Deus e o homem

Solicitado a escrever sobre Deus e o homem, neste início de 2003, é com prazer que o faço, pedindo ao Espírito me seja dado expressar com justeza essa relação maravilhosa.

O grande escritor e místico francês, Pascal, foi muito pessimista por respeito ao “Deus dos filósofos”. Dizia que o Deus dos filósofos é frio e, por isso mesmo, inútil. O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, porém, é um Deus capaz de suscitar “certezas, sentimentos, alegria e paz”.

Com a imagem da filosofia que se tem ainda hoje, esse pessimismo perdura. Está condicionado a um conceito demasiadamente orgulhoso e irrealista de filosofia, que impera na cultura atual. Escrevi, entretanto, um livro, Minha pequena filósofa, minha pequena filosofia, dizendo que a filosofia é uma ciência que nos deve educar para atitudes mais realistas. São as atitudes que as crianças nos ensinam, quando perguntam pelo significado de tudo quanto vêem. Tais atitudes não nos afastam de Deus, ao contrário, nos preparam a mente e o coração para acolhê-lo.

Acolher a Deus, este é o começo de nosso relacionamento com o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó. Com um imenso acréscimo, entretanto, pois, “muitas vezes e de diversos modos outrora falou Deus aos nossos pais pelos profetas. Ultimamente nos falou por seu Filho…” (Heb 1,1-2).

Nossa religião cristã, é a religião de Jesus Cristo, o Filho Deus. Esta religião é o inverso das demais religiões humanas. Adverte-nos sobre isso a Carta Apostólica de João Paulo II, Tertio Millenio Adveniente, aos números 6 e 7. Isto é, enquanto as demais religiões representam o esforço, as dinâmicas e técnicas que o homem emprega para aproximar-se da divindade e se tornar, se possível, sempre mais divino, nossa religião cristã, ao contrário, representa, por assim dizer, o esforço que Deus fez para vir em socorro da humanidade.

Santo Tomás de Aquino repetiu, na festa do Corpo de Deus, uma afirmação maravilhosa, já feita pelos mais antigos Santos Padres. Escreveu: “O unigênito Filho de Deus, querendo fazer-nos participantes da sua divindade, assumiu nossa natureza para que, feito homem, dos homens fizesse deuses” (Liturgia da Horas, Vol. III, p.550).
Deus veio em nossa busca como o bom pastor busca a ovelha extraviada, como a mulher procura a moeda perdida, como o pai procura e aguarda ansioso a volta do filho pródigo (Lc 15).

Uma coisa é importante e fundamental no nosso relacionamento com Deus: acolher aquele que vem ao nosso encontro, que vem à nossa procura, com solicitude de mãe. O que mais o Senhor busca é ser acolhido.

A queixa mais amarga de Deus é de não ser acolhido. Queixa-se o prólogo de São João: “Ele estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam…” (Jo 1,10-11).

Todo o empenho de Jesus foi de fazer-se reconhecido e acolhido. Em seus últimos dias, “aproximando-se ainda mais, Jesus contemplou Jerusalém, e chorou sobre ela, dizendo: ‘Oh! Se também tu, ao menos neste dia que te é dado, conhecesses o que te pode trazer a paz!… Mas não, isso está oculto aos teus olhos’…”. Grandes males cairão sobre ti Jerusalém, “porque não conheceste o tempo em que foste visitada” (Lc 19,41s).

Há, entretanto, os que acolhem Deus, através de Jesus, e há, ainda, os que passam a vida não o acolhendo. Quando os discípulos lhe perguntaram por que falava em parábolas, Jesus respondeu: “A vós é revelado o mistério do Reino de Deus, mas aos que são de fora tudo se lhes propõe em parábolas; deste modo, eles olham sem ver, escutam sem compreender, sem que se convertam e lhes seja perdoado” (Mc 4,10-12).

Quem seriam “os de fora”? Seriam aqueles para os quais a compreensão do Reino “estava oculta aos seus olhos”. Não tinham olhos para ver. Quem, então, não tinha olhos para ver? Jesus dá uma explicação completa: “Eu te bendigo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequenos. Sim, Pai, eu te bendigo, porque assim foi do teu agrado” (Mt 11,25-26).

Os “de fora” seriam, então, os que se consideram sábios e entendidos. Mas, em seguida, Jesus dá outra razão, ainda mais profunda. Diz-nos que o reconhecimento e o acolhimento de Deus consiste num dom, numa revelação. Uma revelação que só é feita por quem conhece, pois, “ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelá-lo” (Mt 11,27).

Ainda, “ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, não o atrair” (Jo 6,44).

Riquezas sem fim acontecerão para aqueles que acolherem Jesus. Pois, “todos aqueles que o receberem, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, mas sim de Deus” (Jo 1,12). Filhos de Deus, “participantes da natureza divina” (2Pd 1,4), outros cristos, segundogênitos, “conformes à imagem de seu Filho, a fim de que este seja o primogênito entre uma multidão de irmãos” (Rom 8,29).

Sendo filhos de Deus, outras riquezas se juntam: “quem crê em mim, como diz a Escritura: ‘do seu interior manarão rios de água viva’” (Jo 7,38).

O relacionamento do homem com Deus, sobretudo, depois de Jesus, está todo ele sinalizado por essas balizas. Trata-se menos de esforços por nos aproximar de Deus, por conquistar Deus, e muito mais de atitude de acolhimento, pois, “toda dádiva boa e todo dom perfeito vem de cima: desce do Pai das luzes…” (Tg 1,17).