Cardeal fala aos brasileiros sobre política

Em nível federal e estadual, nós, brasileiros, vivemos momentos de grave responsabilidade e preocupação com o amanhã. Queiramos ou não, uma parcela de nosso futuro próximo está na dependência dos eleitores, de seu discernimento na ocasião da escolha dos dirigentes de nossa Pátria e Estado. Examinando, com objetividade, o processo eleitoral em curso, vê-se permanecerem em segundo plano as grandes questões que afligem a sociedade. Não é convincente uma real e honesta viabilidade das soluções propostas. Os critérios da justiça e moralidade às vezes não são tomados na devida consideração. O apelo religioso é utilizado com objetivos partidários. O motivo nem sempre é o zelo apostólico, mas freqüentemente o interesse político. Há uma procura dos votos protestantes, sem distinguir as seitas, das respeitáveis denominações evangélicas.

O Concílio Vaticano II, com a Declaração “Dignitatis Humanae” sobre a liberdade religiosa, nos adverte: “Jamais se lese, aberta ou ocultamente, por motivos religiosos, a igualdade jurídica dos cidadãos, que faz parte do bem-comum da sociedade, nem haja entre eles discriminação”. Acresce ser a observância fiel dessa doutrina, por parte dos católicos, ou não-católicos, fundamental ao ecumenismo, que jamais deve ser prejudicado por atritos; estes são comuns em uma campanha política, que tem por finalidade não a comunhão entre os homens mas a vitória de um partido. O período eleitoral, do qual participam cristãos gera a divisão e animosidade, legítimas em um partido, mas prejudiciais em uma comunidade religiosa.

Neste período que antecede as eleições, merece severo exame o comportamento de candidatos que, em sua campanha, apelam para a crença que professam. Faz-se mister uma verificação em profundidade, se optam por servir o bem-comum, o Evangelho, ou buscam vantagens materiais beneficiando-se da propaganda religiosa.

Dentro do quadro eleitoral, devemos também ouvir e acatar o convite da Igreja aos poderes políticos para que refiram seus juízos e decisões à verdade sobre Deus e sobre o homem. (Catecismo da Igreja Católica, nº 1244) Estudando este assunto, deparei-me com um documento de João Paulo II, publicado a 1º de maio de 1991, a encíclica “Centesimus Annus”, por ocasião do centenário da “Rerum Novarum”, Carta Magna da causa do operariado, lamenta que as questões levantadas segundo o bem comum, sejam vistas à luz de critérios alheios aos objetivos da sã política. Como conseqüência, “semelhantes desvios da prática política geram, com o tempo, desconfiança e apatia e, conseqüentemente, discriminação da participação política e do espírito cívico, no seio da população, que se sente prejudicada e desiludida” (nº 47).

Na mesma encíclica (45 e 46), o Papa João Paulo II já adverte que, sobre o ponto de vista democrático, não pode ser aceito “que a verdade seja determinada pela maioria ou seja variável, segundo os diversos equilíbrios políticos. A este propósito, é necessário notar que, se não existe nenhuma verdade última, que guie e oriente a ação política, então as idéias e as convicções podem ser facilmente instrumentalizadas para fins de poder. Uma democracia sem valores, converte-se facilmente num totalitarismo aberto ou dissimulado, como a História demonstra. A Igreja também não fecha os olhos diante do perigo do fanatismo ou fundamentalismo daqueles que, em nome de uma ideologia, que se pretende científica ou religiosa, defendem poder impor aos outros homens a sua concepção de Verdade e de Bem.” Não sendo ideológica, a fé cristã não presume encarcerar num esquema rígido a variável realidade sócio-política!

A realidade, hoje, no Brasil, parece confirmar, por fatos, essa doutrina do Magistério pontifício. A animosidade contra a Igreja, independentemente do período eleitoral, é conseqüência de sua fidelidade aos ensinamentos de Cristo, seu Fundador. Ele já havia advertido seus discípulos, muitas vezes: “Eu vos disse tais coisas para terdes paz em mim. No mundo, tereis tribulações, mas tende coragem, eu venci o mundo”, como lemos no Evangelho de São João (16,33) e ainda no Evangelho de São Mateus (5,10-12): “Bem-aventurados sois, quando vos injuriarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e regozijai-vos, porque será grande a vossa recompensa nos céus”.

E assim sucedeu, como relata a História desde os primeiros séculos. Quando os cristãos ainda não se distinguiam dos judeus, parece que a mensagem dos discípulos de Cristo não só provocava reações entre muitos israelitas, mas também chamava a atenção e, não raro, a violenta oposição dos pagãos. O historiador romano, Suetônio, escreve ao imperador Claudio (ano 41 a 54); “(…) por causa das inquietações que “um certo Cresto” tinha provocado”.

Os historiadores, em geral, identificam esse fato com o apresentado pelos Atos dos Apóstolos: “Depois disso, Paulo afastou-se de Atenas e foi para Corinto. Lá encontrou um judeu chamado Áquila, natural do Ponto, recém-chegado da Itália, com Priscila, sua mulher. Em vista de Cláudio ter decretado que todos os judeus se afastassem de Roma” (Atos, 18,1-2). E o imperador Nero (54-68), um homem devasso, megalomaníaco e escravo dos mais baixos vícios, para não perder a simpatia das massas, dirigiu as suspeitas pelo incêndio de Roma, que caíam sobre ele, para os cristãos, segundo nos relata o historiador Tacito (Anais, 15.44).

Nesse período que precede as eleições, convém refletir sobre essas considerações. Recordemos que, do resultado da votação dependerá o bem-estar de toda a Nação, do Estado e também da vida religiosa. A seguir, excluir quem, pelo seu passado e por atitudes no presente, possa utilizar o mandato em prejuízo do bem-comum e dos legítimos direitos da fé cristã.

Cardeal Eugênio de Araújo Sales
Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro