para as importantes tarefas que tema realizar. Só com silêncio, oração e serviço, o indivíduo pode se libertar do circuito de pensamentos que o faz perseguir, inutilmente, desejos sucessivos e ininterruptos, num círculo vicioso que lhe rouba força vital e energia. Diz Sathya Sai Baba: ‘A mente é um fardo de desejos. Limpa os fios que os amarram e a mente ficará limpa e pura’. Os desejos e os apegos tornam a mente obtusa, por isto é preciso ensinar às crianças e aos jovens a lidar com os seus desejos em conflito, para que, assim, elas possam assimilar outros conteúdos de forma mais eficiente. A disciplina necessária para se viver bem, raramente é lembrada nas escolas convencionais, porém, numa instituição que paute o seu projeto pedagógico do Programa de Educação em Valores Humanos, este é um traço essencial. Pois, viver sem disciplina é semelhante a participar de uma partida de futebol sem regras. A educação para a formação do caráter, tem como enfoque principal os valores humanos fundamentais, que são a garantia da felicidade integral do indivíduo. Cultivados estes valores de qualidade, o indivíduo se habilita a tomadas de decisão muito prudentes. Com o exercício de uma disciplina pessoal associada à vida escolar, o aluno aprende a discernir, a descobrir a diferença entre o certo e o errado.

A responsabilidade sobre os próprios atos é ensinada através de apólogos e historietas de todas as religiões, como forma de valorização da diversidade cultural e espiritual da humanidade. A criança, desse modo, aprende a amar e respeitar todas as expressões religiosas sem abrir mão de sua identidade.

Um aspecto basilar da metodologia de ensino dos Valores Humanos é a coerência entre pensamentos, palavras e ações. É feita uma única exigência ao professor que segue esta orientação educacional, a de que vivencie e pratique, com todas as suas forças, aquilo que ele está veiculando.

É conhecida a grande facilidade com que as crianças assimilam exemplos e atitudes. Pensando nisso, Sathya Sai Baba recomenda que os Valores Humanos sejam trabalhados a partir de canções, de peças teatrais e também de parábolas, onde as crianças possam vivenciar papéis éticos.

Mesmo entre adultos, um longo discurso verborrágico sobre as virtudes, ainda que bem preparado, não surte o mesmo efeito que exemplos concretos. São Francisco de Assis disse certa vez: ‘As palavras podem convencer, mas só os exemplos arrebatam’.

Além do que, a Neurolingüística descobriu que muitas pessoas são pouco acessíveis pela via ‘expositiva’, sentido mais facilidade de aprenderem e assimilarem novos conteúdos, por exemplo, através de imagens que estimulem a sua visão. Às vezes, o que o discurso só alcança depois de quilômetros, o exemplo atinge em poucos metros.

Embora o Programa de Educação em Valores Humanos sugira diversas técnicas e metodologias de trabalho, inclusive com Programas de Curso e Planos de Aula, diligentemente elaborados, a pedra fundamental de todo o projeto é o amor com que o professor encara a sua tarefa e os seus alunos. Com os corações cheios de amor, os professores obtêm um acesso garantido aos corações e mentes dos estudantes. As crianças, que são mais atentas e despertas do que os adultos, percebem quando um professor dá uma aula sem amor e entusiasmo e, interiormente, ficam indispostas a colaborar com qualquer tipo de trabalho desenvolvido na escola. Para obter a confiança das pessoas é preciso amá-las e favorecer a sua auto-estima com palavras gentis e animadoras. Todas os indivíduos desejam ter o seu lado bom realçado por alguém. As pessoas desejam que o bem dentro delas seja observado. Quando agimos assim, os outros se sentem valorizados e passam a gostar de nós. Sempre que olhamos o mundo com os olhos da compaixão, o mundo responde com um gesto carinhoso.

Dentro do Programa de Educação em Valores Humanos, o amor é considerado como um dos cinco pilares sobre os quais todo este esforço transformador se estrutura. Os outros são: Retidão, Verdade, Paz e Não-Violência.

Para que possamos realizar, com alegria e boa disposição, o quer que seja, precisamos de amor. Disse um sábio Sufi que é o amor que faz com que os átomos entrem em entendimento, gerando a luz. É o amor também que produz a música, através da interação das notas musicais, é o amor que mantém o equilíbrio de todas as coisas: das células aos sóis.

A centelha do amor está presente em tudo. Jesus disse, textualmente, que até mesmo os maus amam. Na medida, em que são maus e ignorantes amam apenas ‘os seus’. Contudo, quando vão se inteirando melhor da Lei Universal de Amor, que vigora em todo o universo, vão descobrindo que o amor verdadeiro deve se dirigir as criatura, e então deixam de ser maus.