Aos homens de boa vontade

A Semana Santa não se esgota no alto do Calvário, na morte do Justo, na aparente derrota de Jesus Cristo. Integra esse drama a vitória da Ressurreição. Exaltar somente a Cruz seria um desvio do plano de Deus. Na suprema súplica do Crucificado, em sua entrega total: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”, o sofrimento recebe o significado da mais sublime liturgia, do mais perfeito culto a Deus Pai. Abre-se em um abraço de amor a toda angústia humana, que deve ser redimida e vencida.

O passo seguinte, que integra esse acontecimento, é a pedra do sepulcro que se move, a vida que retorna ao Corpo torturado, a Luz divina que vence as trevas. Cristo ressuscitou! Com a Redenção da humanidade, foi proporcionado a todos os homens de boa vontade, uma fonte inesgotável de esperança que gera o otimismo, um foco inextinguível de paz em meio às maiores turbulências que flagelam a criatura humana. E isto até ao final dos séculos.

O fiel não está isento do sofrimento, fruto da desordem introduzida na História pelo pecado. Foi definitivamente derrotado, mas não suprimido. Para o cristão, o sofrimento, pelo menos aquele que não podemos superar por meios conformes à lei de Deus, é como um convite à misteriosa participação, com Cristo, em seu culto a Deus Pai em sua entrega redentora, em favor da humanidade. Seja qual for a forma de nosso sofrer, sempre que nossa cruz estiver vinculada àquela onde morreu Jesus, no alto do Calvário, torna-se um canal de graça divina. Ocorre então, uma extraordinária participação nessa fonte salvadora. Assim se expressa São Paulo: “Completo em minha carne o que falta à Paixão de Cristo” (Cl 1,24).

Portanto, se a nossa dor é suportada em união com Ele, é o caminho para uma eterna comunhão com o Cristo vencedor, vitorioso por toda a eternidade. São Paulo afirma: “Incessantemente e por toda a parte trazemos em nosso corpo a agonia de Jesus, a fim de que a vida de Jesus seja também manifestada em nosso corpo” (2 Cor 4,10). E o Apóstolo acrescenta: “Por isto não nos deixamos abater. Pelo contrário, embora, em nós, o homem exterior vá caminhando para a ruína, o homem interior se renova dia a dia” (2 Cor 4,16).

A fé cristã tem seu alicerce sólido na realidade da Ressurreição de Cristo. São Paulo é peremptório: “Se Cristo não ressuscitou, vã é vossa fé” (1 Cor 15,17). A celebração da vigília da Ressurreição do Senhor, na Noite Santa, antes do alvorecer do domingo é definida por Santo Agostinho (Sermão 219) como “a mãe de todas as vigílias”. Trata-se da mais nobre das solenidades do ano litúrgico. O Concílio Vaticano II (“Sacrosanctum Concilium” nº 106) diz: “Devido à tradição apostólica, que tem sua origem no dia mesmo da Ressurreição de Cristo, a Igreja celebra cada oitavo dia o mistério pascal”. Santo Atanásio denominou o dia da Ressurreição do Senhor como “o grande domingo”. O Catecismo da Igreja Católica, (nº 1.169) ensina: “O mistério da Ressurreição, no qual Cristo esmagou a morte, penetra o nosso velho tempo com a sua poderosa energia, até que tudo lhe seja submetido”.

A celebração do domingo da Ressurreição alimenta o otimismo, ao fortalecer a esperança, resultante da fé cristã. Cristo venceu a morte, e nós, com Ele, temos garantida a vitória final. Todas as agruras de nossa vida, os contratempos e adversidades, derrotas e angústias adquirem outra dimensão à luz de Cristo, vencedor da morte. Toda a história da Igreja, dois milênios de perseguições externas e debilidades em seu interior, é uma demonstração viva e perene do poder do Crucificado. Vejo de modo mais convincente a proteção de Jesus à Sua obra, quando reflito na fragilidade humana, presente no decorrer dos séculos.
Quando, na Cátedra de Pedro, está um Pastor da envergadura humana e religiosa de João Paulo II, não causa maior surpresa o extraordinário sucesso de seu Pontificado, mesmo sendo ele apenas um instrumento de Deus para governar sua Igreja. Em tempos passados, nem sempre foi assim. E no entanto, em matéria fundamental jamais houve desvio da rota traçada pelo Fundador. As sombras demonstram o cumprimento da promessa de Jesus: “As portas do inferno não prevalecerão” (Mt 16,18).

A certeza dessa sobrevivência é fator de tranqüilidade, de otimismo cristão ao garantir elementos indispensáveis a um futuro promissor. São Paulo, falando aos judeus, em Antioquia da Pissídia, sublinha a importância da Ressurreição de Jesus: “Quanto a nós, anunciamo-vos a boa nova: a promessa feita aos nossos pais, Deus a realizou plenamente para nós, seus filhos, ressuscitando Jesus” (At 13,32-33). Diz São Pedro, no seu discurso por ocasião de Pentecostes: “A esse Jesus, Deus o ressuscitou. E disso tudo nós somos testemunhas (…) Ele recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e o derramou” (At 2,33).

Essa sentença fortalece a esperança cristã e alimenta no fiel um sadio otimismo que nasce da fé. O cristão é chamado a viver sua crença, a enfrentar os obstáculos de um mundo adverso, e o faz com coragem e alegria, pois deposita sua confiança na vitória de Jesus sobre a morte. A Páscoa abre imensas perspectivas, mesmo em meio às dificuldades, pois o fiel sabe que está vinculado a Cristo ressuscitado.

Os dois comentários da Semana Santa, este e o anterior, nos aproximam do Redentor e também do mundo sofrido, desejoso de salvação, de perdão, de paz, de esperança e de imortalidade.Infelizmente, com freqüência, busca o que deseja onde nada de duradouro e de bom pode encontrar. Em conseqüência, os males perduram e, muitas vezes, crescem em intensidade, tornando a vida quase insuportável. A Ressurreição, após a Cruz, é a certeza de que tudo de nobre, generoso e puro tem um sentido eterno. E o otimismo que daí nasce, facilita uma vida cristã que a Deus conduz.

Cardeal Eugênio de Araújo Sales
Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro