Cardeal Cláudio Hummes: A água viva

Irmãos e irmãs!

O Espírito Santo é apresentado mediante uma variedade de símbolos nas Sagradas Escrituras, entre os quais o símbolo da água. No evangelho do próximo domingo, Jesus, no encontro com a samaritana, chama o Espírito Santo de “água viva” e “água que jorra para a vida eterna” (Jo 4, 14).

O simbolismo da água atravessa também as escrituras do Antigo Testamento. Por ser a água fundamental para a purificação e para a vida, por isso ela aparece muitas vezes como símbolo da restauração do povo israelita. Deus derramará águas em abundância, águas purificadoras, que lavarão o coração do homem e o levarão a uma vida nova, como fiel cumpridor da aliança com Deus, conforme se lê no profeta Ezequiel, em que Deus diz ao povo:

“Derramarei água sobre vós e ficareis puros (…). Dar-vos-ei um coração novo, porei no vosso íntimo um espírito novo, tirarei do vosso peito o coração de pedra e vos darei um coração de carne. Porei no vosso íntimo o meu espírito e farei com que andeis de acordo com meus estatutos e guardeis as minhas normas e as pratiqueis. Então habitarei na terra que dei a vossos pais; sereis o meu povo e eu serei o vosso Deus” (Ez 36, 25-28).

Numa profecia sobre os tempos messiânicos, que trarão nova vida aos homens, em Isaias se lê que Deus “enviará chuva à sementeira que semeaste no teu solo, e o pão – produto do solo – será rico e nutritivo” (Is 30,23) e mais adiante se lê: “Os pobres e os indigentes buscam água, e nada! (…). Não os abandonarei. Farei jorrar rios por entre montes desnudos e fontes por entre vales. Transformarei o deserto em pântanos e a terra seca em nascentes de água” (Is 41, 17-18).

Nos Evangelhos, Jesus realiza estas profecias e traz ao mundo esta água purificadora e vivificante, que é o próprio Espírito Santo, como no seu encontro com a samaritana. Este simbolismo da água chega ao seu pleno sentido no sacramento do batismo, em que nos é dado o Espírito Santo, o qual nos faz nascer de novo, “nascer do alto”, transformando-nos em filhos de Deus e templos da Santíssima Trindade. Pelo batismo há em nós aquela “fonte de água que jorra para a vida eterna”, que é o Espírito Santo. Assim Tito, em sua carta, pôde dizer que “fomos lavados pelo poder regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3, 5).

Deus é a fonte da vida para o ser humano. Sem Ele, nos tornamos terra árida e sem água (cf. Sl 143,6). Em conseqüência, suspiramos por Deus como a corça suspira pelas águas correntes (cf. Sl 42,2). Mas com Deus, somos “qual um jardim regado, como uma fonte borbulhante cujas águas nunca faltam” (Is 58, 11).

No diálogo de Jesus com a samaritana, o simbolismo da água se adequou perfeitamente à circunstância. De fato, Jesus com seus discípulos estava em longa viagem, da Judéia para a Galiléia, e neste momento atravessava a Samaria. Estavam todos cansados da viagem, com fome e sede. Jesus mandou os discípulos comprarem pão na cidade de Sicar, onde haviam chegado. Ele ficou fora da cidade, junto ao famoso poço de Jacó, que ali se situava. Uma mulher samaritana chegou naquela hora para tirar água do poço. Jesus pede à mulher que lhe dê um pouco da água para beber. Foi então que se iniciou o diálogo sobre a água. Jesus afirma à samaritana que Ele é o Messias e que traz uma água viva, que regenera para a vida eterna. Esta água é o Espírito Santo, que será dado para aqueles que n’Ele crerem e é fruto da Morte e Ressurreição de Jesus. É a água da salvação, que purifica e dá nova vida.

No final deste diálogo, chegam os discípulos com o pão que foram comprar e oferecem a Jesus, mas Ele diz: “O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra” (Jo 4, 34). De fato, Jesus fará qualquer sacrifício, até mesmo a morte na cruz, para realizar a missão que o Pai lhe entregou. É este “fazer a vontade de quem me enviou”, que realmente o levou à cruz e que possibilitou aos homens novamente o acesso à fonte da água viva, que é Deus.

Na quaresma é bom meditar nesta livre disposição de Jesus de enfrentar até mesmo a morte de cruz para nos salvar. Também a vida do cristão é sempre marcada, de um modo ou outro, com a cruz. É preciso assumi-la, com a certeza de que ela traz salvação para quem a assume como participação na cruz do Senhor. Dela brota água viva, que jorra para a vida eterna. E lembremos o que disse Santa Teresa: “A cruz que se carrega, é mais leve do que a cruz que se arrasta”.

Dom Cláudio Cardeal Hummes
Arcebispo de São Paulo