A correção fraterna: acusar ou exortar?

“Sede, portanto, perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5, 48). Esta é uma ordem que Jesus nos deu durante o sermão da montanha. Quando lemos os capítulos 5, 6 e 7 do Evangelho de São Mateus, vemos que Jesus nos ensina muitas coisas sobre nosso comportamento com o próximo. Não matar, não cometer adultério, não jurar de modo algum, amar os inimigos, não julgar: algumas maneiras de buscar a perfeição do Pai celeste…. À medida que começamos a praticar as palavras de Jesus, e a buscar esta perfeição, naturalmente começamos a observar mais nossas atitudes e também as atitudes daqueles que caminham conosco.

É neste ponto que devemos estar atentos a mais um chamado de Deus para nós: zelar pela santificação dos que estão a nossa volta?. Zelar!!! Segundo um dos mais populares dicionários, zelar significa “tomar conta de algo com dedicação”. E é isso que devemos fazer com o processo de santidade de cada um. Tomar conta desta caminhada do próximo, com dedicação, para que todos cheguemos ao céu… Zelar não significa querer mandar na vida dos outros, mas evitar que a indiferença nos torne insensíveis ao ponto de não nos importarmos se um irmão ou uma irmã vive longe de Deus. Significa não deixar que o irmão se desvie da vontade de Deus. Significa mostrar ao outro algo que ele não consegue ver, mas que o está afastando de Deus. Significa mostrar a Luz, mostrar o Caminho, a Verdade, a Vida. Significa preocupar-se com o todo, com a implantação do Reino de Deus, que também é nosso (Oração Eucarística V). E significa policiar-se para ser instrumento de conversão e não de discórdia.

É uma atitude muito egoísta nossa, nos preocuparmos apenas com nosso caminho de santidade. Deus quer mais. Quer que estejamos atentos à caminhada de nossos irmãos também. Ele mesmo nos diz isso no livro do Eclesiástico: “Corrige o amigo que talvez tenha feito o mal e diz que não fez, e se o fez, para que não torne a fazê-lo. Corrige o próximo, que talvez tenha dito algo inconveniente; e se o disse, para que não o repita. Sonda o amigo, pois muitas vezes se faz a incriminação sem provas, para que não acredites em qualquer palavra. Há quem falhe na língua, mas não intencionalmente: pois quem há que não tenha pecado com a língua? Indaga o próximo antes de ameaçá-lo, e deixa a Lei do Altíssimo seguir seu curso” (Eclo 19, 13-17). Deus é muito claro. Nos manda corrigirmo-nos mutuamente. Mas não sem sondar, sem verificar antes os motivos de cada um. É esse o exercício que temos que fazer sempre: corrigir sim, mas sem acusar, sem sermos mal-educados e donos da verdade.

Não podemos ser acusadores!!! Temos que ser como Jesus foi com a Samaritana: “Disseste bem que não tens marido. De fato, tiveste cinco maridos, e o que tens agora não é teu marido” (Jo 4, 17-18). À primeira vista, parece uma acusação: Jesus apontando o erro da samaritana… Mas ao lermos este capítulo 4 do Evangelho de São João, dos versículos 1 ao 42, vemos como é nítido amor de Jesus por ela! Ele a acolhe e mostra-lhe o Caminho, a Solução, a Água Viva. A reação dela não é de quem foi acusada de algum erro, mas de alguém que foi contemplado pela ação misericordiosa de Deus: “A mulher deixou a bilha e foi à cidade dizendo às pessoas: ‘Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Não será ele o Cristo?’” (Jo 4, 28-29).

O Evangelho deixa claro para nós a felicidade da samaritana e a vontade de fazer com que outros experimentem o que ela experimentou: enxergar a verdade, que é o próprio Jesus (Jo 4, 39ss). E aí está a grande descoberta: exortar é um ato de amor, de misericórdia! Feliz aquele a quem Deus corrige porque “o Senhor corrige os que ele ama como um Pai, ao filho preferido” (Pr 3,12)

Exortar se torna um ato difícil por causa do egoísmo, da inveja, do respeito humano… e assim colocamos uma linha muito fina entre o que é exortar e o que é acusar… Muitas vezes temos até a boa intenção de exortar, mas não conseguimos. Agimos como aqueles que queriam apedrejar a mulher adúltera, cegos e prepotentes, como se fôssemos menos pecadores que os que estão a nossa volta (Jo 8, 3-9).

Peçamos a Deus a graça do discernimento e da sabedoria, para sermos instrumentos dóceis de correção fraterna! Observemos, então nossos atos. Se, ao corrigir alguém, buscamos levar nossos irmãos para o céu conosco, estamos exortando. Se buscamos agradar nossas vontades, nossos gostos, nossa maneira de ser ou pensar, então estamos acusando. E neste ponto podemos enumerar algumas diferenças entre exortação e acusação, baseadas em nossas atitudes. Quem exorta também ouve. Quem acusa só fala, critica e dá ordens. Quem exorta mostra os erros, mas busca e enfatiza as soluções. Quem acusa geralmente não conhece soluções ou nem pensou nelas. Quem exorta caminha junto. Quem acusa abandona.

A exortação leva ao crescimento, a acusação à destruição do próximo. Quem exorta pode fazer grandes amizades. Quem acusa gera indignação e inimizade. Quem exorta anima e dá coragem. Quem acusa frustra e fere a auto-estima do próximo. Aquele que exorta se humilha porque pode não ser escutado, e exalta o próximo porque quer vê-lo no céu. O que acusa, ao contrário, só humilha o outro e se exalta porque está “sempre certo”. O que exorta, ama! O que acusa, despreza… Deus exorta… e o inimigo acusa. E você?

“E a nós, que agora estamos reunidos e somos povo santo e pecador, dai força para construirmos juntos o vosso reino que também é nosso” (Oração Eucarística V).