COMO UM SAGRADA ESCRITURA

“O poustinik, o habitante de um poustinia, o ermitão, começava a sua nova vida com a idéia fundamental de que existe apenas um livro que lhe possa ensinar a respeito de Deus. Ele crê firmemente que o único caminho para chegar a Deus vai por trilhas de humildade, simplicidade e pobreza. Escolhe esse caminho no silêncio e na oração; aí espera pacientemente até que o Senhor escolha a hora certa para revelar-se a ele. Assim sendo o poustinik levava para a solidão apenas um livro: a Bíblia. E a lia de joelhos, como um livro de oração, completamente alheia a questões tecnológicas e acadêmicas. Para ele o livro santo era a encarnação da Palavra divina e, como tal, uma existência inteira não bastaria para sua leitura. Cada vez que o abria, com mãos trêmulas de emoção e de fé, tinha a convicção de que se punha na presença de Deus, face a face com a Palavra, o Verbo!”.

Sim, o poustinik lê a Bíblia sempre de joelhos e o faz mais com o coração do que com a cabeça. A palavra escrita passa pela sua inteligência, mas não demora aí, indo logo ao coração e deixando-lhe um sentimento de paz e felicidade comparável ao sabor do mel na boca. Ele lê sem analisar, saboreando-a internamente, dando tempo à palavra para descer até às profundezas de sua alma. Talvez ajam dias em que não leia mais do que uma página ou meia… Pode ser também que não chegue a isso, ficando em uma frase só, rica demais em conteúdo. É importante que cada palavra seja guardada no coração e meditada com cuidado, como fazia Maria, mãe de Cristo’ no relato do evangelista: ‘Maria conservava todas estas palavras em seu coração, meditando-as profundamente.’ (Lc 2,19).

Quando a Virgem ouviu a saudação do Anjo’ não entendeu totalmente o seu sentido no momento’ nem toda a sua projeção sobre o futuro. Simplesmente disse ‘Fiat’. Tampouco entendeu as palavras de Cristo, aos doze anos, no templo. Mas guardou-as para meditar depois. É o que faz o poustinik: ele guarda as palavras de Deus no coração e fica numa espera tranqüila, silenciosa, cheia de paz. Eis porque se pode dizer que este nosso eremita do poustinia aprende a conhecer a Deus. Ele não deseja aprender algo sobre Deus, mas sim aprender o próprio Deus, se a gramática nos deixasse falar assim ou apreender o próprio Deus “se a Teologia nos deixasse dizer isso!”.

Por que na profundeza do silêncio de quem procura e espera, Deus sempre se releva e se manifesta e o faz muito mais cedo e mais depressa do que quando vê alguém se esbaforindo em buscas intelectuais, forçando as portas do Absoluto ou procurando rasgos na espessa cortina do Mistério. Nada disso: o poustinik, o homem ou mulher do retiro, do silêncio, da solidão fica prostrado, esperando que Deus se explique ou lhe explique o que ele quiser. Tranqüilamente, ele espera a Transfiguração do Cristo, como aconteceu com os discípulos de Emaús. Seu coração sentirá o mesmo ardor que sentiram estes discípulos “.

Eduardo Rocha Quintella
Fraternidade S. J. da Cruz OCDS- BH Adorador noturno Boa Viagem
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