A simplicidade do mistério

Sempre que ouvimos a palavra mistério costumamos pensar que significa algo que não podemos compreender. Sem dúvida que há verdades da fé que não podemos compreender em todo o seu alcance enquanto peregrinamos por este mundo. Mas o termo mistério, em sua etimologia, vem do grego “myein” que significa revelar, mais o sufixo “térion” que significa o lugar ou modo em que se realiza a ação significada. Desejo falar do mistério de Deus que quer se comunicar a nós.

Deus escolheu linguagem e modo humano de se comunicar. Deus não é complicado como nós. Ele é simples. Ele é humilde, como diz São Francisco de Assis. Isso significa: sai de si mesmo, “inclina-se” sobre sua criatura, para comunicar-se primeiramente criando, e a seguir condescendendo, dialogando com sua criatura, fazendo que seu Filho se faça um de nós, revelando todo o seu amor por nós, cuja lógica é a loucura suprema de dar a vida até a morte na cruz.

Para realizar a redenção do homem, criatura livre que se fez pecador, escolheu um caminho que revela as subtilezas do seu amor. Escolheu um povo para do seu meio nascer de uma mulher o Salvador, em tudo semelhante a nós exceto no pecado. Assim a todos os passos da revelação damos o nome de mistérios.

Hoje, detenho-me sobre um dos mistérios que é a escolha de uma mulher, a Virgem Maria para ser mãe de seu Filho feito homem.

Deus a fez uma criatura singular, concebida sem pecado original, e em toda a sua vida isenta de pecado pessoal. Cumulou-a de graças. Associou-a ao próprio Filho para realização de nossa salvação. A tradição constante da Igreja, desde o início, soube contemplar a ternura de Deus, dando-nos também como mãe adotiva à mãe de seu Filho.

Este mês de outubro, dedicado ao rosário de Nossa Senhora, quer nos ajudar a refletir sobre o mistério da salvação por meio da contemplação dos passos de Jesus para a realização do plano de Deus. Tornou-se tradição o uso de uma corrente de contas, que lembram rosas, donde o nome de rosário.

O rosário é composto de 150 contas, ou três terços de 50 contas, cada uma para a recitação amorosa de uma Ave-Maria.

Cada terço lembra o caminho percorrido por Cristo. É uma forma de ajudar a memória de qualquer pessoa, mesmo dos mais simples e também dos iletrados. O terço é dividido em cinco dezenas de contas. O primeiro terço nos leva a meditar os mistérios gozosos ou alegres da anunciação à Maria a respeito da encarnação do Filho de Deus, a visita da Virgem à prima Isabel, o nascimento de Jesus em Belém, a sua apresentação no Templo, a perda e reencontro de Jesus no templo. No segundo, os mistérios dolorosos da paixão e morte de Cristo na cruz. No terceiro, os mistérios gloriosos da ressurreição, ascensão de Jesus, vinda do Espírito Santo, assunção de Nossa Senhora e sua glorificação no céu.

Tudo o que foi escrito sobre Jesus é considerado divino e digno de admiração. O seu nascimento, a sua educação, o seu poder, a sua paixão, a sua ressurreição não tiveram lugar somente naqueles tempos, mas se cumprem também hoje em nós. O nosso ser cristão significa viver da fé. “Bem aventurado aquele que acreditou” que se cumprirão as coisas ditas sobre o Senhor. É para esses que também Maria engrandece o Senhor Jesus. De fato sua alma engrandece o Senhor, o seu espírito engrandece Deus (cf. Lucas 1,46-47).

Maria é o caminho para os mistérios de Cristo, os quais são compreendidos somente na oração. Cristo parece estar muito no alto. A quem é fraco é quase inatingível. A ele vai-se por meio de Maria, humilde e obediente. A eterna Sabedoria, o Verbo, que no princípio estava em Deus, por meio do qual foram feitas todas as coisas, a inteligência divina que presidiu à criação, encarnou-se em uma mulher, em uma simples mulher, em Maria. O seu mérito foi a humildade, a perfeita humildade, a obediência, o espírito de conformidade ao desígnio de Deus.

A oração é a única fonte de possível compreensão do mistério. O rosário reza meditando os mistérios. Crer significa acolher em si o Cristo. A fé se torna perfeita quando Cristo penetra na existência do homem e aí é o único, o tudo. A vida do Cristo é o tema que se repropõe sempre de novo e deve ser desenvolvido em cada um de nós.

“O rosário, em cada Ave Maria recitada, é como o eco de Deus em uma onda que bate na praia. É como a mão da mãe sobre o berço do menino, como o sinal de um abandono de todo raciocínio humano sobre a oração para aceitação definitiva de nossa pequenez e de nossa pobreza. O rosário é um ponto de chegada, não um ponto de partida. Normalmente é uma oração da maturidade espiritual. É a oração contemplativa do Espírito” (Carlo Carreto, Cartas do Deserto).

Deus é simples. O amor é simples. O mistério é simples. Rezemos.

Dom Geraldo Majella Agnelo
Cardeal Arcebispo Metropolitano de Salvador e Primaz do Brasil